O namorado desapareceu do dia para a noite sem dar qualquer explicação. Aconteceu a Maria, de 25 anos, e aconteceu a tantas outras jovens mulheres em todo o mundo desenvolvido que o fenómeno já tem um nome: Ghosting.
A palavra inglesa que deriva do termo ghost (fantasma em inglês) e que serve para caracterizar o desaparecimento de um dos elementos do casal, levando ao fim da relação por falta de comparência. Tal como a famosa história do homem que saiu de casa para comprar cigarros e nunca mais voltou, relembra o psicólogo José Carlos Garrucho, “estes casos não são novos. Agora arranjaram foi um nome novo para isso”.
Sim, o nome é novo e porque os hábitos e as tecnologias do segundo milénio fazem com que os casais estejam sempre em contacto, a sensação de abandono é talvez maior. Agora são chamadas perdidas, mensagens sem resposta, redes sociais bloqueadas e encontros recusados via Tinder.
Maria foi vítima de Ghosting. Vivia um relacionamento à distância e tinha no telemóvel e no computador os grandes aliados. Passava os dias a enviar e a receber mensagens e, à noite, não ia dormir sem conversar com namorado por telefone. Até que houve um dia que essa rotina se quebrou. “Já não me lembro bem de como aconteceu. Simplesmente deixou de aparecer online no MSN Messenger, de responder às mensagens e de atender o telemóvel. Recordo-me de ligar várias vezes durante o dia, umas a seguir às outras, e nunca ter resposta. Tínhamos um contacto diário e, de repente, tudo desapareceu”, conta Maria.
“Porque é que isso acontece? Bom, pode acontecer por muitas razões. As pessoas não têm todas o mesmo nível de desenvolvimento emocional para o compromisso e isso coloca-as em posições diferentes na vida e a olhar a realidade e o mundo de forma diferente”, explica José Garrucho. Perceber isso nem sempre é fácil, embora aquele que se evapora deixe escapar alguns avisos de que isso poderia vir a acontecer: “Há sempre sinais, nós é que não estamos disponíveis para os ver. A outra pessoa demonstra sempre o seu egoísmo, o seu lado indisponível, o seu lado de exigência e de pouca reciprocidade. No fundo, aquela pessoa estava lá [na relação] por ela e não sendo capaz de suprir as necessidades da outra pessoa, nega-a e vai-se embora como se nada tivesse existido antes”.
Desaparecer sem deixar rasto, porquê?
Dinis, 25 anos, quis livrar-se de explicações e optou por terminar a relação, de um ano, desaparecendo sem deixar rasto: “Além de não responder a mensagens e de ignorar as chamadas, deixei de alinhar em saídas com ela e a estar mais tempo com os meus amigos, passei a minha vida profissional para primeiro plano e dizia que estava sempre cansado. Já mais para o fim acabei por bloqueá-la nas redes sociais e por ‘fugir’ quando a encontrava na rua. Foi a solução mais ‘fácil’ que encontrei para fugir daquilo que eu já considerava um problema e do qual não sabia como me livrar”.
Para José Garrucho, esta “é uma espécie de fuga à realidade. Estas pessoas pensam: ‘Eu não quero isto, também não sou capaz de me desenvencilhar disto e, portanto, a única maneira é desaparecer. Da mesma maneira que eu o fiz [aceitar o compromisso], também o posso desfazer. Pela minha simples vontade’. E assim arrancam, sem nenhuma espécie de compromisso com o próprio passado, como se quisessem apagá-lo, partindo do pressuposto que ele não existe. Ao desaparecerem acreditam provocar uma mudança, mas a verdade é que não conseguem mudança nenhuma, porque apesar de mudarem tudo, não deixam de levar com eles a angústia da separação e da rutura”.
“Acho que quem passa por um episódio deste género muito dificilmente vai ultrapassá-lo completamente”
O fim de um relacionamento não é fácil, sobretudo para quando se fica à espera do parceiro ou de pelo menos alguma explicação. Maria revela que “foi muito difícil. Foram cerca de dois ou três meses a tentar entrar em contacto. É que quando a pessoa desaparece passas a ocupar o teu tempo em busca dela, na esperança de conseguires voltar a ter o que tinhas ou de pelo menos teres uma explicação. Mas acabas por ser vencida pelo cansaço. Acho que foi isso que me aconteceu”.
Quando os dias de conversa e partilha dão lugar ao silêncio do parceiro, o sofrimento ganha terreno e “provoca desde logo aquilo a que, no senso comum, se chama uma desilusão. Uma desilusão explica o próprio acontecimento: nós só sofremos uma desilusão porque antes tivemos uma ilusão. Efetivamente, não conhecemos a outra pessoa. Conhecemos apenas a parte da pessoa que ela nos permite conhecer. E no processo de enamoramento e desenvolvimento da paixão o que fazemos é seduzir o outro, é mostrar o nosso lado mais bonito. Na prática nós queremos enganar o outro, o processo de sedução é um processo de engano, é um processo de marketing”.
