Entre a tristeza e umas gargalhadas sonoras fora de contexto. Entre a saudade eterna e um sermão de adeus que escapa aos cânones do absoluto bom gosto. Entre o silêncio e as palavras que saem disparadas e a despropósito. Quem nunca viu cenas destas num velório – e mesmo num funeral -, que atire o primeiro punhado de terra…
Foi por alguns destes e por muitos mais motivos que Rita Canas Mendes, 34 anos, decidiu mergulhar no mundo do luto e contar com quantos palmos se mede este setor bastante competitivo em Portugal e que caminha para o digital, como se o Instagram da vida se prolongasse para uma espécie de ‘Instagrave’…
A investigadora, escritora, consultora e tradutora devidiu abordar um tema sobre o qual, como a própria diz, “quase ninguém gosta de pensar” e olhou para esta realidade sob a perspetiva de quem “faz dela profissão”. O resultado desta autópsia ao mundo, ao mercado e ao setor da morte está agora em livro, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e inserido na coleção ‘Retratos da Fundação’.
Em Viver da Morte – A Indústria Funerária em Portugal (€3,15 ou disponível por eBook) retrata-se, ao detalhe, como operam as funerárias, os profissionais, bem como as dificuldades e contingências que atravessam. Um livro povoado de testemunhos e de muitos números – como pode ver na galeria acima – que ajudam a perceber melhor este universo quase sempre tão silencioso, ainda que diga respeito a todos.
Das empresas lutuosas, às confissões religiosas, dos custos aos benefícios, dos problemas financeiros aos ambientais, do passado ao futuro – em que as redes sociais e o online podem vir a ser a maior praça de luto – mediante pagamento, claro -, tudo cabe nesta fotografia que inclui, em média, 110 mil óbitos por ano e mais de 20 milhões de euros só em urnas. Impressionado? Pois bem, este é só um primeiro balde de terra numa obra que não esquece, por exemplo, quem faz vida a limpar cenários de morte ou quem tem por missão conferir serenidade ao rosto de quem parte.
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