“Há casais que só ao fim de 10 anos de infertilidade procuram ajuda médica”

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No final deste ano, na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional, o parlamento aprovou, na generalidade, cinco projetos de lei com o objetivo de garantir a confidencialidade dos dados das pessoas que fizeram dádivas sob o regime de anonimato para tratamentos de procriação medicamente assistida. Para 11 de janeiro está marcado o primeiro debate quinzenal com o primeiro-ministro, António Costa, dia em que será também de eleições para o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida. As questões da demografia e da baixa natalidade em Portugal foram um dos focos da mensagem de Natal do primeiro-ministro, que elencou algumas medidas do governo para tentar inverter o decréscimo demográfico do país, como “a nova geração de políticas de habitação, as novas políticas de família, o aumento do abono para as crianças, o alargamento da rede de creches ou a universalização do pré-escolar”.

Se o contexto económico e social é uma das principais razões apontadas para o reduzido número de filhos (em 2017, cada mulher em Portugal tinha 1,37 filhos, segundo dados do INE), há outros desafios, sobretudo para os que se debatem com questões de saúde e de fertilidade e que veem o sonho de serem mães e pais ainda mais dificultado. Também aqui, as contas não ajudam. Nem sempre o que está garantido no Serviço Nacional de Saúde para tratar os casos de infertilidade é suficiente para lutar contra o tempo que corre sem piedade. Mas há outros fatores, como a procura de ajuda médica diferenciada em tempo útil, que podem determinar o maior ou menor sucesso dos tratamentos, Catarina Júlio, ginecologista na Maternidade Alfredo da Costa e na Malo Clinic Ginemed explica, em entrevista ao Delas.pt, como se processa o acesso aos tratamentos de fertilidade em Portugal, quais as taxas de sucesso de cada um e as principais dificuldades e opções dos casais com problemas de fertilidade

 

Em junho de 2018, Portugal tinha a mais baixa taxa de fertilidade da União Europeia. Que progressos têm sido feitos para inverter este cenário?

A taxa de fertilidade em Portugal é a mais baixa porque os casais cada vez mais querem ter menos filhos. A nossa taxa em casais que o queiram não é mais baixa, o número de filhos por casal é que é mais baixo. Isto prende-se com questões económicas e sociais. Tem a ver com a conjuntura do país e não propriamente com questões médicas. O que é facto é que toda a realidade em que o país vive faz com que os casais queiram ter menos filhos e a fecundidade por casal seja menos de dois filhos. A forma de alterar isso tem essencialmente a ver com políticas do país, mas também existe uma percentagem, que corresponde mais ou menos a 10, 15% dos casais, que pretendem ter filhos mas não o conseguem. Portanto, encontram-se num quadro de infertilidade. E infertilidade quer dizer que existe mais de um ano de relações sexuais desprotegidas sem a obtenção de uma gravidez. Esta é a definição da Organização Mundial de Saúde. E é aí que a parte médica pode intervir.

A nível da taxa de tratamentos de infertilidade, que posição ocupa Portugal?

A taxa de sucesso dos tratamentos é idêntica em Portugal ao resto da Europa e de outros países desenvolvidos. A quantidade de casais com acesso a esses tratamentos é que não será. Existem vários tratamentos disponíveis para ajudar estes casais inférteis a conseguirem obter a gravidez desejada. O Sistema Nacional de Saúde (SNS) comparticipa a 100% mas com limitações. Só financia tratamentos de procriação medicamente assistida de segunda linha, ou seja fertilização in vitro, dadoras de ovócitos até aos 40 anos e inseminações intra-uterinas até aos 42, o que deixa vários casais de fora desta possibilidade e as seguradoras, em Portugal, também não comparticipam tratamentos de fertilidades. Portanto, a acessibilidade acaba por não ser universal, nem aquilo que seria desejável. Depois também é um assunto ainda um bocadinho tabu, as pessoas não falam sobre o tema e há um atraso no recurso às técnicas. O casal deveria, ao fim de um ano de relações desprotegidas sem gravidez, procurar ajuda. E muitas vezes, não só o próprio casal mas também os profissionais de saúde assumem que esta não obtenção de gravidez deve-se a fatores relacionados com stress e vão atrasando ou adiando a procura da ajuda médica. E cerca de metade nem sequer chega a procurar ajuda médica.

