A bexiga também pode ser hiperativa e essa doença condiciona a vida

Fosse uma ida às compras ou um passeio com os netos, quando Armandina Coelho, 74 anos, chegava a casa tinha que trocar de roupa interior. A sensação constante de bexiga cheia e as perdas de urina constantes levaram-na a consultar o médico e aí foi desvendado o mistério: tinha bexiga hiperativa.

Este é um dos vários tipos de incontinência urinária e, como Armandina, há cerca de 1,7 milhões de portugueses que sofrem desta condição de saúde. No dia em que esta limitação física é assinalada, a 14 de março, o Delas.pt conta-lhe um caso real.

Armandina nunca tinha ouvido falar em bexiga hiperativa, mas garante que não se assustou: “Não, não conhecia, mas não fiquei alarmada. Pensei logo em resolver a situação e ver o que podia fazer”, conta.

“A bexiga hiperativa traduz-se em sintomas (veja a galeria acima) e aquilo que normalmente os doentes descrevem é uma vontade urgente e imperiosa de urinar que é difícil de conseguir adiar”, começa por explicar aos Delas.pt Vítor Hugo Nogueira, Assistente Urologista no Serviço de Urologia do Hospital de Braga.

“Percebi que havia alguma anomalia quando, a caminhar, comecei a sentir que a bexiga ficava um bocadinho mais cheia. Depois comecei a ter perdas de urina”, Armandina Coelho.

A bexiga hiperativa trabalha excessivamente, contraindo-se mais vezes que o normal, podendo transmitir mensagens erradas ao cérebro – como a sensação de que a bexiga está cheia. Essas contrações involuntárias provocam uma vontade urgente de urinar, e quando realmente há urina, pode haver perdas a caminho da casa de banho.

Existem, portanto, dois tipos de bexiga hiperativa: a seca e a molhada. A diferença está entre os doentes que conseguem aguentar até à casa de banho e os doentes que não aguentam até lá, acabando por ter perdas, explica o urologista Vítor Hugo Nogueira.

Foi assim que Armandina começou há dois anos: “Percebi que havia alguma anomalia quando, a caminhar, comecei a sentir que a bexiga ficava um bocadinho mais cheia. Depois comecei a ter perdas de urina, mesmo sem fazer esforço algum. Isso foi-se agravando e reparei que também acontecia quando espirrava, tossia ou pegava no meu neto”.

O diagnóstico

“O diagnóstico precoce é uma necessidade na ótica de saúde e de melhoria da qualidade de vida. A bexiga hiperativa não mata ninguém”, explica Vítor Hugo Nogueira. No entanto, a incontinência pode piorar e as idas constantes à casa de banho, podem passar a perdas urinárias antes de conseguir lá chegar.

O diagnóstico clínico é feito apenas avaliando os sintomas. “Depois temos exames complementares que permitem documentar o funcionamento automático da bexiga, as tais contrações involuntárias. É ainda importante excluir outras hipóteses. As queixas são sempre muito semelhantes às de infeções urinárias e é absolutamente fundamental fazer o despiste”, explica o urologista.

“Tenho muitos pacientes que dizem que são ‘casa-de-banho-dependentes’. O que é que isto significa? Que em qualquer local para onde se dirijam, a primeira coisa que querem saber é onde é que fica a casa de banho”, especialista em urologia, Vítor Hugo Nogueira.

Após o diagnóstico completo, Armandina continuou a cumprir a rotina de todos os dias, mas confessa que por vezes ficava constrangida: “Não deixei de fazer nada. Continuei e continuo a fazer a minha vida normal. Mas claro que fico um bocadinho incomodada quando vou a caminhar e chego a casa e tenho de mudar de roupa”.

Esta é uma doença que pode condicionar a vida dos doentes em vários aspetos: “Tenho muitos pacientes que dizem que são ‘casa-de-banho-dependentes’. O que é que isto significa? Que em qualquer local para onde se dirijam, a primeira coisa que querem saber é onde é que fica a casa de banho. Há pessoas que começam a ter algum isolamento social, porque têm receio de começar a cheirar a urina. Em termos sexuais, inibem-se de ter relações, principalmente as senhoras, porque, mesmo que tenham urinado pouco tempo antes, se de repente não conseguirem reter e urinarem durante a relação ficam constrangidas”, esclarece Vítor Hugo Nogueira.

Cura ou tratamento?

Voltar a controlar a bexiga é voltar a ter controlo na própria vida. Mas “como em quase todas as doenças não há cura, há tratamento. E a resposta que os doentes é altamente variável. Há doentes que ficam bem durante muito tempo após fazerem medicação e deixam as terapêuticas, mas outros não”, afirma Vítor Hugo Nogueira.

