Inês Aires Pereira: “Quando vi a Paula Porca apaixonei-me”

É sexta-feira e são 19h00. Dentro de duas horas e meia a atriz Inês Aires Pereira sobe ao palco do Auditório dos Oceanos, no Casino de Lisboa, para dar vida à sua Paula Porca, aos Ursinhos e às Caixas do Avenida Q, ao mesmo tempo que ajuda Rodrigo Saraiva a manobrar outros tantos bonecos. Um trabalho de equipa tão perfeito que parece fácil, mas que, no início, foi difícil de concretizar.

Enquanto não chega a hora de subir ao palco, a rapariga que, antes deste musical, apenas era conhecida pelos pequenos papéis que teve nas telenovelas da SIC ou por ter apresentado o programa Curto Circuito, na SIC Radical, senta-se na plateia para falar sobre o que fez para a chegar aos palcos, a carreira que tem feito e o sucesso do Avenida Q.

Uma conversa em que Inês Aires Pereira, de 28 anos, revela não ter qualquer vontade de voltar ao talk show mais célebre e antigo da SIC Radical devido à pressão do quotidiano e uma entrevista na qual explica as razões que a levaram a fazer as malas e a emigrar para o lado oposto do mundo.

Afinal, esta portuense estava farta de receber pouco e ser maltratada a servir às mesas em Portugal. Na Austrália, foi muito mais feliz e conseguiu ter mais dinheiro na carteira.

O seu gosto pela representação vem desde criança, altura em que fazia muitas palhaçadas para a família.

É assim desde sempre, desde que me conheço que digo que quero ser atriz, fazia teatrinhos.

Além das personagens a que dá vida na TV e no palco costuma, no seu dia-a-dia, encarnar muitas outras e fazer vídeos que acaba por partilhar nas redes sociais. Qual é o segredo para se ser realmente engraçada e não engraçadinha, sem piada?

Não sei mesmo, provavelmente é porque sou mesmo natural. Aposto imenso nas redes sociais, por acaso. Todos me diziam: “Inês, tu tens tanta graça, tantas personagens. Tens de partilhar isso.” Comecei por publicar esses vídeos naturalmente com os meus amigos e eles incentivaram-me a tornar isso público porque achavam imensa graça. De todos os trabalhos que tenho tido, este é o primeiro papel em que posso mostrar alguma coisa, até agora nunca tive muita diversidade.

É importante para um ator apostar nas redes sociais?

Acredito que se formos mesmo bons a nossa carreira não depende disso, nem pensar. Faço-o porque gosto e acho muito giro ter o feedback das outras pessoas. Enviam-me mensagens a pedir para fazer mais vídeos, dizem que lhes alegro o dia, que as faço rir. É por isso que faz sentido, mas há mil atores inacreditáveis que não dependem das redes sociais para ter sucesso.

Sente-se bem a fazer os outros rir?

É mesmo muito giro. Normalmente, estou só eu e o telefone ou estou a fazer uma graça para a Madalena e o Marcelo, que vivem comigo, ou para o meu namorado e eles incentivam-me a publicar depois. No Instagram há um número que me diz que tenho não sei quantos mil seguidores, mas nunca tenho noção. Só depois quando publico e vejo que há retorno é que percebo que as pessoas veem mesmo isto, gostam e pedem para fazer mais. Fico super-contente quando estou na rua e vêm ter comigo só para dizer que os faço rir muito.

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Há alguma piada ou expressão mesmo sua que use com frequência?

Uso muitas expressões das minhas personagens, “o maluco” é uma delas. Outra das minhas personagens, a Neuza, que fiz com o Diogo Faro, não sabe falar inglês e a única coisa que saber dizer é “start”. Isso pegou e às vezes quando vou na rua encontro pessoal que me grita: “Start, Neuza, start”. O Diogo é conhecido por Sensivelmente Idiota, eu comecei a chamá-lo de Sensivelmente Otário e agora há imensa gente que o chama da mesma forma, por exemplo. É muito engraçado.

Sendo alguém que está constantemente a encarnar várias personagens todos os dias, desde criança, como define a verdadeira Inês? Aquela que é quando não está na pele de ninguém.

A verdadeira Inês é a soma dessas personagens todas, embora possa parecer um bocado esquizofrénico. Às vezes, o meu namorado pede-me para estar com a Inês. Diz-me que adora as minhas personagens e que sou super-talentosa mas quer estar com a verdadeira Inês. Isso acontece-me muito no dia-a-dia, é por isso que acho que sou um bocadinho delas todas. É ótimo porque posso fazer outras coisas que se fosse a Inês a fazer não ficava tão bem. Quando estou em Neuza posso dizer palavrões à vontade, estou em personagem, não sou eu.

Aos 18 anos, saiu de casa dos seus pais, no Porto, e veio para Lisboa procurar trabalho como atriz. Como não encontrou nada acabou por servir às mesas e, quando se fartou, foi viajar entre a Austrália e a Ásia.

