O Ministério Público (MP) acusou os responsáveis de uma instituição de Famalicão, distrito de Braga, de escravizarem raparigas que foram acolhidas para seguirem uma vida religiosa, divulgou a Procuradoria-Geral Distrital do Porto.
Segundo nota publicada no ‘site’ daquela procuradoria, a acusação diz que as raparigas eram sujeitas a um “clima de terror, que as mantinha em regime de total submissão, sem possibilidade de reação”.
Em causa está a Fraternidade Missionária Cristo Jovem, sendo os arguidos um padre e três mulheres que estavam à frente dos destinos da instituição, todos acusados de nove crimes de escravidão. A instituição está igualmente acusada dos mesmos crimes.
Segundo a acusação, os arguidos, de dezembro de 1985 até 2015, angariaram jovens do sexo feminino, de raízes humildes, com poucas qualificações ou emocionalmente fragilizadas, que acolheram na instituição a pretexto de formarem uma comunidade espiritual de raiz católica e de satisfazerem os anseios daquelas de seguirem uma vida religiosa.
No entanto, “usaram” as jovens “noviças” para desempenhar “todas as tarefas diárias exigidas para a conservação e manutenção das instalações da instituição e continuação da sua atividade”, sem lhes dar qualquer contrapartida.
Ainda segundo a acusação, os arguidos impuseram às jovens ofendidas jornadas de trabalho que chegavam a atingir 20 horas e infligiam-lhes castigos físicos como bofetadas e pancadas no corpo com objetos caso não fizessem ou fizessem mal feito.
Além disso, insultavam-nas e impuseram-lhes castigos como a privação de alimentação e de banho ou a obrigação de dormir no chão.
“Controlaram os contactos que mantinham com o exterior e privaram-nas de informação, de contactos com familiares e, até, da documentação pessoal”, acrescenta a nota da procuradoria.
Em novembro de 2015, a Polícia Judiciária fez buscas à Fraternidade Missionária Cristo Jovem, depois de três raparigas terem apresentado queixa por maus-tratos, escravidão e cárcere.
O padre e as três mulheres responsáveis pela instituição foram detidos e levados a tribunal, tendo ficado sujeitos a termo de identidade e residência, a mais leve das medidas de coação.
Na altura, a Confederação Nacional dos Institutos Religiosos de Portugal (CNIRP) assinalou à Lusa que este caso não ocorreu num convento, mas numa associação de fiéis, pelo que nem as detidas são freiras nem as vítimas são noviças.
A Fraternidade Missionária Cristo Jovem não está, por isso, sob alçada da Confederação dos Institutos Religiosos, mas da Arquidiocese de Braga, acrescentou a fonte.
Esta tese foi corroborada pelo padre jesuíta João Caniço, que disse à Lusa que a Fraternidade Missionária Cristo Jovem é uma “sociedade apostólica”, ou seja, um grupo de pessoas que se associaram para fazer uma “obra comum”.
“Não pode ser considerada uma congregação, nem uma instituição religiosa porque não é reconhecida como tal pela Igreja Católica”, frisou.
Na altura em que foi levada a tribunal, uma das arguidas, confrontada pelos jornalistas com o facto de não ser freira, tal como se autoproclamava, respondeu: “No nosso coração somos freiras, consagramo-nos a Jesus para sempre”.