De vítima a agressor
A paixão parece fazer criar uma imagem romântica, idealizada, da outra pessoa. Quando essa pessoa desaparece acontece um choque emocional, difícil de superar e que pode acabar por deixar sequelas a nível psicológico. Foi isso que aconteceu a Dinis. Embora tenha encontrado no desaparecimento a forma perfeita para acabar com um relacionamento, antes disso já ele tinha sido alvo de Ghosting: “Fizeram-me e eu fiz. Foi como contaminar outras pessoas com a desilusão que eu senti na altura, que ainda não ultrapassei. Podem já ter passado mais ou menos cinco anos, mas a ferida continua aberta. Ainda não sou capaz de olhar para a minha ex-namorada e sentir algum tipo de afeto. Acho que quem passa por um episódio deste género muito dificilmente vai ultrapassá-lo completamente”.
Tal como a perda de um ente querido, também nestas situações “o processo de luto tem de ser feito”, afirma José Garrucho. “O luto da relação e do projeto da relação é algo inevitável. Se vão sofrer? Vão. Muitas vezes não compreendem, tentam arranjar explicações e podem até culpar-se a elas próprias: ‘Em que é que eu errei? O que é que eu fiz?’. [Há pessoas que] requerem mesmo acompanhamento técnico para não entrarem em processos psicopatológicos de desorganização mental e de dor emocional”.
“Achava que ela merecia uma explicação. Como a tinha apagado da minha vida, comecei a tentar encontrá-la. Consegui, entrei em contacto com ela e convidei-a para jantar”
Hoje, Dinis assume que a atitude que teve não foi correta, mas não põe de lado a hipótese de um dia voltar a fazer Ghosting: “Sei que o que fiz não está certo, mas vejo a minha ação como uma forma de desespero. Na altura foi o que senti que devia fazer e provavelmente voltaria a fazê-lo. Claro que é uma ação a evitar, e seria mesmo em último caso. Mas se já o fiz uma vez, acho provável que aconteça uma segunda ou terceira vez. Penso que seria mais ‘fácil’ para gerir as emoções”.
Relações à distância e identidades falsas
“Não tive coragem de lhe contar que na realidade era uma rapariga. Já não me sentia bem com toda aquela situação, nem conseguia continuar a mentir. Foi então que pensei que a maneira mais fácil para mim seria desaparecer.” Ana, hoje com 23 anos, frequentadora de salas de chat na adolescência, podia ali ser quem quisesse, sem ninguém a julgar, e assumiu uma identidade masculina. Foi nesse papel que manteve um namoro virtual por ano e meio com outra rapariga: Maria a vítima de ghosting com quem falámos inicialmente.
“Mantive essa relação durante ano e meio, mas com todas as mentiras associadas ao meu género. Comecei por me tornar uma pessoa mais fria, a estar grande parte do dia ocupada, não atendia telefonemas, deixei de responder às mensagens, bloqueei-a no MSN. Fiz de tudo para cortar relações e para que essa pessoa me esquecesse,” recorda Ana.
Já Ana afirma que não quer voltar a ser um fantasma do amor: “Não voltaria a fazer o que fiz, pois ao analisar tudo o que aconteceu, vejo que segui o caminho mais fácil para mim, sem nunca pensar na outra pessoa e em como ela se poderia sentir ao ser abandonada e desprezada. Hoje encaro as coisas de outra maneira”. Por isso, procurou a ex-namorada virtual e tentou concertar o erro: “Lembrava-me dela constantemente, chegava a reler mensagens que tínhamos enviado e cartas que foram escritas, tinha saudades, curiosidade em saber o que era feito dela e vontade de lhe contar a verdade. Achava que ela merecia uma explicação. Como a tinha apagado da minha vida, comecei a tentar encontrá-la. Consegui, entrei em contacto com ela e convidei-a para jantar. Foi nesse momento que contei toda a verdade, tudo em relação há minha vida, acabando com as mentiras. Desde então ficámos amigas e, depois, começámos a namorar”.
Mas, tal como o desaparecimento, também o regresso do ‘fantasma’ pode ter consequências negativas: “Há sempre alguma perturbação porque entretanto a pessoa fez o luto, tem a vida organizada, pode ter outras relações e vive no pressuposto de que aquela pessoa não voltará mais. Por isso, provoca sempre grandes sobressaltos, sofrimento e, por vezes, até acertos de contas. Esse tipo de reencontro é tão complexo que a probabilidade de vir a funcionar é baixa. Aliás, até há um provérbio que diz: ‘Não voltes ao lugar onde foste feliz’. Porquê? Porque vais perceber que aquela felicidade se perdeu definitivamente,” explica o psicólogo.
Nota: Todos os testemunhos apresentam nomes fictícios, salvaguardando a identidade.
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