Armandina fez medicação, mas sofreu com efeitos secundários e passou a fazer apenas o que chama de fisioterapia: “Fiz medicação, mas estava a provocar-me tensão alta e o doutor disse para parar. Agora estou só a fazer fisioterapia. Já fiz algumas sessões, mas o meu seguro não cobre esse serviço, por isso estou a tentar mudar. Cada tratamento custa €45 e para fazer 12 tratamentos ainda é puxado”. A fisioterapia passa sobretudo por exercícios do períneo.

Certos tipos de incontinência urinária apresentam tratamentos com taxas de sucesso nos 90%.

“Esses exercícios servem para tonificar o pavimento pélvico. Têm ou terão utilidade na prevenção de perda de urina”, explica o urologista. Além destes exercícios, existem outras medidas que os pacientes podem pôr em prática: reduzir a ingestão de álcool, perder peso, diminuir o consumo de tabagismo e de café e chá que têm substâncias que podem ser estimulantes para a bexiga, indica o especialista.

Procedimentos cirúrgicos são também uma possibilidade, normalmente só apresentados a casos mais extremos. Mas procurar ajuda e tratamento torna-se essencial e uma mais valia, sobretudo quando certos tipos de incontinência urinária apresentam tratamentos com taxas de sucesso nos 90%, indica a Associação Portuguesa de Urologia (APU).

Há dois anos com diagnóstico de bexiga hiperativa, Armandina conta já sentir melhorias: “Tive uma fase, não sei se era de me enervar mais, em que tinha mais perdas. Agora não, pelo contrário. Noto que realmente vou a andar e às vezes perco urina sem esforço, mas já é com menos frequência”.

As causas

Se perceber o que está a acontecer com a bexiga pode ser complicado, saber o porquê pode ser ainda mais difícil. “Como tive duas gravidezes e a primeira foi de gémeas, foi uma gravidez muito pesada, pensei que fosse disso”, confessa Armandina.

Segundo o especialista é algo que pode acontecer, mas existem outros fatores: “É uma consequência inevitável do envelhecimento, das alterações hormonais e de como isso condiciona os músculos. Na gravidez, um traumatismo obstétrico do parto e o facto de se ter uma gravidez com pesos fetais muito grandes podem contribuir, porque durante todo o período de gravidez a mulher aguenta aquele peso adicional sobre o períneo”.

Daí que a incontinência urinária seja mais frequente em mulheres: “O grosso de doentes são senhoras após a menopausa, mas não significa que não aconteça em mulheres mais jovens”. Em Portugal, cerca de 33% das mulheres e 16% dos homens, com mais de 40 anos, apresentam sintomas de incontinência urinária, indica a APU.

“Não lhes passou [às pessoas] pela cabeça que pode não ser um défice delas, mas sim uma doença como outra qualquer e que pode ser controlada”, atriz Custódia Gallego, embaixadora da campanha Na Bexiga Mando Eu.

No mês em que de celebra o Dia Mundial da Incontinência Urinária, 14 de março, foi lançada a campanha de sensibilização Na Bexiga Mando Eu. Uma plataforma online criada pela Astellas Farma, com o apoio da Associação Portuguesa de Neurourologia e Uroginecologia, onde é possível aceder a informação, fazer uma autoavaliação dos sintomas e descarregar um guia prático com conselhos para o dia-a-dia de quem sofre com de incontinência e muito mais.

“As pessoas ficam à espera que as informações cheguem até elas, em vez de a procurarem. E como não sabem, não lhes passou pela cabeça que pode não ser um défice delas, mas sim uma doença como outra qualquer e que pode ser controlada. Nesse sentido, a campanha Na Bexiga Mando Eu é de extrema importância porque permite apoiar e levar informação de qualidade às pessoas. Como sou a favor da melhor qualidade de vida possível, durante todos os anos de vida das pessoas, é com todo o gosto que faço uso da minha visibilidade nesta campanha. Sendo eficaz fico muito contente por participar numa ação destas e com este objetivo”, disse a atriz Custódia Gallego ao Delas.pt, embaixadora da campanha.

De 7 a 14 de março, as estações dos vários transportes públicos – metropolitano de Lisboa e do Porto, Metro Transportes do Sul, Soflusa, Transtejo, Clube Náutico de Almada e Fertagus – aliaram-se à iniciativa “vestindo-se” de amarelo e roxo, as cores da campanha.

Percorra a galeria de imagens acima para saber quais os sintomas de quem sofre de incontinência urinária com bexiga hiperativa.

[Imagem de destaque: Shutterstock]

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