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Gravidez de substituição: “Ia já direta para a clínica, não tenho nada que me prenda”

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“Já sei desde os 11 anos que, à partida, iria precisar de uma barriga de aluguer, mas a confirmação de que precisaria mesmo chegou há pouco tempo”, recorda Andreia Oliveira.

Esta formadora de estética, de 36 anos, debateu-se contra uma leucemia ainda antes de entrar na idade fértil, mas confiou sempre – tal como os médicos – de que a ciência lhe traria uma resposta em tempo útil. Tal não sucedeu, mas crê agora na lei para conseguir cumprir o sonho de ser mãe, com recurso a uma gestante e a ovócitos doados.

Andreia Oliveira [Fotografia: Facebook]

Estou muito feliz. Estou num êxtase autêntico”, revela Andreia ao Delas.pt na sequência da promulgação da lei da gestação de substituição e que permite a mulheres com limitações de saúde poderem ser mães.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, deu luz verde ao diploma que acomodou alterações impostas pelo Tribunal Constitucional entre elas o pedido para que a gestante seja preferencialmente mãe e que esta tenha direito ao arrependimento. Um prazo da entrega do bebe que está agora definido até 20 dias após o nascimento.

Alterações que incluem um artigo novo que resulta de pareceres do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida e da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução que limita o âmbito da gestação de substituição a cidadãos nacionais ou com residência em Portugal.

É também com palavras de alegria que Joana Freire olha para esta nova promulgação. “Esta felicidade já a vivi algumas vezes. A maior, senti-a quando a lei passou pela primeira vez na Assembleia da República”, recorda esta responsável de marketing, de 35 anos, e uma das principais mentoras que deu origem a todo este processo.

Ela, que também não pode ser mãe, mas por razões diferentes das de Andreia – nasceu sem útero -, viveu de perto os avanços e recuos de uma lei que até chegou a estar em vigor, permitiu a quase uma dezena de casais submeter processos, mas que ficaram pelo caminho.

Joana Freire [Fotografia: Carlos Manuel Martins / Global Imagens]

“Todo este tempo foi uma montanha russa. Agora está disponível e, claro, ficamos superfelizes e por ver que é possível ter acesso à maternidade e sem precisar de abandonar o sonho”, refere Joana, que foi avisada da promulgação da lei “por uma vizinha e quando ia comprar o pão para o pequeno-almoço”.

E os 20 dias de arrependimento?

Quer para Andreia, quer para Joana, essa questão está há muito abordada e clarificada. “Dizia-se que, na formulação inicial, estavam a beneficiar mais o casal do que a gestante e eu acabo por compreender”, diz a formadora de estética. “Apesar de não querer passar por uma eventual indecisão e de não colocar a hipótese, é importante que a gestante seja respeitada, esteja em primeiro lugar e depois nós”, acrescenta.

Andreia Oliveira tem amigas já mães que se disponibilizaram para levar a gravidez por diante e assegura que a questão dos 20 dias não se vai colocar no seu caso.

“A primeira pessoa que se ofereceu não sabia dos 20 dias. Depois de sexta-feira [dia da aprovação da lei no Parlamento], tive mais duas pessoas que se ofereceram e estão preparadas para isso, nem sequer colocam a hipótese de recuar na decisão”, antecipa a formadora, que conhece o outro lado da barricada: “A minha irmã sente-se culpada, mas desde miúda que diz que não conseguiria fazê-lo [fazer uma gestação de substituição por Andreia] porque se iria afeiçoar. Eu respeito o entendimento dela sobretudo porque acho que a pessoa que o vai fazer tem de ter a plena consciência”, diz Andreia.

Para Joana Freire não há margem para indefinições. “Eu e a minha irmã – mais velha três anos e já mãe – temos essa questão muito clara entre nós”, revela. Sobre a decisão, acrescenta: “Era importante dar voz às gestantes, era preciso encontrar uma data e ficou o prazo limite do registo de um bebé”.

