Há 27 anos a voar alto

27 anos.

Quando olho para trás, e costumo olhar muito pouco, mas sim, quando olho, parecem-me menos.

Até há uns anos, pensava “bolas, não tarda e passei mais tempo de cadeira de rodas do que em pé.” Agora, com 42, a verdade é mesmo essa.

Mas foram 15 anos que valeram cada momento. 15 anos de uma vida comum, de uma miúda igual a tantas outras. Com sonhos, com dúvidas, com medos, misturados com uma vontade gigante de conquistar o mundo.

Até ali foco tinha sido viver como se tudo fosse eterno. Sem imaginar que “aquele tudo” podia mudar no segundo seguinte. E mudou. Bastou um dia em que o Universo se distraiu. Ou não.


“Passaram-se 27 anos desde o dia 11 de março 1991. Aquele dia em que aprendi o valor das pequenas coisas, dos pequenos momentos, dos pequenos gestos, dos pequenos prazeres. Aquele dia em que deixei de andar, mas em que passei a voar.”


Um amigo especial encontrou uma explicação cheia de ternura para esta espécie de “porquê a Marta?”.

Naquela altura, o mundo andava virado do avesso, a malta andava desanimada, infeliz, adormecida e precisava de ajuda para voltar a ver a beleza nas coisas mais simples. Por isso, os Deuses decidiram reunir-se em consílio com o objetivo de encontrar alguém que os ajudasse a colocar a “coisa” no sítio. Alguém especial, a quem confiariam aquela que consideravam uma missão única. Mas o humano escolhido teria que ficar diferente. Depois de muito refletirem numa solução, decidiram que esse humano devia ser eu, e enviaram um anjo para me levar até eles. Um anjo que, já agora, para ganhar as suas asas, teria que ser bem-sucedido nesta tarefa. A criatura lá desceu à Terra, tocou-me no ombro, altura em que caí nua, adormecida, e assim me mantive durante algumas horas – o tempo suficiente para os Deuses me segredarem a mensagem. Ao acordar, tinha perdido a capacidade de andar, mas trazia comigo a tal missão única e de enorme responsabilidade: provar que podemos todos escolher ser felizes, mesmo quando tudo parece querer mostrar-nos o contrário, e que o mundo está cheio de pequenos momentos que não devem passar-nos ao lado, e que devemos alimentar a nossa capacidade de os valorizarmos.

27 anos.

Uns, muitos, disseram que ia correr tudo bem, que aquilo passava, era uma questão de tempo. Outros, poucos, que teria que me habituar e aprender a viver assim dali para a frente. Escolhi ouvir os primeiros.

Uns, muitos, acolheram-me sempre com um à vontade inundado empatia, outros, poucos, disseram-me que “se fosse comigo preferia ter morrido”. Escolhi rodear-me dos primeiros.

Uns, muitos, trataram-me como se não houvesse nenhuma diferença a separar-nos, outros, poucos, encolheram-se à minha passagem, sem saberem muito bem como lidar com ela. Escolhi aproximar-me dos primeiros.

Escolhi bem.

27 anos.

O que sinto? Muita coisa. Que tem sido uma vida cheia de momentos impróprios para cardíacos. Que sou uma privilegiada por ter conseguido seguir em frente. Que fico mais completa, cada vez que alguém me diz que lhe influenciei a vida para melhor. Que tenho ao meu lado as pessoas que importa ter por perto para o que o futuro me reserva.

Passaram-se 27 anos desde o dia 11 de março 1991. Aquele dia em que aprendi o valor das pequenas coisas, dos pequenos momentos, dos pequenos gestos, dos pequenos prazeres. Aquele dia em que deixei de andar, mas em que passei a voar. Eu e o anjo, que, entretanto, conquistou as suas asas visto que, aos olhos das divindades, tinha encontrado a pessoa certa.

Alguns dizem que os Deuses fizeram um bom trabalho. Tendo a concordar, mas, devo dizer-vos que se há coisa que eu também sinto, é que a viagem ainda agora começou. Por isso, caros Deuses, espero que saibam onde e com quem se meteram.