Moçambique: mulheres estão mais vulneráveis com tragédia

Moçambique ciclone
Fotografia: Josh Estey/Care International via REUTERS

As mulheres são dos grupos mais afetados em situação de catástrofe e têm mais dificuldade em aceder à ajuda humanitária, alertou a diretora-executiva da organização moçambicana Fórum Mulher, defendendo respostas humanitárias que atendam às questões de género.

“Num contexto de crise, conflito ou situação de catástrofe, as mulheres, crianças e idosos são o grupo que mais sofre”, declarou à Lusa Nzira Razão Deus, dirigente do Fórum Mulher, uma rede moçambicana que congrega 35 organizações femininas da sociedade civil.

A ativista moçambicana Nzira de Deus [Fotografia: Fórum Mulher]
A ativista moçambicana Nzira de Deus [Fotografia: Fórum Mulher]

A passagem do ciclone Idai por Moçambique, que deixou 468 vítimas mortais já contabilizadas, confirma. Segundo Nzira Deus, as mulheres, que assumem também o papel de cuidadoras dos mais velhos e dos mais novos, ficam sobrecarregadas com a missão de proteger “os que já protegiam”, são mais vulneráveis e têm mais dificuldade em aceder à ajuda.”

“A ajuda chega, mas os homens têm mais facilidade de se locomoverem do que as mulheres, que estão a cuidar de pessoas idosas ou crianças e elas não conseguem muitas vezes aceder aos produtos (…) É uma situação que acontece regularmente”, relata a ativista dos direitos das mulheres.

“Infelizmente, os homens vão atrás dos produtos, preocupados em resolver a sua situação e estão menos preocupados em olhar para os outros grupos mais desfavorecidos”, continuou.

“Existem sinais de que estão a acontecer [situações de] violência e abuso sexual”, alerta ativista

Outra situação, “muito mais complicada”, prende-se com a violência que ocorre nos acampamentos e nestes “cenários de destruição”. “Existem sinais de que estão a acontecer [situações de] violência e abuso sexual”, adianta a responsável do Fórum Mulher, sublinhando que as mulheres estão mais “expostas” a estes problemas, até para aceder a água potável ou alimentos.

Figuras públicas apelam à solidariedade com Moçambique

No entanto, as organizações de ajuda humanitária “poucas vezes” focam esta questão. “É importante que as equipas tenham um olhar de género e que estejam atentas a estas situações”, notou Nzira Deus.

Mais espaços próprios e mais segurança para mulheres

A responsável sugere que as respostas podem passar por coisas simples, como a reorganização dos centros de reassentamento (centros de acomodação): “nos grupos mistos (..) podiam ser criados espaços próprios para [as mulheres] não terem necessidade de disputar com os homens”, e se sintam mais seguras, exemplificou.

Com abrangência nacional, o Fórum Mulher tem recebido informações de grupos locais que apontam vários tipos de necessidades, desde a falta de utensílios domésticos, como tachos e panelas, produtos de higiene íntima, como pensos higiénicos e toalhitas, e até sementes.

“Com a fúria das águas, muitas ‘machambas’ [propriedades rurais] ficaram alagadas e a produção foi-se. As mulheres querem ajuda com sementes para começar a plantar quando as águas baixarem”, referiu Nzira Deus. Em Moçambique, as mulheres estão na linha da frente da produção agrícola alimentar.

“80% dos alimentos que comemos em Moçambique são produzidos por mulheres”, comenta. Por isso, pensar em sementes é pensar no futuro, considera Nzira Deus: “É essa esperança que elas carregam consigo”. No entanto, a enorme onda de solidariedade que se gerou a nível regional, nacional e internacional, não chega para cobrir as necessidades.

Produtos alimentares básicos como o milho, o feijão e os hortícolas, que as mulheres produziam, desapareceram e “não há ainda uma previsão” de como se vão alimentar. Ao mesmo tempo, têm de enfrentar novos desafios, como a malária e a cólera. “Ninguém sabe quanto tempo vai durar a reconstrução e quando a vida vai voltar ao normal. Há muita incerteza sobre o dia de amanhã. Há muito desespero”, desabafa a ativista.

Por enquanto, as mulheres tentam reerguer-se na segurança “dos centros de acolhimento onde foram colocadas” e tentam nesse espaço “ter uma vida minimamente digna”. O Fórum Mulher lançou uma campanha de mobilização de apoios e vai para o terreno a partir desta quarta-feira, 27 de março, para distribuir bens nas províncias de Manica e Sofala. “Ainda é preciso muito apoio e vai continuar a ser”, resumiu Nzira Deus.

Imagem de destaque: DR

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