Estava sem trabalho na área e a servir à mesa em Lisboa. Odiava a forma como era tratada e pensei: “Estou a receber mal e tratam-me mal. Vou servir à mesa para um sítio onde me paguem bem, me tratem melhor e ainda vou viajar.” E assim foi. Fui para a Austrália trabalhar e trataram-me super-bem. Não havia uma mesa em que não ficasse 20 minutos à conversa, todos queriam saber de onde vinha o meu sotaque, de onde eu era. Sempre que dizia que era de Portugal as pessoas nem sabiam onde ficava o país, era fixe para me sentir ainda mais pequenina. É a prova de que não vale a pena acharmo-nos superiores por sermos atores de novelas, vamos lá para fora e as pessoas nem sequer sabem o que é Portugal. Com o dinheiro que ganhei fui viajar, percorri a Nova Zelândia e a Ásia. Ao todo foram sete meses e nove países.

Esteve todo esse tempo sozinha?

Não, fui com o meu melhor amigo. Na altura, ele tinha namorada mas as coisas não estavam muito bem e ele disse-me que vinha comigo se eles acabassem. Fiz figas, aquilo acabou e lá fomos. O melhor amigo é a melhor pessoa para uma mulher viajar porque é homem, o que faz com que nos sintamos protegidas, e é o nosso melhor amigo. Temos discussões de irmãos e carrega-nos a mala. Não podia ter ido com uma pessoa melhor, se fosse com uma amiga não ia ser tão fixe.

Se ele não fosse, a Inês tinha ido?

Não. Costumo dizer que adorava viajar sozinha, mas acho que não ia adorar. Durante esta viagem conhecemos muita gente e não costumávamos passar muito tempo juntos, mas era bom regressar casa e falar português. Talvez fosse capaz de viajar sozinha durante um mês, mas não é a minha cena.

Quando ficou sem dinheiro regressou para casa dos pais. O seu pai, que não apoiou tanto o seu sonho da representação ao início, não lhe disse: “Eu bem te avisei”?

Não, perguntou-me quanto é que tinha juntado. Disse-lhe que não tinha juntado nada e só regressei porque já não tinha dinheiro. Isso era bastante óbvio. Tinha 23 anos, não ia voltar com uma poupança. O dinheiro que estava a fazer era para viajar, depois era o que Deus quisesse. Mas também tenho noção de que pude fazer essa aventura porque sou nova e tenho os meus pais. Se a minha conjuntura familiar fosse outra provavelmente não podia ter feito o que fiz. Por mais que o meu pai dissesse para tirar um curso superior e fizesse carreira em algo mais certo, acho que ele sabia que eu tinha de seguir representação. Ele sabe que sou mesmo boa e é lindo ouvir o meu pai dizer isto, que nasci para isto por mais que viver da arte seja difícil. Quando somos mesmo bons temos de conseguir. O meu pai não ia querer que eu fosse economista porque ia ser muito má. É bom estar nesta área.

Os seus pais já vieram ver o Avenida Q? [Que esteve inicialmente no Teatro da Trindade, em Lisboa e somou mais de 17 mil espectadores. Agora, a peça está em reposição de quinta-feira a domingo, no Casino de Lisboa]

Sim, já vieram duas ou três vezes e obriguei-os a comprar uma fila inteira quando formos para o Porto. Não vieram ver a estreia, portanto vão ver a estreia no Porto. Adoraram.

O que lhe disse o seu pai?

Disse que sou um animal de palco e ele não percebe nada de arte. Os meus pais são os meus maiores fãs.

Foi apresentadora do Curto Circuito, na SIC Radical. Voltava a apresentar um programa de TV?

Sim, se fosse breve. Não é algo que queira fazer para o resto da vida, não sei se é a minha cena. Imagino-me a fazer um programa de entretenimento, do género dos programas que o Manzarra faz, mas fazer Curto Circuito outra vez? Nem pensar. No CC tínhamos de criar conteúdos e essa pressão assusta-me. Tenho capacidade mas não lido bem com o facto de ter de apresentar conteúdos para o dia seguinte.

Como surgiu a oportunidade de participar neste Avenida Q?

Conheci o Rui Melo [encenador do musical] na minha primeira peça de teatro no Porto, num casting aberto para A Ilha do Tesouro. Quando estavam a fazer os castings para o Avenida Q ele chamou-me e fiquei, queria muito ficar. Para o casting tive de criar uma mascote em casa e cantar, que é o meu ponto fraco. Não sou cantora, mas correu super-bem e ligaram-me logo no dia seguinte para dizer que tinha ficado. Fiquei histérica.

Faz várias personagens durante a peça. Nessa altura já tinha identificado aquelas que queria fazer?

Não, tinha visto a peça no Brasil há muito tempo, quando era miúda, mas já não me lembrava e no showcase a Paula Porca e os ursinhos não apareciam. Quando vi a Paula Porca apaixonei-me e voltei a apaixonar-me quando soube que ia fazer os Ursinhos e as Caixas. Não podia ter ficado mais contente quando vi o guião com a peça toda. Estou a viver uma fase muito feliz.

