Joana Pereira Correia: “Por vezes, temos de ser um bocadinho mais assertivas”

Joana Pereira Correia HIVE 2
Joana Pereira Correia, da Hive [Fotografia: DR]

Com a mobilidade na ordem do dia e com cada vez mais opções disponíveis e partilháveis na cidade e alternativas ao carro e aos transportes públicos, as empresas tecnológicas que gerem bicicletas ou trotinetes nas cidades começam a ganhar a destaque, mas também a ter de responder a novos desafios: desde aos meios que acabam por ficar na via pública até ao risco de acidente. Recentemente, um jovem acabaria por matar uma idosa enquanto viajava de trotinete elétrica e, após muita expectativa em torno da decisão judicial, o jovem acabaria indiciado de “infração ligeira” e condenado ao pagamento de multa.

Joana Pereira Correia, a única mulher city manager de uma empresa de trotinetes em Lisboa – num setor que conta com quase uma dezena de operadores em Lisboa -, não comenta o caso por não conhecer os detalhes, mas garante que a sua companhia, a hive, “atua em conformidade com as regras dos países”. Uma lei que, por cá e como tem vindo a ser discutido publicamente, ainda precisa de ajustes.

A responsável, licenciada em Marketing Management, pelo IADE, gostava de ver maior partilha de transportes, mas congratula-se por perceber que o maior uso de trotinetes é feito durante a semana, denunciando um uso por parte dos habitantes e em zonas onde os transportes públicos não chegam. Joana Pereira Correia explica ainda como a empresa atua em matéria de recolha de trotinetes espalhadas na via pública e o que está a fazer para combater este problema. Num setor onde ser mulher é raro, certo é que Joana nota que, por vezes, é preciso assertividade, refere em entrevista por escrito ao Delas.pt.

Joana Pereira Correia, city manager da empresa de trotinetes hive, em Lisboa [Fotografia: DR]
Joana Pereira Correia, city manager da empresa de trotinetes hive, em Lisboa [Fotografia: DR]

Sabendo que as mulheres são quem mais utiliza transportes públicos, de que forma é que elas estão ou não a integrar as trotinetes na rotina diária delas?

De uma forma geral, observamos o mesmo comportamento de utilização entre homens e mulheres: no fundo, todos escolhemos uma trotinete como uma solução prática e rápida para ir almoçar com as amigas ou o namorado naquela hora apertada de almoço, para ir mais rapidamente para a Universidade ou para não ter de andar aqueles 15 minutos debaixo de um sol quente entre o metro e o trabalho.

Que dados dispõe do uso das trotinetes por género, em Lisboa?

Para já, não conseguimos revelar esses dados.

Quais as tendências de uso que se têm verificado?

Temos verificado que é durante a semana que temos mais viagens, o que nos deixa positivamente surpreendidos: mostra que são os habitantes e utilizadores da cidade de Lisboa (que se deslocam na cidade para trabalhar ou estudar) quem mais recorre ao nosso serviço. Também verificámos que existe uma grande incidência de uso entre estações multimodais ou entre estações de transportes públicos e locais onde os transportes públicos não chegam, o que confirma a complementaridade que as trotinetes e os modelos suaves de transporte trazem à mobilidade urbana.

“São os habitantes e utilizadores da cidade de Lisboa quem mais recorre ao nosso serviço

No que diz respeito às mulheres e ao uso de trotinetes, o que pode ser melhorado?

Acima de tudo, podemos consciencializar ainda mais as pessoas de que as trotinetes são uma opção segura, muito confortável, prática e divertida. Ainda existem muitas pessoas com receio de experimentar, mas a verdade é que quando experimentam andar de hive pela primeira vez (e recomendamos que a primeira viagem de trotinete seja sempre num local plano, com ciclovias espaçosas, como por exemplo a zona ribeirinha de Belém) adotam esta alternativa como mais um complemento para se movimentarem pela cidade.

Que medidas estão a ser implementadas pela hive no que diz respeito à recolha das trotinetes e ao seu estacionamento indevido em passeios públicos?

A segurança e a ordem pública são prioritárias para nós. Por isso, criámos uma equipa que percorre as áreas com maior movimento de modo a melhorar e facilitar a livre circulação dos cidadãos. Esta equipa recolhe e organiza trotinetes que estejam mal estacionadas, caídas no chão ou a incomodar a via pública e recolocam-nas em zonas de estacionamento de trotinetes ou em locais apropriados; não fazem isto só com as hive, mas com qualquer trotinete que esteja a atrapalhar a via. Para além disso, criámos zonas vermelhas na nossa aplicação onde não é possível iniciar ou parar reservas, de forma a evitar estes comportamentos em zonas sensíveis da cidade (como o caso de Alfama e Bairro Alto). Fazemos várias campanhas de sensibilização para alertar a comunidade de condutores de trotinetes elétricas e meios de transportes ecológicos e alternativos a terem uma condução segura, respeitadora das regras de trânsito, dos restantes transeuntes e de como e onde estacionar.

“As perspetivas são continuar a crescer de forma sustentável não só a nível nacional como a nível internacional”

O que se pode esperar a breve trecho? Quais os planos em Lisboa e outras cidades em Portugal? E para quando?

