Gatos pretos e mulheres juntos nos preconceitos e nas perseguições

Chegaram a ser venerados e em alguns locais do mundo são mesmo vistos como sinal de prosperidade e bom augúrio. Na Pérsia antiga, acreditava-se que quem maltratasse um gato preto estava maltratar-se a si próprio.

Mas, atualmente, quando se fala nesta raça de gatos, é precisamente o contrário que vem à memória. No imaginário coletivo, são associados ao gato preto a má sorte, as epidemias, a bruxaria ou o culto ao diabo, por exemplo.

Pelo facto de ter a cor preta e hábitos noturnos, o pequeno felino passou, à medida que os séculos foram avançando, a ser visto como símbolo das trevas e do mal e responsabilizado por diversos acontecimentos mortais e catastróficos, como as pestes. Em resultado disso, foi frequentemente perseguido e morto, muitas vezes queimado vivo.

Gatos pretos e mulheres perseguidos na História

A imagem que nos chega aos dias de hoje está, no entanto, mais ligada à sua associação com as práticas de feitiçaria e bruxaria, ou adoração do diabo. E neste contexto, os gatos pretos acompanharam a perseguição que foi feita às mulheres que não se encaixavam nos cânones da altura e que por motivos de ciúme ou por desafiarem os padrões vigentes e as crenças dominantes eram acusadas de bruxaria e feitiçaria.

Solitárias, pobres e vivendo muitas vezes fora das comunidades, estas mulheres conheciam as ervas e os seus poderes curativos e medicinais. Muitas vezes faziam acompanhar essas poções de rezas e davam-lhe outros fins, como a solução para males de amor ou do espírito. Por outro lado, atraiam sexualmente os homens, provocando a ira das outras mulheres. Tudo isso lhes valia a ostracização das suas comunidades e acusação de feitiçaria, que, muitas vezes, lhes ditou a morte.

Com o anti-paganismo, na Idade Média, a Inquisição e a caça às bruxas, na Europa, e, mais tarde, também, nas então colónias americanas, o gato era visto como a forma animal destas mulheres. O preto, pelo significado que era atribuído à sua cor, era especialmente visado. Os gatos eram frequentemente mortos para libertar o espírito da mulher dessa encarnação maléfica.

Há também histórias do folclore britânico que remontam estas crenças a mulheres que viviam isoladas e abrigavam gatos vadios, relacionando esse modo de vida com as desgraças que aconteciam nas comunidades e para as quais não encontravam uma explicação racional. Também existem relatos que associavam os aumentos da população felina à feitiçaria e não ao simples facto de terem a alimentação mais facilitada por esse acolhimento.

Segundo o blog ‘História Hoje’, das investigadoras brasileiras Mary del Priore, autora, entre outros, do livro Uma Breve História do Brasil, e Marcia Pinna Raspanti, “o gato parecia o companheiro ideal para as bruxas”. A explicação decorria dos hábitos noturnos dos felinos e do facto de ser um animal independente e misterioso.

“Outro fator importante é que os pobres e mendigos costumavam ter a companhia destes animais, o que era mais um fator para aumentar o preconceito. A cor preta era associada às trevas, à impureza e ao mal. Portanto, o gato preto reunia traços muito suspeitos naqueles tempos”, resumem as historiadoras.

Sobre a relação destes animais com as mulheres acusadas de bruxaria Mary del Priore e Marcia Pinna Raspanti, citam o auto Auto de Fé de 1559, em Lisboa, no qual “as bruxas que foram queimadas eram acusadas de comparecer ao sabbat na forma de gatos e cães. Já no Brasil colonial, os relatos davam conta de que as bruxas que se transformavam em animais ou que estes eram a encarnação do próprio diabo e ainda que, o gato não fosse o animal mais citado nesses relatos de metamorfoses, o felino surge em algumas, como mostra o excerto dos textos de Laura de Mello e Souza, em ‘O Diabo e a Terra de Santa Cruz‘, que especialistas citam.

“Murmurava-se que a mulher de André Gavião era bruxa. O padre jesuíta Baltasar de Miranda viu-a tentar passar pelo umbral de uma porta cujo ferrolho se achava levantado para cima, sem entretanto o conseguir – como era comum acontecer com as feiticeiras. Na mesma noite, entrou porta adentro um gato grande, saltando sobre a candeia e apagando-a; quando os presentes deram conta, um bebezinho de seis dias, irmão do jesuíta achava-se ‘embruxado com a barba chupada’, vindo a morrer logo depois. A tal mulher, transformada em gato, era a autora do mal feito.”

Dia da Apreciação do Gato Preto

Para combater todos estes preconceitos, que, em parte, se mantiveram até hoje, foi criado nos Estados Unidos, o Dia da Apreciação do Gato Preto. Comemorado a 17 de agosto, a evocação serve também para a incentivar à adoção destes felinos, que, devido às crenças, ficam muitas vezes para trás.

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