O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pediu esta quarta-feira, 9 de maio, ao Parlamento que pondere incluir um relatório médico para a mudança de sexo no registo civil até aos 18 anos no diploma que vetou sobre autodeterminação da identidade de género.
Segundo uma nota publicada no portal da Presidência da República, o chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, “enviou uma mensagem à Assembleia da República, em que solicita que pondere a inclusão de relatório médico prévio à decisão sobre a identidade de género antes dos 18 anos de idade“, para “dar maior consistência a uma escolha feita mais cedo”.
Reações dos partidos diferem
Heloísa Apolónia, de Os Verdes, diz não mudar de ideias sobre a lei, mesmo após o veto presidencial e a recomendação de alteração do diploma. A deputada socialista Isabel Moreira admite alterações, mas não no sentido avançado pelo Chefe de Estado.
Esta parlamentar defende que o parecer médico pedido por Rebelo de Sousa é “altamente ofensivo” para os que que, aos 16 anos, já sabem quem são. Em declarações à TSF, este rosto do PS sustentou que “a autodeterminação de género não tem nada a ver com alterações físicas, com certeza que mais tarde na vida um transexual que pretender fazer tratamentos médicos ou cirurgias de reatribuição de sexo e, portanto, tratamentos irreversíveis, aí, como qualquer tratamento médico, há sempre parecer médico“.
O CDS-PP é completamente a favor do veto e das recomendações, saudando a iniciativa presidencial. “O CDS considera este veto compreensível, inevitável e até óbvio, razão pela qual votou contra esta lei“, Nuno Magalhães. O líder parlamentar centrista ressalva, em declarações à Lusa, que “existem casos-limite” que devem merecer “compreensão e um tratamento legal”.
O Pessoas-Animais-Natureza (PAN) pugna pela reconfirmação do diploma e, em comunicado, afirma que “irá analisar detalhadamente os fundamentos deste veto e trabalhar internamente e com os restantes partidos para garantir a reconfirmação da proposta da Assembleia da República”. O partido admite ainda que “a validação do Presidente da República no que toca à autodeterminação para maiores de 18 anos é por si só um avanço do ponto de vista do partido e um dado positivo a salientar“.
Ressalva, porém, que “há condições para continuar a separar a esfera clínica da legal também no caso das pessoas trans menores de 18 anos, como foi determinado por meses de trabalho e audições parlamentares, nas quais pessoas trans, especialistas, ativistas e Organizações Não Governamentais nacionais e internacionais da área dos Direitos Humanos alertaram para a importância destas alterações.
O PSD ainda não quis pronunciar-se sobre a decisão, tendo votado, lembre-se, contra esta lei. Espera-se a resposta do Bloco de Esquerda que, por oposição ao partido presidido por Rui Rio, viabilizou o articulado. Por fim, o PCP, que se absteve aquando da votação da lei, ainda não se pronunciou.
Associações de apoio pedem resistência ao veto
A ILGA Portugal defende que o parlamento deve ultrapassar o veto pela “garantia plena dos direitos humanos de todas as pessoas”. Em declarações à lusa, a vice-presidente da associação, Ana Aresta, fala em “meia vitória” e vinca que “os partidos “ – que “vão reunir para ponderar as propostas do Presidente da República” – “têm poderes para ultrapassar este veto”.E prossegue: “É uma meia vitória, se fosse um veto redondo seria muito pior, mas em questões de direitos humanos não podemos falar de meias vitórias, estas têm que ser inteiras”.
A Amplos, Associação de Pais pela Liberdade de Orientação Sexual, destaca que a posição presidencial sobre a matéria não questiona a autodeterminação a partir dos 18 anos, considerando-o “um avanço importante”.
“O PS foi cauteloso pondo uma idade mínima de 16 anos e o que diz o PR é que não há razão de haver uma idade mínima. Vamos ver como é redigido. Estou com esperança. A autodeterminação está assegurada a partir dos 18. Isso é importantíssimo e é um importante que não dependa de um diagnóstico“, afirma à Lusa a presidente da entidade, Margarida Faria.
As razões do Marcelo para o veto
“A razão de ser dessa solicitação não se prende com qualquer qualificação da situação em causa como patologia ou situação mental anómala, que não é, mas com duas considerações muito simples. A primeira é a de que importa deixar a quem escolhe o máximo de liberdade ou autonomia para eventual reponderação da sua opção, em momento subsequente, se for caso disso. O parecer constante de relatório médico pode ajudar a consolidar a aludida escolha, sem a pré-determinar“, argumenta o Presidente.
Por outro lado, o chefe de Estado sustenta que, “havendo a possibilidade de intervenção cirúrgica para mudança de sexo, e tratando-se de intervenção que, como ato médico, supõe sempre juízo clínico, parece sensato que um parecer clínico possa também existir mais cedo, logo no momento inicial da decisão de escolha de género”.
Marcelo Rebelo de Sousa afirma que, “tal como em solicitações anteriores dirigidas à Assembleia da República”, também em relação ao presente diploma “não fez pesar – como nunca fará – na apreciação formulada a sua posição pessoal”, que neste caso, adianta, “é idêntica à do Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida“.
O Presidente da República refere que o pedido para que se inclua na lei a necessidade de um relatório médico para os menores de 18 anos “fica muito aquém da posição do Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida, que é mais rigorosa em termos de exigências, num domínio em que a inovação introduzida está longe de ser consensual quer na sociedade, quer nos próprios decisores políticos“.
O diploma em causa estabelece o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género e foi aprovado no parlamento no dia 13 de abril, com votos a favor de PS, BE, PEV e PAN e da deputada social-democrata Teresa Leal Coelho, a abstenção do PCP e votos contra de PSD e CDS-PP.
Este decreto vetado esta quarta-feira, 9 de maio, pelo Presidente alarga aos menores com idade entre 16 e 18 anos a possibilidade de requerer um “procedimento de mudança da menção do sexo no registo civil e da consequente alteração de nome próprio”, através dos seus representantes legais, sem necessidade de um relatório médico.
Com a lei atualmente em vigor, só os maiores de idade podem requerer este procedimento nas conservatórias de registo civil e é-lhes exigido “um relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também designada como transexualidade, elaborado por uma equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica”.
Na mensagem enviada ao Parlamento, Marcelo Rebelo de Sousa ressalva que “compreende as razões de vária ordem que fundamentam a inovação legislativa, que, aliás, cobre um universo mais vasto do que o dos menores trans e intersexo”, mas “solicita, apesar disso, à Assembleia da República que se debruce, de novo, sobre a presente matéria, num ponto específico – o da previsão de avaliação médica prévia para cidadãos menores de 18 anos”.
“É aliás o próprio legislador a reconhecer que a mudança de menção de sexo e alteração de nome próprio não podem ser consideradas, numa perspetiva intertemporal, como inteiramente livres, já que prevê uma decisão judicial para uma eventual segunda alteração“, aponta.
CB com Lusa
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