Há quase 87 mil pessoas ‘sempre alerta’ em Portugal. As mulheres estão em maioria

ÖAutonomia, confiança, capacidade de liderança e de resolução de conflitos, espírito de equipa, consciência do papel enquanto mulher na sociedade. Estas são algumas das características que Salete Mendes, de 31 anos, Raquel Kritinas e Sara Nobre, ambas de 37, e Joana Alves, 34, dizem ter e tal deve-se ao facto de terem crescido no escutismo, que em Portugal junta ambos géneros, ou no guidismo (Associação Guias de Portugal AGP), movimento exclusivamente feminino.

Mas se estes são olhares de mulheres sobre a suas experiências de lenço ao peito, certo é que também os homens que integram os escuteiros – sejam os católicos, pelo Corpo Nacional de Escutas (CNE), sejam os que não professam qualquer religião, a Associação dos Escoteiros de Portugal (AEP) – têm algo a dizer sobre a forma como o movimento os levou pelo caminho da igualdade de género.

“Como homem, o escutismo tem sido para mim uma escola de vida, de educação para a cidadania e respeito pelo próximo”, começa por explicar Miguel González. O chefe nacional da AEP conta que “a partilha de dificuldades, a entreajuda e o respeito pela diferença face à condição social, etnia, sexo ou religião são fundamentais” numa organização que “não promove a separação por géneros”. Na AEP todos fazem tudo.

O CNE não é muito diferente. Quem o diz é Ivo Faria de Oliveira, chefe Nacional do movimento escutista que reúne, a partir desta segunda-feira, 31 de julho, em Idanha-a-Nova, cerca de 22 mil jovens e adultos para darem corpo à sua celebração maior: o acampamento nacional (ACANAC).

“Do meu contacto com raparigas e agora mais tarde com voluntárias adultas, noto uma complementaridade muito forte e que enriquece de forma decisiva as ações e decisões que são tomadas nas atividades”, explica o chefe Nacional. Para Ivo Faria de Oliveira, é este espírito de igualdade, aliado às preocupações ambientais e comunitárias, que o chefe Nacional quer imprimir neste ACANAC 2017. “Queremos realçar a intenção de fortalecer nos nossos rapazes e raparigas um sentido de compromisso e responsabilidade pelo nosso planeta, o bem comum, as comunidades que os rodeiam”, refere.

O ACANAC de 2017 é o maior de sempre, afinal, perto de um terço dos escuteiros de Portugal está já a viver no sul da Beira Interior, e por lá vai ficar até 6 de agosto. Recorde-se que na última edição, há cinco anos, estiveram presentes 17.500 elementos.

A importância do encontro é assinalada com a visita do presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, que marca presença na abertura do encontro.


Leia na íntegra os testemunhos de Ivo Faria, Chefe Nacional do CNE, e de Raquel Kritinas, secretária Nacional Pedagógica


Mais mulheres do que homens, mas realidade muda na idade adulta

O CNE conta com 70 856 pessoas, sendo que perto de 37 mil são mulheres, segundo dados oficiais avançados ao Delas.pt. Na AGP, movimento exclusivamente feminino, as contas são simples de fazer: falamos de cerca de quatro mil guias.

E apesar de tanto o CNE como o AEP apresentarem corpos dirigentes nacionais paritários, certo é que é nas chefias – adultos que acompanham as crianças e jovens em regime de voluntariado e mediante formação para tal – que o número de homens ultrapassa o de mulheres.


Leia as entrevistas com Sara Nobre, presidente da AGP, e com Joana Alves, Comissária Nacional do movimento de guidismo


De acordo com os dados enviados pelos escuteiros católicos, as mulheres são sempre dominantes nas quatro secções de formação [Lobitos- até aos dez anos; Exploradores/Moços – dos 10 aos 14; Pioneiros/marinheiros – dos 14 aos 18; e Caminheiros/companheiros – até aos 22]. Porém, é ao nível dirigente que a relação se inverte: Elas passam a ser cerca de 6250 para 7666 homens.

Também na AEP as estatísticas parecem caminhar na mesma direção. “A nível dos corpos dirigentes, a proporção gira em torno dos 45 para os 55%, de mulheres para homens, respetivamente, sendo que os órgãos de gestão nacional contam com elementos femininos e masculinos”, explica Miguel González ao Delas.pt.

