Igreja deve criar guia, linha de apoio, protocolos para psiquiatria e rever vocações. Denúncia para crimes deve subir para os 30 anos

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Filipa Tavares, Ana Nunes Almeida, Pedro Strecht, Laborinho Lúcio, Daniel Sampaio e Catarina Vasconcelos durante a Conferência no auditório da Fundação Gulbenkian que apresenta o relatório final - Dar Voz ao Silêncio, apresentado pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa. A Comissão Independente constitui-se para realizar um estudo sobre abusos sexuais praticados contra crianças e adolescentes (dos 0 aos 18 anos de idade) no seio da Igreja Católica Portuguesa [Fotografia: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens]

Entre recomendações gerais e específicas, da prática a uma outra cultura para a Igreja, são múltiplas e transversais as recomendações deixadas à Igreja para por fim aos abusos sexuais de menores. Ao longo de 11 páginas e num relatório de quase 500 que indica que há abusadores sexuais no ativo, a entidade ad hoc presidida pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht as sugestões à Igreja vão desde a formação e prevenção e ao fim da ocultação “sistemática”.

A entidade – que pediu esta manhã ao Parlamento que alargue o período de denúncia dos crimes, sugerindo 30 anos da vítima e não os atuais 23 – pede à Igreja que seja a criadora de uma linha de apoio permanentemente aberta e de denúncia anónima e que estabeleça protocolos para saúde mental das vítimas.

A Comissão quer outra cultura para a Igreja e pede que haja regular reavaliação periódica da vocação, que seja repensado todo o tema da sexualidade na Igreja e tornar claros os espaços negros como a confissão e o distanciamento entre confessor e crianças. Mais, pede que seja revista “a imposição de sigilo de confissão em matéria de crimes sexuais contra crianças por membros da Igreja Católica”.

O relatório de quase meio milhar de páginas foi divulgado esta segunda-feira, 13 de fevereiro, com relatos e resultados chocantes das vítimas abusadas por elementos do clero e ao longo de décadas. Num documento, que pode ler na íntegra aqui, estão ainda tipificadas as sequelas físicas e psicológicas das vítimas.

A entidade, de entre as recomendações para a reparação da vítima, que a igreja materialize “fisicamente um pedido de perdão às vítimas”, pede “ações de formação. Também à sociedade em geral são pedidos um estudo alargado sobre o tema dos abusos sexuais, reforço do papel da escola na Educação para a Sexualidade e, entre outras medidas, a “criação de linha prioritária de atendimento no Serviço Nacional de Saúde”.

De volta ao relatório, a comissão estima em mais de 4800 vítimas, validou 512 testemunhos e encaminhou para o ministério público 25 denúncias. Um número que parece discrepante, mas que se alicerça na prescrição dos crimes, que nestes casos ainda vigoram e podem ser investigados.

Prescrição de crimes só depois dos 30 anos e não aos 23

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica sugeriu esta segunda-feira, 13 de fevereiro, que a prescrição dos crimes de abuso aumente para os 30 anos da vítima, pedindo à Assembleia da República a alteração da lei.

“Há um ponto que nós nos limitamos a fazer que tem a ver com o artigo n.º 118 do Código Penal, que diz que a vítima do crime sexual, sendo menor de idade, pode apresentar queixa até fazer 22 anos. Há aqui uma suspensão do prazo de prescrição, mesmo que prazo de prescrição tenha decorrido enquanto a vítima não havia feito 23 anos. Esse prazo fica suspenso”, disse o antigo ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio.

De acordo com Álvaro Laborinho Lúcio, tendo em conta a idade das vítimas, a comissão chegou à conclusão de que a idade deve ser aumentada.

“Perante as dificuldades [das vítimas] em verbalizar, chegámos à conclusão de que esta idade deve ser aumentada. Daí que uma das nossas movimentações vá no sentido de que essa idade seja aumentada para os 30 anos. (…) Nós sugerimos apenas que a Assembleia da República pondere e que o faça se assim o entender”, sublinhou.

A maioria dos 25 casos que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica enviou para o Ministério Público já prescreveu, anunciou hoje o antigo ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio.

O coordenador da Comissão Independente, Pedro Strecht, anunciou hoje que 25 casos, de entre os 512 testemunhos validados recebidos ao longo do ano, foram enviados para o Ministério Público.

“A maioria [dos casos] já prescreveu”, salientou depois Laborinho Lúcio, durante a apresentação do relatório da Comissão Independente que desde janeiro de 2022 investigou os abusos sexuais de menores na Igreja católica portuguesa.

O ex-ministro acrescentou que a Comissão Independente não podia “ficar com estes de dados na mão e não enviar ao Ministério Público”. De acordo com Laborinho Lúcio, a Comissão Independente não tem de fazer juízos e não tem competência no domínio.

“Nós enviámos para o Ministério Público este tipo de casos. A [nossa] investigação parece relativamente simples, na linha tradicional de uma investigação criminal”, realçou.

A comissão, que começou a recolher testemunhos em 11 de janeiro de 2022, revelou hoje ter recebido 564 testemunhos, dos quais 512 foram validados, os quais são relativos a pelo menos 4.815 vítimas.

com Lusa