É a atriz que dá vida a mais personagens no Avenida Q e também a mais dinâmica. Quais foram as maiores dificuldades que sentiu ao início?

Sim, posso não estar a falar mas tenho um bracinho em vários bonecos. Tudo foi uma dificuldade. Por acaso achei que o pior ia ser a música, mas não foi, assenta-me como uma luva. Quem me vê aqui pensa que sou uma grande cantora, dá para disfarçar mesmo bem. A maior dificuldade foram as personagens que tenho de fazer com o Rodrigo Saraiva. Quando estamos sozinhos só dependemos de nós, quando estou com as personagens do Rodrigo temos de nos coordenar muito bem. Foi trabalhoso.

Quando está a dar o braço a outras personagens acaba por assumir também a expressão facial desses bonecos. Tem noção disso?

As pessoas dizem-me isso, que faço imensas caretas. Sinto-me também essas personagens, não dou só o braço. Tem de ser assim para o corpo ganhar os instintos e mexer-se.

Qual foi o momento mais embaraçoso que viveu em palco com o Avenida Q?

O público não sabe, mas houve uma vez em que entrei em palco com a Paula Porca errada. Tenho três Paulas, cada uma com o seu outfit. Tinha a Paula do show e, na cena seguinte, ela já tinha de vir à civil. Enganei-me e entrei com a Paula do show. Sou muito fraquinha, desmancho-me logo a rir, não me aguento nada. Entrei em cena em pânico, a tremer por todos os lados enquanto olhava para eles e dizia que tinha feito asneira. O público não fazia ideia, não tem mal nenhum, mas fiquei a suar. Depois resolveu-se, como tudo se resolve. Quando nos enganamos o público percebe e adoram quando desatamos a rir.

Este espetáculo tem sido um verdadeiro fenómeno. Vêm pessoas de norte a sul do país ver seis vezes e até já vieram emigrantes passar poucas horas a Portugal de propósito. No início já esperava que fosse assim?

Eu não, mas o Rodrigo Saraiva sempre disse que isto ia ser um grande sucesso. Ficamos com o coração quente, é mesmo fixe ter uma peça de teatro a resultar tão bem. Estamos a trazer pessoas ao teatro. Em televisão é fácil teres tanto público, no teatro não. É incrível. Trazemos todo o tipo de pessoas ao teatro, todos os meus amigos já vieram, tanto os que adoram teatro como aqueles que não gostam, dos mais velhos aos mais novos e pessoas que vêm ao teatro mas não gostam de musicais. É super-consensual, todos gostam. É mesmo bom.

O que tem o Avenida Q de tão especial para trazer tanta gente ao teatro?

Estávamos a precisar de uma peça assim, que fala dos problemas com um sorriso na cara, ensina-nos a rir de nós próprios. As pessoas identificam-se. A energia que existe entre todos nós é uma coisa rara e bonita. Damo-nos todos mesmo muito bem, temos todos os mesmo tipo de humor. É um grupo muito fixe, não há ninguém fora. Divertimo-nos muito a fazer isto e quando vemos alguém a divertir-se à nossa frente acabamos por, automaticamente, sorrir também. A música é linda, é muito giro.

Neste musical tem mostrado uma Inês que os portugueses não conheciam e há várias pessoas surpreendidas com o seu talento. O que lhe têm dito?

Têm-me dito muita coisa boa. Na estreia estava babada, atores que nem sequer conheço vieram ter comigo para me darem os parabéns e dizerem que tenho muito talento. É muito fixe veres que o teu trabalho é valorizado e que fazes bem às pessoas, saberes que elas passam cerca de uma hora e meia bem contigo.

Quais são as suas maiores referências no teatro em Portugal?

A Eunice Muñoz, que já veio cá ver e adorou. Depois tenho pessoas mais jovens, a Beatriz Batarda, por exemplo, é incrível. Trabalhei com ela este ano. O Gonçalo Waddington também é muito fixe e o Nuno Lopes. Nós temos bons atores em Portugal, gostava de trabalhar com todos.

Inspirou-se em alguém para fazer a Paula Porca?

Não, usei o meu sotaque do Porto. Costumo dizer que todas temos uma Paula Porca dentro de nós e o sotaque ajuda. Sou assim, javardona.

Em breve vão para o Porto, para a sua cidade. Como vão as pessoas do norte receber esta Paula Porca?

Super-bem. Já garanti que a terceira fila é toda minha e que haverá berros quando a Paula Porca aparecer. Tenho tido montes de noites em que não conheço ninguém e gritam imenso quando aparece a Paula Porca. No Porto, vai ser ainda mais intenso, principalmente quando ouvirem o sotaque dela. Vai ser bem recebida, vão delirar.

Que próximos projetos vêm aí?

Vou participar na nova novela da SIC, Paixão. Não entro logo no início, só no episódio 70, e vou fazer uma série.

Que mensagem é que quer deixar a quem ainda não veio ver o Avenida Q?

Tenho massacrado tanto as pessoas. Vale mesmo a pena, não adianta dizer muito mais.