Apesar desta inversão de ciclo a partir da idade adulta, a paridade está mais do que cumprida nestas organizações, isto se olharmos para os limites que a lei portuguesa estabelece quer para a Assembleia da República, quer para a nova legislação a aplicar nos organismos públicos e nas empresas cotadas em bolsa.

A igualdade na diferença

Apesar de o escutismo -misto em Portugal – promover a igualdade de género, certo é que é comum haver áreas em que elas ou eles mais se destacam. O chefe nacional do CNE conta, por exemplo, que “tendencialmente nas idades intermédias, dos 10 aos 14 e dos 14 aos 18, existe uma preponderância de líderes raparigas, dado que demonstram em regra ter níveis de maturidade mais evoluídos do que os seus pares rapazes”.

Na AEP, Miguel Gonzalez revela que “quando tudo indica que um determinado grupo [lobitos- 7 aos 10 anos; escoteiros – dos 11 aos 14; exploradores – dos 14 aos 17; e caminheiros – até aos 21 ] tenha um predomínio de um dos géneros, procuramos promover um recrutamento externo para compensar o que está em minoria”.

Também nas chefias existe a preocupação de contar com elementos de ambos sexos, independentemente dos grupos que acompanham. Isto porque – justifica o chefe nacional – “há muitas situações em que os jovens precisam de apoio em particular e só uma pessoa do mesmo sexo pode dar essa ajuda”.

As particularidades do guidismo

Assim como o escutismo foi inicialmente criado para rapazes, o mesmo fundador, Baden-Powell, criava posteriormente um movimento exclusivamente feminino, e nascia assim o guidismo.

Mas em que consiste e o que significa para as mulheres este movimento que, em Portugal, existe há 86 anos e reclama ser a maior “associação feminina juvenil” no país?

Tem como missão proporcionar às raparigas e jovens mulheres a oportunidade de desenvolverem plenamente o seu potencial como cidadãs universais responsáveis, através de um método próprio: atribuição gradual de responsabilidade, fomentando o trabalho de grupo e a sua autonomia, comprometendo-se com a comunidade onde estão inseridas, tendo como espaço privilegiado de formação o ar livre”, afirma a presidente em resposta ao Delas.pt.

Sara Nobre explica também que “a pedagogia [Ramo Avezinha – dos 6 aos 10 anos; Ramo Aventura – 10 aos 14; Ramo Caravela – dos 14 aos 17; e Ramo Moinho dos 17 aos 21] tem por base quatro constantes que motivam as jovens a progredir nas suas capacidades pessoais: vida em grupo, vida ao ar livre, compromisso e progressão”.


Leia o relato deixado por Salete Mendes, chefe Nacional Adjunta da AEP


Para lá da formação pessoal, são muitos os projetos em que o Guidismo português, inserido no movimento mundial de Guias, se tem envolvido e, entre eles, a AGP tem trabalhado na questão da crise migratória da Europa, na luta contra a violência sobre as mulheres, em campanhas pela promoção do ambiente mais sustentável e no apoio a estruturas para o desenvolvimento local de Timor-Leste, Moçambique e Angola. Exemplos recentes de trabalhos que as guias têm desenvolvido.

Acanac: 4 mil tendas, 22 mil pessoas, 32 mil estacas

Sob o tema “Abraçar o futuro”, o acampamento nacional junta cerca de 22 mil escuteiros e vai olhar, em particular, para a questão ambiental. A inspirar a temática, está a encíclica do papa Francisco Laudato Si, uma crítica ao consumismo e a defesa do desenvolvimento sustentável.

De acordo com a agência Lusa, o campo tem um plano de prevenção e segurança contra incêndios homologado pela Proteção Civil, que estará em permanência junto do acampamento. Recorde-se, a propósito, que os escuteiros têm estado envolvidos no apoio aos bombeiros que combatem incêndios.

São esperados 21.500 participantes, repartidos entre Lobitos (até aos dez anos), Exploradores/Moços (10-14), Pioneiros/marinheiros (14-18) e Caminheiros/companheiros (até aos 22), que contam com o apoio de 3.800 adultos voluntários, que ajudarão a montar quatro mil tendas e a martelar as 32 mil estacas que as suportarão.

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