Gravidez: nascer de novo depois de um AVC

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[Fotografia: Shutterstock}

Diana Wong Ramos era jornalista, tinha 34 anos e dois filhos quando, após uma intervenção cirúrgica em 2011, acabou por sofrer uma Trombose Venosa Cerebral. Foram meses atirados para camas de hospital e unidades de reabilitação fruto do acidente cerebral até que, três anos mais tarde, e ainda a aprender a viver com as sequelas que a doença tinha deixado, descobre que estava grávida. ‘E agora?’, perguntou-se.

David, Madalena e Maria: os três filhos de Diana Wong Ramos [Fotografia: DR]
David, Madalena e Maria: os três filhos de Diana Wong Ramos [Fotografia: DR]
O que fazer quando todos lhe diziam que o melhor era desistir? Fez perguntas, falou com especialistas e decidiu seguir em frente para o terceiro filho. Em janeiro de 2014 chegava Maria, hoje com cinco anos, que se juntou a David, de 17, e a Madalena, de 14.

Mafalda Vilhena, antiga educadora de infância, pensou que sobreviver a um AVC com sequelas e que teve aos 31 anos poderia já ser já milagre suficiente. Ainda assim, a esperança de ser mãe estava lá. Foi Diana Wong Ramos quem, à primeira oportunidade, a encaminhou, e a antiga educadora está, aos 35 anos, grávida de 37 semanas e com data de parto marcada para 16 de abril. Sim, a data tem todo o relevo ou não coincidisse com o dia em que, quatro anos antes, sofrera o primeiro de dois acidentes vasculares e que lhe deixaria com sequelas do lado esquerdo do corpo. “É como se estivesse a reescrever a história”, sorri.

Histórias de quem vence o medo, de quem adapta toda uma vida a novas soluções medicamentosas para gerar vida, duas jornadas de superação diária, de muita fisioterapia e não só, de muito apoio familiar e que se cruzam e são reveladas ao Delas.pt a propósito do Dia Nacional do Doente com AVC, que se celebra este domingo, 31 de março.

“Hoje em dia são raras as doenças em que as mulheres não possam ter filhos, quem teve AVC – mesmo sabendo que a gravidez por ser um fator de risco – pode ser mãe”, refere Jorge Ramos Lima. O obstetra na consulta de Patologia Tromboembólica e Autoimune da CUF tem vindo a acompanhar cada vez mais mulheres em situações desta natureza e lembra que “mais do que tratar os fatores tromboembólicos, o importante é preveni-los”. Entre eles, contam-se, por exemplo a obesidade, lembra o especialista.

Três pessoas por hora têm um AVC em Portugal e mulheres têm maior risco

E se elas chegam carregadas de mitos e de receios, estas mulheres chegam também com perguntas, e as mais frequentes passam pelo “receio de ter um novo episódio, da medicação, de como vai correr e dos riscos hemorrágicos que existem aquando do parto”, revela o obstetra, que lembra que a medicina tem já as soluções.

“Senti-me mesmo com o rei na barriga”

“Era a pessoa mais abençoada ao cimo da terra, sobretudo depois do que tínhamos passado”, recorda agora Diana ao Delas.pt. “Senti-me mesmo com o rei na barriga. Claro que era uma gravidez de risco, claro que houve opiniões contrárias, tivemos de pensar e conversar em família”.

Mafalda está agora na fase, confidencia, em que “está um bocadinho cansada e saturada”, com um Francisco, “um bebé muito grande”, quase a nascer. Mas a reação aos primeiros testes positivos não foi muito diferente da de Diana: “Quando soube, tive claramente a sensação de que ganhei. No segundo trimestre, então, senti-me a super-mulher. Ainda outro dia o Rui [companheiro de Mafalda] me dizia: ‘há uns anos estavas entre a vida e a morte e a perguntar se podias gerar vida’. Hoje, estamos aqui”.

