Ingrid Betancourt diz que Nobel da Paz devia ter sido partilhado com as FARC

Justice for Victims of 1988 Massacre in Iran committee
Ingrid Betancourt (EPA/Martial Trezzini)

Ingrid Betancourt, antiga refém das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), considera que o prémio Nobel da Paz, atribuído, hoje, ao presidente colombiano Juan Manuel Santos, devia ter sido partilhado com o movimento de guerrilha.

“As pessoas que a sequestraram também mereciam o Nobel da Paz?”, perguntou o jornalista da cadeia francesa I-Télé, num contacto telefónico. “Sim. É muito difícil dizer sim, mas penso que sim”, respondeu, a antiga política, que esteve sequestrada pelas FARC entre 2002 e 2008.

O prémio Nobel da Paz foi atribuído ao presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, pelos seus esforços para pôr fim à guerra civil no país. “Estou muito, muito, muito feliz” pela atribuição do prémio a Juan Manuel Santos, acrescentou Betancourt.

“Não só penso que o merece, mas também por se tratar de um momento de reflexão para a Colômbia, de esperança de paz, de alegria, de se dizer que efetivamente a paz não fez marcha-atrás”, disse.

Juan Manuel Santos “lutou praticamente só para conseguir este resultado, mudou a história do país, deu à nova geração colombiana a possibilidade de conhecer um país diferente. É um momento imenso para a Colômbia”, afirmou a antiga refém da guerrilha.

No entanto, o processo sofreu um revés. O acordo de paz a 26 de setembro em Cartagena das Índias entre o governo da Colômbia e as FARC, mas a população acabou por rejeitá-lo num referendo realizado no passado dia 02 de outubro.

Já em declarações à rádio colombiana Blu Radio, Ingrid Betancourt aproveitou a saudação pela atribuição do Nobel a Juan Manuel Santos para manifestar a crença de que este é “um impulso extraordinário” que “cimenta a paz na Colômbia, e diminui as vozes daqueles que queriam ver abortar o processo de paz”, referiu numa alusão ao resultado do referendo.

“Estamos perante a possibilidade de crescer, de amadurecer democraticamente e de poder dizer à geração que chega que fomos capazes, todos juntos, de acreditar na paz (…) de deixar para trás as nossas vinganças, os nossos ódios”, acrescentou.

Ingrid Betancourt saudou o Nobel também como um reconhecimento “desta transformação extraordinária das FARC, que passaram de um grupo terrorista ligado à droga para um verdadeiro grupo de seres humanos convencidos de que podem contribuir para a paz”.

A antiga refém, que vive atualmente entre a França, Reino Unido e Estados Unidos, foi candidata às eleições presidenciais colombianas pelo partido ecologista, antes do rapto pelas FARC.

O Nobel, a paz e a incerteza pós-referendo

O prémio Nobel da Paz foi atribuído ao Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, pelos seus esforços para pôr fim à guerra civil do país, que durou mais de 50 anos e matou pelo menos 220.000 colombianos, informou o Comité Nobel norueguês.

O prémio deve também ser visto “como um tributo ao povo colombiano, que apesar de grandes dificuldades e abusos, não perdeu a esperança de uma paz justa”, assim como a todas as partes que contribuíram para o processo de paz, pode ler-se no comunicado do comité.

“Este tributo é prestado, não menos importante, aos representantes das inúmeras vítimas da guerra civil”, que fez mais de 220 mil mortos e seis milhões de deslocados.

Questionada pelos jornalistas sobre se o comité considerou atribuir o prémio a mais partes, nomeadamente ao líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que a 26 de setembro assinou um acordo de paz histórico com Juan Manuel Santos, a presidente do Comité Nobel Norueguês escusou-se a comentar outros candidatos.

“Há muitas partes no processo de paz. O Presidente Santos tomou uma iniciativa histórica, ele dedicou-se completamente, com grande força de vontade, para alcançar o resultado”, disse a presidente, Kaci Kullmann Five, acrescentando que o comité vê este prémio como “um forte encorajamento para todas as partes neste processo negocial”.

Sobre a eventual contestação à decisão do comité, uma vez que o acordo de paz entre a Colômbia e as FARC foi rejeitado pela maioria dos colombianos em referendo, a presidente admitiu ser comum o Nobel da Paz ser contestado, mas garantiu que o objetivo foi “honrar o trabalho que foi feito por todas as partes” e manifestar “apoio ao povo colombiano”.

“Não é desrespeito. É claro que respeitamos o processo democrático e o voto do povo, mas eles não disseram não à paz, apenas a este acordo”, sublinhou, afirmando que “é extremamente importante evitar que a guerra civil recomece”.

No seu comunicado, o Comité Nobel norueguês recorda que Juan Manuel Santos iniciou as negociações que levaram ao acordo de paz entre o Governo colombiano e as guerrilhas da FARC, procurando consistentemente levar o processo de paz adiante.

Embora soubesse que o acordo era controverso, o Presidente garantiu que os eleitores colombianos podiam manifestar a sua opinião sobre o acordo em referendo, relembra o comunicado.