Lei poderá entrar em vigor “no primeiro trimestre”de 2022

A responsável de marketing e o companheiro não se inscrevam em 2017, quando o processo chegou a aceitar as primeiras candidaturas, por estarem ainda a reunir condições financeiras.

Neste momento, a vida é diferente, mas Joana continua a olhar com cautelas: “Agora é aguardar e ver os próximos desfechos, ver quando a legislação fica disponível e submeter o processo ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida.” Entusiasmada, Andreia Oliveira diz mesmo: “Eu ia já para uma clínica, não tenho nada que me prenda.”

Apesar destes avanços e recuos, ainda falta um par de meses para que o processo se conclua, contando que não seja sujeito a interrupções ou atrasos. Ao sair de Palácio de Belém, o diploma tem de ser publicado em Diário da República, o que deve ser por dias. Segundo o clausulado, a legislação entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte à publicação, havendo 30 dias para que o governo a regulamente e publique.

“Creio que se todos os prazos forem cumpridos, as mulheres que estão nesta circunstância vão poder recorrer à gestação de substituição ainda no primeiro trimestre de 2022”, conta o deputado bloquista Moisés Ferreira. Um processo que, no entender deste responsável, não deverá conhecer atrasos, mesmo que existam eleições previstas para 30 de janeiro. Afinal, o executivo mantém-se em funções.

“Espero que haja vontade em cumprir todos esses prazos sobretudo porque a idade das mulheres é um elemento chave neste processo, que já conta com cinco anos e meio. É preciso lembrar que tem sido longo e já excluiu pessoas”, vinca Moisés Ferreira.

Gestação de Substituição: o parto muito complexo da lei

Apenas quatro dias depois de o diploma sobre a legislação de Gestação de Substituição ter saído da Assembleia da República, a 25 de novembro, Marcelo Rebelo de Sousa deu-lhe luz verde.

Uma decisão que teve lugar na segunda-feira, 29, que chega mais de três anos depois, após diplomas do Bloco Esquerda e do Partido Pessoas-Animais-Natureza. Uma resposta que surgiu na sequência de o Presidente da República ter requerido a fiscalização preventiva da alteração ao regime jurídico da gestação de substituição. Esta tinha sido aprovada pelo parlamento a 19 de julho de 2019, que não incluiu a revogabilidade do consentimento da gestante até ao nascimento da criança e que foi imposta pelo Tribunal Constitucional.

O novo decreto-lei aprovado a 25 de novembro, na Assembleia da República, contou com os votos a favor do BE, PS, PAN, Iniciativa Liberal, os Verdes e a deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira. O texto de substituição dos projetos de lei do BE “Alteração ao regime jurídico da gestação de substituição” e do PAN “Garante o acesso à gestação de substituição”, mereceu os votos contra do PCP, PSD, CDS-PP e Chega e uma abstenção da deputada não-inscrita Cristina Rodrigues.

A celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição carece de autorização prévia do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, entidade que supervisiona todo o processo, a qual é sempre antecedida de audição da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos, entidade que foi acrescentada na lei.

Recorde-se que, em abril de 2018, Marcelo Rebelo de Sousa acabou por vetar a alteração à lei na sequência de o TC ter declarado inconstitucionais as normas que impunham sigilo absoluto relativamente às pessoas nascidas em consequência de técnicas de procriação medicamente assistida, com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões, incluindo nas situações de gestação de substituição.

Também foi aprovado no parlamento o texto final apresentado pela Comissão de Saúde relativo aos projetos de resolução do BE que recomendam ao Governo medidas para a não exclusão de mulheres dos procedimentos de procriação medicamente assistida por atrasos devidos à pandemia. O PCP vinca o reforço da resposta dos Centros Públicos de Procriação Medicamente Assistida e a adoção de medidas para salvaguardar o futuro da Procriação Medicamente Assistida (PMA) no Serviço Nacional de Saúde. Um projeto do CDS-PP aponta para um plano de recuperação da atividade de PMA em contexto de covid-19. O texto foi aprovado com os votos a favor do PCP, BE, PEV, PSD, Iniciativa Liberal e Chega e com a abstenção do PS.