Com o processo de impeachement, o afastamento da Presidente do Brasil levou à sua substituição pelo vice-presidente, Michel Temer. Para os 180 dias que Dilma Roussef que estará inicialmente desligada do poder, enquanto decorre a investigação, há uma nova formação de Governo, bem diferente da anterior, muito menos representativa da população brasileira. Carol Patrocínio, jornalista, fez as contas e explica o que esperar desse governo exclusivo de homens brancos:
“O presidente interino Michel Temer (PMDB) tem citado nomes para assumirem ministérios – que serão cortados de 32 para 22. Todos eles são homens. Isso nos leva a uma viagem do tempo que a maior parte de nós, amantes da liberdade, não gostaríamos de fazer. O ano é 1974 e o governante é Ernesto Geisel, o quarto dentro do Regime Militar brasileiro (a Ditadura Militar no Brasil durou de 1964 a 1985). Essa foi a última vez que não houve nenhuma representante feminina na Esplanada – exceto em cargos como faxina, copa e cozinha, é claro.
Aliados de Temer dizem que não é uma opção machista, mas algo que aconteceu naturalmente. E é exatamente assim que funciona o machismo estrutural. Ele é tão normalizado que parece impensado, apenas acontece. Mas continua excluindo mulheres das esferas de poder e tomadas de decisão.
Pode não parecer grande coisa para quem não acompanha as lutas dos movimentos sociais e feminista, em especial. Mas os números deixam isso muito claro: a população brasileira é de mais de 202 milhões de pessoas, sendo 103,68 milhões de mulheres e 97,78 milhões de homens. A política não deveria ser um espelho dessa sociedade?
E retrato só piora quando falamos sobre outras minorias. Muita gente não entende o conceito de minorias, mas elas são grupos de pessoas que, apesar de numerosos, têm pouco poder em suas mãos. Neles estão pessoas negras (14.351.162*), não-brancas ou pardas (82.820.451*) e indígenas (821.500 pessoas, que se dividem em 305 etnias e 274 idiomas*).
Nesse raciocínio não levamos em conta orientação sexual – há 60.002 casais homoafetivos* que moram juntos, segundo o Censo, e a população LGBT é estimada em 20 milhões de pessoas. As pessoas com questões de identidade de género são cerca de 2 milhões como estima a investigadora Marina Reidel.
Os membros chamados para os Ministérios são um reflexo do que acontece na nossa sociedade: a exclusão das minorias sociais baseado no machismo – para não haver dúvida, o machismo vai além da ideia de que homens são superiores às mulheres, ele também é racista e classista.
Se vivemos numa sociedade desigual, que proporciona experiências totalmente diferentes para os diversos grupos sociais que deveriam conviver, as decisões de representantes desses grupos, quando em cargos de poder, seriam diferentes daquelas tomadas por homens brancos.
É necessário ter representatividade, ter espaço e voz nas tomadas de decisão, ter os diversos grupos da nossa sociedade heterogénea representados para alcançarmos a verdadeira democracia. Se a luta para tirar a presidente Dilma do governo foi realmente baseada na busca de uma verdadeira democracia, estamos dando os primeiros passos em direção a algo bem diferente dela. Geisel deve estar aplaudindo no túmulo.”
*Dados referentes ao Censo 2010 (último levantamento com essa abordagem)”
Este texto foi publicado inicialmente pelo ONDA NEWS