Mafalda Vilhena, grávida de 37 semanas, com Diana Wong Ramos [Fotografia: DR]
Mafalda Vilhena, grávida de 37 semanas, com Diana Wong Ramos [Fotografia: DR]

Claro que houve angústias, claro que houve confrontações e, claro, que houve decisões de risco. “Passei a dar injeções de heparina [anticoagulante do sangue] na barriga, o que inicialmente me fazia muita confusão”, refere Mafalda.

Diana Wong Ramos com a filha Maria [Fotografia: DR]
Diana Wong Ramos com a filha Maria [Fotografia: DR]
As dúvidas de Diana passavam também pela medicação para evitar as convulsões. “São medicamentos que podem ter efeitos secundários e o bebé poderia ter problemas, mas tudo isso foi explicado pelo Dr. Jorge. Logicamente, tive de adaptar a medicação para a gravidez, fazer outro tipo de exames e ser vigiada, e acabei por ter um parto normal, sem anestesia, como eu queria. Afinal eu tinha capacidade para ter a criança pelos meus próprios meios”, recorda Diana, fundadora da Associação Portugal AVC.

Esta estrutura procura acompanhar quem vive e lida com a doença e promove encontros através de grupos de apoio, ações de esclarecimento e sessões informativas. O próximo encontro, com partição gratuita, mas inscrição obrigatória tem lugar a 13 de abril, às 14h30 horas, no Fórum Lisboa.

Aulas para aprender tudo do zero

Mafalda há muito que começou os preparativos para a chegada de Francisco. E às tão aguardadas decorações do quarto do bebé, os preparativos das malas, utensílios e acessórios, o tempo tem sido, em grande parte, dedicado a terapia ocupacional para mães, alguma a título privado, outra no centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão. “Eles adaptaram os cursos para que pudéssemos aprender a vestir um bebé, mudar uma fralda, pegar no recém-nascido“, conta a antiga educadora de infância. Em breve, será tempo de aprender sobre a adaptação à amamentação.

AVC: “Deixei de coser, de abotoar as blusas. É um bocado complicado”

A esta atividade intensa, junta-se uma generosidade imensa que Mafalda faz questão de agradecer. “Têm-me dado imensas coisas, imensas roupas para o Francisco. Mas tive de fazer uma triagem no sentido de não ter, por exemplo, bodies de apertar com molas. Escolhi antes os quimonos, o que para mim é mais fácil”.

Afinal, como analisa a própria, “escuso de estar sempre a sofrer, a confrontar-me com a minha condição. Com o bebé a chorar, eu a enervar-me, não vale a pena”,desabafa, enquanto lembra que o segredo está na organização ao mais ínfimo detalhe para que tudo corra bem.

“Ela precisa de ajuda para abotoar os botões, e eu também”

Depois de ter sido mãe de dois, Diana voltou ao mundo dos bebés mas de uma nova forma. Os rituais de vestir, de mudar fralda, de amamentar, de dar banho tiveram de ser reaprendidos e readaptados como tudo o resto em casa.

Diana com o marido, Célio Ramos [Fotografia: DR]
Diana com o marido, Célio Ramos [Fotografia: DR]
No entanto, não foi apenas a ex-jornalista, com a ajuda do marido, Célio Ramos, e filhos, que se ajustou, Maria também se habitou a uma mãe que tinha outras características. “Ela só me conheceu com hemiparesia (paralisia parcial do corpo, no caso de Diana a esquerda). Ela precisa de ajuda para abotoar os botões, e eu também preciso. Ela sabe que eu não posso andar com ela ao colo, sabe que eu não corro”, enumera a fundadora da Associação.

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As perguntas, essas, já começaram a surgir. “A Maria acha estranho, eu explico-lhe o que se passou e ela vai entendendo”, diz Diana, que encontra, nesta sua condição, o “copo meio cheio”, como a própria refere.

“Estou mais presente na vida da Maria do que estive na do David e da Madalena, devido ao trabalho, ao dia-a-dia”, compara. E recorda até um episódio que deixaria qualquer um de nós a olhar para a vida de uma outra – uma rara – forma. “A minha filha do meio chegou a dizer-me: Ainda bem que tiveste um AVC, agora estás mais tempo connosco”.

Imagem de destaque: DR

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