Ginecologista congolês critica “metástase da violência” na República Democrática do Congo

Congolese gynaecologist Mukwege delivers a speech during an award ceremony to receive his 2014 Sakharov Prize at the European Parliament in Strasbourg
Denis Mukwege ganhou o Prémio Sakharov em 2014 pelo sue trabalho com mulheres vítimas de violação, no Congo. (REUTERS/Vincent Kessler)

O ginecologista congolês Denis Mukwege, especializado no tratamento de mulheres vítimas de violência, critica a “metástase da violência” e defende que grupos rebeldes que atuam na República Democrática do Congo (RDC) devem ser desarmados também no âmbito psicológico.

“Vemos mais e mais mulheres a chegar do centro do país onde antes não havia conflito. Isso é resultado de uma metástase da violência e dos acordos de paz que não se respeitam. Na verdade, é preciso que estes grupos sejam desarmados mentalmente, no plano psicológico, o que não está a ser feito”, disse à Lusa, este domingo, 16 de julho.

Mais de três mil pessoas foram mortas desde outubro de 2016 em Kasai, no centro do país, denunciou, a 20 de junho, a Nunciatura Apostólica em Kinshasa. Além dos cerca de 1,3 milhão de deslocados registados pelas Nações Unidas.

Aos 62 anos e com uma feição suave e serena, Mukwege mantém uma rotina agitada no Hospital Panzi do qual é fundador e cirurgião-geral. O hospital localiza-se na comuna de Ibanda, na cidade de Bukavu, capital de Kivu do Sul.


Desde 1999 quando criou o hospital, ele e sua equipa já trataram mais de 50 mil sobreviventes de violência sexual, a maioria mulheres e crianças vítimas do conflito que assola o país há, pelo menos, vinte anos.


Os doentes chegam com as mais variadas condições físicas, descreve. Desde adolescentes de 14 e 15 anos que dão entrada com feridas na zona vaginal a mulheres que, após terem sido violadas, apresentam infecções geradas por doenças sexualmente transmissíveis e perda de sangue.

Ainda é relevante o grupo de pacientes que apresenta sintomas de Sida e de crianças menores de 5 anos que foram violadas por adultos.

O hospital Panzi oferece tratamento especializado para sobreviventes de ferimentos graves, especialmente para mulheres que sofreram traumas físicos e psicológicos. O tratamento é gratuito para os pacientes que não têm condições de pagar por serviços médicos.

“É preciso associar o tratamento físico ao psicológico para permitir que as mulheres possam restabelecer-se totalmente”, disse.

Mukwege mostrou-se preocupado com o futuro das suas pacientes bem como do país, considerando que não são visíveis sinais de “melhoria na situação de segurança”.

“Acredito que se a segurança não melhorar efetivamente, a situação das mulheres neste país também não melhorará. As mulheres são vulneráveis assim como as crianças”.

A esperança em novas eleições
O médico congolês defende que a ordem constitucional seja respeitada na esperança que haja eleições até final de 2017.

“Precisamos ter eleições até o final deste ano. Deve-se retomar a ordem constitucional para que o povo congolês possa escolher o líder que compreenda a sua função. Queremos que estas eleições sejam transparentes e democráticas para que as coisas voltem ao normal. Esta será a única forma de o povo escolher seus líderes que possam mudar as coisas”, reforçou.

O presidente Joseph Kabila deveria ter deixado o poder a dezembro de 2016 e convocar eleições. Ele está na presidência desde 2001.

Kabila deveria ter liderado um governo de transição até que as próximas eleições sejam levadas a cabo a final deste ano. Contudo, a oposição acusa o governo de minar os esforços para uma transição política pacífica.

Um trabalho de risco
Mesmo após ter sobrevivido a um ataque violento contra a sua família e uma tentativa de assassínio há cinco anos, Mukwege dedica grande parte do seu tempo a cuidar dos doentes, a realizar consultas e cirurgias no hospital.

As ameaças pessoais persistem num ano em que estão previstas eleições no país.

Um grupo de cerca de dez militares da Missão de Estabilização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO) garante a sua segurança e a do hospital 24 horas.

As ameaças são um tema que o ginecologista evita comentar: “Eu tento fazer o meu trabalho da melhor forma que posso”.

O médico conversou com a Lusa no gabinete no hospital, depois de uma viagem pela Europa.

“Percebi que o problema não se resolveria nas salas operatórias, por isso faço muitas viagens. Eu senti que precisava sair das cirurgias e falar ao mundo o que está a passar aqui. Um quarto do meu tempo utilizo para informar ao mundo o que acontece aqui, encontrar autoridades para que façam tudo o que puderem para trazer de volta a paz”, argumentou.


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Mukwege foi distinguido com o Prémio Sakharov 2014 do Parlamento Europeu, galardão que premeia a liberdade de pensamento e a defesa dos direitos humanos.

Um ano antes, recebeu o prémio da Fundação Right Livelihood Awarad 2013, conhecido como o Nobel Alternativo dos Direitos Humanos pelo seu trabalho com mulheres vítimas de violência sexual.

Imagem de destaque: REUTERS/Vincent Kessler