“O resultado do referendo não foi o que o Presidente Santos queria: uma curta maioria dos mais de 13 milhões de colombianos que votaram disse não ao acordo. Este resultado criou grande incerteza sobre o futuro da Colômbia. Há um perigo real de o processo de paz parar e de a guerra civil recomeçar. Isto torna ainda mais importante que as partes, lideradas pelo Presidente Santos e pelo líder das guerrilhas das FARC, Rodrigo Londoño, continuem a respeitar o cessar-fogo”.

O Comité sublinha que o facto de o referendo ter sido rejeitado nas urnas não significa que o processo de paz tenha morrido.

“O que o lado do ‘não’ rejeitou não foi o desejo de paz, mas um acordo específico”, recorda o comunicado, sublinhando que o próprio Presidente tornou claro que continuará a trabalhar pela paz até ao último dia do seu mandato.

O comité espera, por isso, que o Nobel da Paz lhe dê força para alcançar esse objetivo, porque só quando o país puder recolher os frutos do processo de paz e reconciliação será possível abordar eficazmente outros desafios, como a pobreza, a injustiça social e o crime associado à droga.

O acordo de paz que o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) assinaram a 26 de setembro prevê a desmobilização dos 5.765 combatentes da guerrilha e a conversão das FARC em movimento político legal.

Echeverri 'Timochenko' (FARC) e Juan Manuel Santos assinalam o acordo de paz, mediado por Cuba (EPA/Alejandro Erenesto)
Juan Manuel Santos e Echeverri ‘Timochenko’ (FARC) assinalam o acordo de paz, mediado por Cuba (EPA/Alejandro Ernesto)

Para entrar em vigor, este texto de 297 páginas deveria ter sido aprovado pelos eleitores, uma consulta não obrigatória, mas desejada pelo Presidente colombiano, para dar “uma legitimidade maior” à paz.

Apesar de a maior parte das sondagens preverem a vitória do “sim”, foi o “não” que ganhou, com 50,21% dos votos, contra 49,78%, num escrutínio em que a abstenção atingiu os 62%.

“Continuarei a procurar a paz até ao último minuto do meu mandato”, garante o Presidente colombiano

O Presidente Colombiano, Juan Manuel Santos, acredita que o Nobel pode dar um impulso ao processo de paz, apesar do resultado do referendo. EPA/Mauricio Duenas Castaneda
O Presidente Colombiano acredita que o Nobel pode dar um impulso ao processo de paz, apesar do resultado do referendo. EPA/Mauricio Duenas Castaneda

Juan Manuel Santos, hoje distinguido com o Nobel, prometeu nunca abandonar o sonho no qual investiu estes últimos anos.

“Continuarei a procurar a paz até ao último minuto do meu mandato, porque esse é o caminho a seguir para deixar um país melhor aos nossos filhos”, disse no domingo o chefe de Estado, depois de os colombianos rejeitarem em referendo o acordo de paz com as guerrilhas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), considerando-o demasiado favorável para os guerrilheiros.

“O Presidente fez prova de uma liderança corajosa. Corajoso porque preferiu a paz à inércia da guerra. Corajoso porque submeteu a decisão aos cidadãos”, disse no início da semana Humberto de la Calle, chefe dos negociadores com as FARC.

O acordo histórico pôs fim a quatro anos de contactos deslocalizados em Cuba com a mais antiga e mais importante guerrilha do país e foi saudado por toda a comunidade internacional.

Fazer as pazes com as FARC “exigia coragem, audácia, perseverança e muita estratégia: qualidades e pontos fortes de Santos”, disse à AFP Mauricio Rodriguez, seu cunhado e conselheiro desde há 20 anos.

Juan Manuel Santos, de 65 anos, proveniente de uma família da alta sociedade de Bogotá, entrou na política em 1991. Jornalista até então, tinha recebido o prémio do rei de Espanha pelas suas crónicas sobre a revolução sandinista da Nicarágua.

“Marcou-nos profundamente”, disse um dia a propósito de essa investigação realizada com o seu irmão Enrique, outro ator chave do processo de paz, que começou em 2012 oficialmente, mas secretamente com a eleição de Santos em 2010.

Quando entrou no palácio presidencial Casa de Nariño, este político que se define como “de extremo centro” já tinha perseguido a guerrilha, numa cruzada implacável enquanto era ministro da Defesa do seu antecessor de direita, Alvaro Uribe.

Segundo os analistas, Santos fez a guerra para alcançar a paz, com o objetivo de enfraquecer as FARC para as obrigar a negociar.

O Presidente colombiano disse sempre que não procurava uma recompensa pela sua luta pela reconciliação da Colômbia, diminuída por décadas de confrontos entre as guerrilhas de extrema esquerda, paramilitares de extrema direita e forças armadas, que fez mais de 260 mil mortos, 45 mil desaparecidos e 6,9 milhões de deslocados.

“Não procuro aplausos. Quero fazer o que está certo”, disse o chefe de Estado, numa entrevista à AFP.