As perspetivas são continuar a crescer de forma sustentável não só a nível nacional como a nível internacional, sempre com o objetivo principal de definir aquela que será a mobilidade das cidades do futuro. Estamos no processo de expansão para 25-30 cidades na Europa em 2019 e estamos já em Atenas, Paris, Varsóvia, Wroclaw, Bruxelas e Viena. Em Portugal, estamos atentos a possibilidades de expansão, contudo temos focado o nosso trabalho na operação em Lisboa e na tentativa de assegurar ao máximo a segurança e a ordem pública, dois aspetos que estão, constantemente, na nossa agenda.

De que forma?

Temos vindo a trabalhar em conjunto com a Câmara Municipal e a PSP para garantir que, juntos, construímos um ecossistema sustentável e verde dentro das cidades. Este modelo de cooperação com as autoridades que temos construído em Lisboa, a cidade onde estreámos a nossa atividade, está a ser replicado nas outras cidades europeias onde já temos presença.

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Qual o processo de atuação em caso de acidente?

A hive é uma operadora responsável, que atua em conformidade com as regras dos países onde opera e que trabalha em conjunto com as autoridades para prestar o melhor serviço aos seus clientes, assegurando a ordem pública. No que diz respeito à responsabilidade em caso de acidente, cada caso é um caso, que deve ser analisado isoladamente, uma vez que existem muitas variáveis que podem condicionar a tomada de decisão. Garantimos que o utilizador tem sempre toda a informação do seu lado, nomeadamente através da informação que fornecemos no momento da utilização.

Quais as diferenças entre a hive e as restantes operadoras de trotinetes em Lisboa?

Apesar de sermos uma marca recente num negócio disruptivo e em rápido desenvolvimento, a verdade é que a hive faz parte de uma das cinco marcas que compõem o grupo FreeNow (entre a mytaxi, kapten, Beat e DriveNow), que resulta de uma parceria entre a Daimler e a BMW. Isto faz com que tenhamos uma estrutura forte e estável e permite-nos assegurar que não viemos para nada menos do que mudar a mobilidade na Europa. Para além disso, a hive detém toda a cadeia de produção – isto significa que as nossas trotinetes são recolhidas pelas nossas carrinhas, organizadas pelos nossos “bees” (patrulha a pé para organização do espaço público), trazidas para o nosso armazém onde temos a nossa equipa de mecânicos que verifica cada uma delas para termos a certeza de que estão em boas condições para serem enviadas novamente para a rua.

“Oferecemos 20 minutos grátis todos os meses até ao final do ano a quem tiver o passe Lisboa VIVA”

Temos também como objetivo ser sustentáveis em toda a nossa operação: a nossa equipa de mecânicos arranja todas as trotinetes que podem ser arranjadas e as que não podem são desmembradas para aproveitamento de peças ou são recicladas. Além disso, e porque a nossa missão é a de alterar o paradigma da mobilidade nas cidades, lançámos em junho a campanha hive-Lisboa VIVA com a OTLIS onde oferecemos 20 minutos grátis todos os meses até ao final do ano a quem tiver o passe Lisboa VIVA. Esta campanha está atualmente disponível para quem quiser aderir até 30 de setembro.

Qual o seu percurso nesta empresa?

Para mim, estar na hive é ter a possibilidade de criar uma operação sustentável e eficaz enquanto se torna possível ajudar as cidades a tornarem-se mais habitáveis, acessíveis e amigas do ambiente, melhorando as formas pelas quais as pessoas se movem, promovendo, ao mesmo tempo, a manutenção da ordem pública e a segurança dos utilizadores de trotinetas e da via pública. Toda a equipa hive tem uma visão da mobilidade de forma holística e não limitada às perspetiva do carro, que eu partilho, e queremos, sobretudo, cooperar com as cidades que assumem este desafio e estão voltadas para o futuro recorrendo cada vez mais a uma solução multimodal. Adicionalmente, sinto que é muito importante a nível pessoal saber que estou a poder fazer parte de algo que está a trazer o tema da mobilidade alternativa para a agenda governativa, bem como poder alterar os comportamentos dos cidadãos e das cidades.

Em que medida ser mulher pode fazer a diferença neste setor económico?

A forma como me posso diferenciar neste setor económico terá mais a ver com o meu trabalho e com o meu perfil do que propriamente com o facto de ser mulher.

Que resistências tem sentido por ser uma mulher no mundo ainda dominado por homens?

Felizmente, até agora não encontrei grandes resistências pelo simples facto de ser mulher. É verdade que por vezes temos de ser um bocadinho mais assertivas – do que alguém do género masculino, por exemplo – porque pode haver uma certa tendência a paternalizações ou desconsiderações por sermos mulheres ou por sermos jovens. Mas rapidamente esse tipo de atitude muda quando sabemos – e perceberem – o que estamos a fazer e a dizer.

O que gostava de, pessoalmente, ver implementado num setor como este?

Creio que o principal desafio é o de sermos capazes, enquanto sociedade, de olharmos para a mobilidade de uma perspetiva multimodal e complementar, deixando de ver a mobilidade apenas e só sob uma perspetiva do carro. Pelo que, para mim, o ideal seria que este trabalho conjunto que os vários operadores e as cidades têm estado a desenvolver, evolua ao ponto de o carro ser uma opção lado a lado com outras escolhas e não a primeira, tornando as cidades cada vez mais sustentáveis e os cidadãos mais responsáveis.

Imagem de destaque: DR

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