Catarina Júlio é médica ginecologista na Maternidade Alfredo da Costa e na Malo Clinic Ginemed (DR)

E quando procuram, procuram quanto tempo depois de começarem a tentar engravidar?

É muito variável e vai variar também com as zonas do país. Eu diria que as mulheres que são vigiadas por ginecologistas, ao fim de um ano, ou pouco mais do que isso, vão procurar ajuda médica, no sentido em que vão ser referenciadas para outro colega. Mas, no SNS, em termos do próprio casal, e não da referenciação médica varia entre um ano até quase 10 anos. Há casais que só ao fim de 10 anos de infertilidade procuram ajuda médica, ajuda diferenciada, na área da infertilidade.

Que alternativas têm as pessoas que não conseguem aceder a estes tratamentos através do SNS?

Apenas recorrer ao privado. O Estado comparticipa a medicação da infertilidade a 69%, quer o tratamento seja feito no público, quer seja feito no privado. Mas diria que os tratamentos variam entre 500 euros e oito mil euros.

Além da definição da Organização Mundial de Saúde, a que sinais é que o casal deve estar atento quando não consegue engravidar, nas primeiras tentativas?

Quando um casal decide que quer ter um filho é importante que não fique muito preso à possibilidade de não conseguir engravidar, porque isso não é saudável, vai criar stress no casal. Mas eu considero que é importante que se, ao fim de um ano, num casal saudável, sem antecedentes de qualquer doença em nenhum dos seus elementos, não houve uma gravidez devem procurar ajuda. E a ajuda é ir a um médico, que nos centros de infertilidade públicos são de acesso livre, não têm sequer que ser referenciados por outra instituição, nomeadamente pelo centro de saúde. Ou seja, os casais podem ir diretamente a um hospital que tenha [a especialidade] de infertilidade. Mas o mais correto seria dirigir-se primeiro ao médico que fez as rotinas pré-concecionais. Quando decide engravidar, é suposto a mulher ir a uma consulta em que é avaliado o estado geral da mulher e feitos exames para que sejam avaliados alguns fatores de risco para uma eventual gravidez. Estando tudo bem, o casal deve estar descansado, mas alertado para que se daí a um ano alguma coisa não correr bem voltar a procurar o médico. Caso não tenha havido uma gravidez, o médico é que tem obrigação de referenciar uma consulta de infertilidade. Mas considero que não se deve aumentar a pressão do casal no tempo para engravidar. Agora, existem casais em que o tempo para recorrer a uma ajuda médica não é um ano. Há determinadas situações de risco para ter infertilidade que devem fazer com que o casal solicite ajuda médica mais cedo, ao fim de seis meses.

Que situações de risco são essas?

Todas as doenças que possam comprometer o potencial reprodutivo. Uma mulher que tenha uma síndrome de ovário poliquístico, que menstrua de dois em dois meses ou de seis em seis meses, não vale a pena estar à espera de um ano para perceber que não vai engravidar. Ao fim de seis meses pode pedir uma ajuda médica, que implica tratamentos mais simples para que se consiga que ovule. Uma mulher que já tem história de endometriose, que tem antecedentes de cirurgias pélvicas, seja do ovário ou do útero, de doenças infecciosas pélvicas, como uma apendicite com peritonite, mulheres que tenham feito quimioterapia ou radioterapia pélvica. Homens que também tenham feito este tipo de tratamentos também diminuem o seu potencial reprodutivo, que tenham feito cirurgias urológicas. Todo este tipo de doenças devem fazer com que o casal peça ajuda mais atempadamente.

As causas da infertilidade estão mais presentes nas mulheres ou nos homens? Ainda se parte um pouco do princípio de que o problema será da mulher.

Os fatores femininos e os fatores masculinos nas causas de infertilidade rondam mais ou menos os 50% para cada um dos lados. Portanto, a ideia de que quando não se consegue uma gravidez a causa é da mulher, não é de todo correta. A questão é quando há necessidade de fazer tratamentos de fertilidade, realmente o tratamento incide mais na mulher. Mas o fator pode ser feminino ou masculino e o casal deve falar abertamente.

