Inês Aires Pereira: “É assustador para onde estamos a ir com as redes sociais”

Por Ana Carreira

Chegou de saltos altos mas só porque estava em dia de entrevistas. Os ténis ficaram no carro para ir a uma festa a seguir. Inês Aires Pereira, um dos talentos da nova geração de atores, prefere pisar o chão do que andar nas nuvens. Precisa disso para não se descolar de si própria, embora a fama imediata reserve o deslumbramento fácil do qual tenta escapar. Foi também nisso em que se inspirou para criar Niki Garcia, a jovem atriz de novelas e das selfies do Instagram que vai abrir uma porta à errante Sara, em “Sara”, de Marco Martins, a nova série da 2, em estreia este domingo.

De volta ao sítio onde filmou algumas cenas com a protagonista Beatriz Batarda, o restaurante Mini-Bar Teatro, no Chiado, Inês Aires Pereira, contou ao Delas.pt como foi contracenar com um nome maior do cinema e teatro português e como a sua personagem foi também construída a partir do improviso que a própria atriz fez no casting. “Na verdade, eu é que estive a ter aulas”.

Inês é Niki, na série “Sara”, que se estreia na RTP2

Quem é a Niki Garcia?
É uma atriz de televisão que percebe dos Instagramms e dos patrocínios e dos sumos verdes, faz presenças, e que vai mostrar um mundo novo a uma atriz de cinema que não fazia ideia que existia. Na verdade, quando o Marco me chamou, era para interpretar uma miúda artista que tocava ferrinhos e cantava, mas aquilo não correu muito bem. Depois fez-me o perfil deste personagem e no casting, o improviso correu muito bem, se calhar tenho mesmo uma influencer dentro de mim! (risos)

Tens esse lado criativo na criação dos personagens?
Sem dúvida, tento sempre fazê-lo, é assim que me enriqueço e posso aprender mais. Não saberia fazer de outra forma, e o mais incrível é que houve falas minhas no meu improviso que ficaram no texto. Foi fantástico!

A realidade do teu próprio meio acabou por ser uma inspiração para a Niki. Identificas-te?
Eu estou no meio mas a minha vida não é aquela. E há esta coisa de nós, atores, defendermos os nossos personagens. Eu gosto da Nikki, é boa onda, faz televisão porque é boa, é um bocadinho tonta, sim, mas cheia de garra, com as presenças, com os instagrammers, ganha dinheiro com isso, mas está disponível e generosa, e vai ser importante para a Sara que aceita e vai. Claro que ridicularizei um bocado a coisa, mas saiu-me naturalmente, se eu tivesse tido mais tempo para me preparar talvez não corresse tão bem.

Há uma sátira recorrente na série.
Mas para todos os lados. Brincam com o cinema e com a televisão, com aquela gente intelectual que fala, fala e ninguém percebe nada, é por isso que acho que está tão bem conseguida, atiram em todas as direções.

E do lado de cá, como observas as redes sociais?
Acho assustador para onde estamos a ir. No fundo, sou uma mulher feita, por muito que me sinta criança ou adolescente, mas penso com cabeça nas coisas, é muito fácil ganhar dinheiro com o Instagram, nem sou das que tenho mais seguidores, mas é verdade que é fácil, não vou negar.

Recusas ofertas?
Constantemente me puxo, me travo, a dizer não vou fazer tudo, tenho de fazer um esforço para não me deslumbrar. Quero muito que o meu percurso seja construído de uma forma sólida, irrita-me quando me dizem que eu sou uma influencer, eu sou uma atriz e é isso que quero ser. Utilizo as minhas redes sociais para comunicar, sim, mas não quero que a minha página vire um catálogo. Não vou fazer a massagem porque tenho celulite, ai está a aparecer-me uma ruga e tenho de pôr não sei o quê. E de repente, estou furiosa comigo a pensar, não, não é isto que importa, a minha vida não é isto, elas que fiquem lindas e maravilhosas nas fotografias delas. Acho que no futuro vou lucrar com esta minha posição.

Sentes o peso da responsabilidade quando chegas aos mais novos?
Acho que é perigoso, sim, e às vezes penso, tenho de ter cuidado com os meus vídeos, porque de certa forma, há miúdos que me seguem, os adolescentes estão a crescer com este lado mais perverso das redes sociais e nós devemos ser um bom exemplo, sem dúvida.

É mais difícil para as raparigas?
Completamente. Têm de ser perfeitas, têm de ser bonitas, as mulheres são todas magníficas, as miúdas nem sabem que há tantos filtros, com 14 anos, imploram aos pais que têm de pôr maminhas ou fazer plásticas à cara. Ou então sentem que não são populares, e sofrem, não têm milhares de likes, fazem anos e as fotografias das amigas têm todas de lá estar; é assustador. É a altura em que nos estamos a formar e se não se tiver uma boa estrutura é muito fácil descambar.

Tiveste uma adolescência feliz?
Super. Graças a Deus que não fui adolescente nestes dias. Deve ser muito complicado os miúdos manterem a sobriedade. Ainda apanhei um bocadinho mas tive a cabeça no sítio, uma estrutura muito forte e uns pais que me lembram sempre os valores e o que importa de verdade.

“Graças a Deus que não fui adolescente nestes dias. Deve ser muito complicado os miúdos manterem a sobriedade”

Incentivaram-te a ser atriz?
O meu pai queria que eu tirasse um curso superior normal, vá, fiz 18 anos e entrei em Jornalismo, porque queria estar à frente da televisão a dizer o tempo mas depois disse-lhes que queria mesmo ser atriz, foi sempre o que quis fazer. Mas tal como a Niki, não entrei no Conservatório e depois fui para a ACT onde me formei. Não tive logo trabalho, mas de há uns quatro a cinco anos para cá, a vida tem-me brindado com oportunidades, felizmente.

Em todas as versões onde te sentes mais confortável?
No teatro, sem dúvida. Dou por mim com zero técnica de televisão, a afastar-me da câmara x, a preocupar-me com as sombras. No teatro, não há nada disso, só tens de ser grande e sentir muito. É um trabalho mais exaustivo, mais profundo. Tenho tido muita sorte. Acho que nunca fiz uma peça má.

Vês-te num papel de comediante ou humorista?
Toda a gente me está a atirar para aí, vem fazer stand-up. Tenho medo, na verdade. Posso ter piada a contar histórias mas criar um texto que tem de ter obrigatoriamente graça, sou muito verde ainda, talvez mais tarde, sim.

O que gostarias de experimentar agora?
O ideal era aparecer-me um filme ou uma série, queria mesmo fazer cinema.

Gostavas de trabalhar fora?
No Brasil sim, vou lá muito, tenho família e amigos, estudei lá e na altura senti que o mercado até podia estar aberto, tive uma proposta para entrar numa novela. Sinto-me completamente em casa, mas claro que agora não está altura para ir para o Brasil, as pessoas estão muito assustadas, a energia está bem diferente.

Tens saudades do Porto?
As pessoas vão matar-me se lerem isto, mas não tenho. Estou apaixonada por Lisboa, adoro cá morar, esta coisa de ir a pé para todo o lado, a cidade é linda, cada vez gosto mais de Portugal, quanto mais viajo, mais gosto de voltar.

À beira dos 30, há desejos para realizar?
Acho que estou numa fase em que talvez tenha de pensar no futuro, quero muito ser mãe, ter uma família, dou muito valor à minha carreira mas também à minha vida pessoal.

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