Excluindo as doenças que mencionou, que outros fatores de risco existem para a infertilidade?

Eu considero que nos dias de hoje o principal fator de risco para a infertilidade é mesmo a idade da mulher. Tem havido ao longo dos últimos 50 anos um adiamento considerável do projeto parental, por questões pessoais, profissionais, económicas… Foi-se adiando muito o projeto de ter um filho. Isso é o principal fator de risco, porque a idade da mulher é um fator que não é modificável. E o avançar da idade vai não só diminuir a fertilidade, como a taxa de sucesso dos tratamentos. Depois há fatores como a poluição, os tóxicos que ingerimos, a obesidade, o tabaco.

Congelar óvulos traz maior possibilidade de sucesso a essas mulheres que queiram engravidar mais tarde?

Com certeza que sim. A nossa fertilidade a partir dos 30 anos vai diminuindo, mas cai a pique a partir dos 35 anos e a partir dos 40 anos a probabilidade de engravidar diminui consideravelmente. Portanto, se a mulher já sabe que não vai ter nenhum projeto parental antes dos 40 anos ou eventualmente antes dos 38 o congelamento é uma hipótese. Mas é uma hipótese só no privado. É feita uma fertilização como se se fosse fazer uma fertilização in vitro e é feito o congelamento dos óvulos. Assim como qualquer tratamento de infertilidade nunca tem garantia [total] de sucesso, o facto de congelar óvulos não garante que haja o nascimento de um bebé. Em média são precisos 20 ovócitos por cada bebé e muitas vezes não é criopreservado esse número de ovócitos. Mas se vier a ser necessário fazer técnicas de procriação medicamente assistida, a utilização de ovócitos com 35 ou 38 anos tem uma taxa de sucesso muito superior a que se fosse com os ovócitos da altura, com 40 ou 42 ou mais anos. Quando nada disto funciona e a idade avançou, sobretudo a partir dos 45 anos, em que a taxa de sucesso ronda os 0%, a outra hipótese ainda é a doação de ovócitos. Ou seja fazer um tratamento com recursos a ovócitos de uma dadora com idade inferior a 35 anos.

Que tratamentos inovadores têm surgido nesta área nos últimos anos?

Nos últimos 40 anos tem-se desenvolvido a técnica e a própria técnica tem tido vários desenvolvimentos. É importante a vitrificação, a possibilidade de congelamento de embriões excedentários. Ou seja o casal faz um tratamento, obtém mais embriões do que aqueles que vai transferir a fresco. E podemos vitrificar com uma taxa de sucesso de recuperação de embriões acima de 97%, que nos permite mais tentativas com o mesmo tratamento. Isso foi uma inovação bastante importante. E o facto de já ser possível, para situações específicas, o teste genético dos embriões antes da transferência. Por outro lado, [evoluiu] a própria técnica de recolha dos ovócitos, que hoje em dia se faz através da vagina, a própria medicação, que é cada vez mais “amiga” do utilizador, com agulhas muito finas e muito fáceis de administrar e a diminuição do número de injeções. Mas eu acho que é muito importante o apoio psicológico e de todos os profissionais de saúde que intervêm neste tipo de tratamentos ao casal, para tentar minimizar o impacto negativo dos tratamentos e, sobretudo, do insucesso aos tratamentos. Só que isto no Sistema Nacional de Saúde, por vezes, é difícil, porque somos obrigados a dar alta a um casal sem que, do ponto de vista científico, estivessem terminadas todas as hipóteses. Por isso, o fator económico acaba por ser importante no desistir ou não desistir do processo. Tendo que passar para o privado, os custos são maiores.

Em média, qual é a taxa de sucesso dos tratamentos de fertilidade, em Portugal?

Uma inseminação intrauterina, que é o tratamento de procriação medicamente assistida mais simples, tem uma taxa de sucesso entre 10 a 15%, juntando a fertilização in vitro e a micro injeção de espermatozoides, a taxa de sucesso ronda os 35 a 40%, mas está dependente da idade, a doação de ovócitos tem uma taxa de sucesso entre 50 a 60% e a doação de embriões à volta de 30 a 40%.

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