Intimidade Intimidante

Do que sentem falta as pessoas? Sim, pergunta de um milhão de dólares… Na nossa sociedade atual, afinal, o que escasseia na vida das pessoas (e não está disponível para compra no supermercado)? Sabe o que é? Gostaria de saber? Pois bem, eu acho que lhe posso dizer.

Verifico que hoje em dia, provavelmente sempre, mas cada vez mais, aquilo de que as pessoas sentem verdadeiramente falta é de intimidade emocional. Porém, e contrariamente, a intimidade física nunca foi tão fácil. Mas lá está, e volto ao princípio: o que escasseia, na vida de um número gigantesco de pessoas, é a vivência de vínculos sustentados e de relações amorosas estáveis. Como pode lá isso ser?

De forma geral, há uma tendência enorme para se confundir amor com sexualidade. E como se não bastasse, confundimos intimidade emocional com intimidade física. A sexualidade e a intimidade física atraem as pessoas, porém, como estímulos vitais têm vida curta. Em pouco tempo “conhecemos” a outra pessoa, o seu corpo, as suas reacções físicas, os seus desejos e prazeres. Mas depois disto, deixa de existir algo novo e excitante, e a relação começa a ser monótona e não estimulante. Então, e qual é o problema? Talvez e “apenas” este: a intimidade física, sem a intimidade emocional, não sustenta a relação por muito tempo. Para simplificar as coisas, coloquemos isto da seguinte forma. A diferença entre a intimidade física e a intimidade emocional pode ser comparada à diferença que existe entre interacção e relação. A interacção é o que ocorre a um nível superficial, quando nos relacionamos a partir dos papéis que desempenhamos, como por exemplo, o de médico, o de professor, o de cliente, o de ilustre-desconhecido-que-vai-a-passear-na-rua-e-aproveita-para-parar-um-pouco-para-apanhar-por-estes-dias-um-nadinha-de-soool, etc.. A interação obedece às regras específicas dos papéis desempenhados; em geral é mais superficial e dirigida mentalmente. Olhamos para a outra pessoa, percebemos o papel que desempenha (avaliamos, julgamos, criticamos, damos opinião ou conselhos, bla-bla-bla). E sim, a interação é absolutamente útil e necessária para a convivência social! No entanto, é óbvio que não somos íntimos de todas as pessoas nem temos que estar propriamente virados para a intimidade com a florista da rua ou o caixa de supermercado. Apenas mantemos com essas pessoas uma interação cordial e socialmente ‘aceitável’.

A intimidade emocional se, efetivamente, não for sentida como uma intimidação ou um medo de se dar (e receber), é capaz de fazer maravilhas pelos seres humanos!

Já a relação começa, geralmente, por aquilo que sentimos a um nível essencialmente energético. Às vezes, antes do que quer que seja, basta um olhar, um toque subtil ou uma palavra “casual” para que algo aconteça entre duas pessoas. Nestes simples atos, por vezes acontece elas simplesmente ‘darem por si’ a expor… a trocar informações pessoais de forma espontânea e não calculada…! Outras vezes, partilham anseios, visões, ideários… enfim, fazendo-se isto acompanhar, amiúde, de um misto de curiosidade e vergonha frente a esta mesma exposição. Mas é algo que acontece independentemente da vontade consciente de ambos. E é aqui, a título de mero exemplo, que intimidade emocional acontece. Cenas dos próximos capítulos? Bem, se as pessoas não se assustarem e fugirem, esta aproximação tende a ser progressiva, levando a uma troca significativa, a uma partilha sincera e cada vez mais profunda das almas dos seres envolvidos. E como é que eu sei que – oh, alegria! – a intimidade emocional com alguém me bateria à porta? Quanto sente que o seu ser, a sua pessoa, a sua alma (!) é vista, ouvida e recebida pela outra pessoa. E quando o correspondente do outro para si for de igual forma impactante, seja pelo que ela lhe faz sentir, pelo que ela desperta em si, pelas emoções que lhe faz tocar, e – nota bem! – lhe dá uma resposta emocional suficientemente boa e satisfatória.

Nós não somos apenas os papéis que desempenhamos uns com os outros. Quando existe disponibilidade emocional da parte de alguém, ou da sua em relação a outra pessoa, você simplesmente seria capaz de passar horas a conversar com ela; falando de si, de vocês, e ouvindo com verdadeiro interesse os relatos dessa “pessoa especial”. 🙂 A necessidade de intimidade física parece não existir num primeiro momento, e pode mesmo nem existir, quando a intimidade emocional leva as pessoas a estabelecerem uma profunda amizade. E como já deve ter ouvido dizer (ou pelo menos suspeitará!), a amizade é – voilá! – a base de qualquer relação digna desse nome.

A intimidade emocional se, efetivamente, não for sentida como uma intimidação ou um medo de se dar (e receber), é capaz de fazer maravilhas pelos seres humanos! Exemplos? Excita-nos! Vitaliza-nos! Voltamos a sonhar! Os dias ganham cor! E sentimo-nos reconhecidos no nosso Eu! Se a relação caminha para além de uma amizade profunda, a necessidade de intimidade física torna-se progressivamente mais forte, ativando desejos de contacto físico. E aqui? Parabéns: acaba de se apaixonar. 🙂

Nos modelos médicos do início do século XX, a paixão era vista como um estado alterado, praticamente patológico! Na realidade, a paixão é a expressão de um profundo anseio humano. O anseio de sentir-se recebido, reconhecido e reafirmado na expressão genuína de seu Eu. Independentemente de como chegamos à paixão, a forma como esta terá eventualmente continuidade com a relação amorosa duradoura dependerá da disponibilidade de ambos em preservar a intimidade física e emocional.

A relação clama por intimidade emocional. Quando um olhar, um toque, uma palavra nos move internamente, foi despertada a intimidade emocional. Mas, das duas, uma! Pode acontecer que esta situação nos assuste e então fugimos do contacto ou respondemos racionalmente expressando uma opinião, um conselho ou mesmo uma interpretação (evitando uma resposta emocional, às vezes porque até nem estamos disponíveis para uma intimidade emocional com a pessoa em questão); ou, de outra forma, não existem conflitos internos dentro de nós no querer avançar com a relação, partindo de uma base real de amizade e intimidade emocional, e o Eu passa a acolher, a valorizar, a reconhecer e a querer viver cada vez mais um Tu, formando um Nós na sua essência. Neste ponto, não existem barreiras e sentimo-nos inteiros. E reafirmados. O Eu pode ser sustentado externamente, quando existe um Tu que o recebe e o reafirma e o Tu pode emergir quando existe um Eu que se expressa e se comunica. Ambos se tornam uma estrutura de apoio para o outro, e você sente-se tão seguro e livre para expressar quem realmente é, bem como fazem o que realmente querem fazer, abrindo todo um novo mundo de possibilidades, liberdade e potencial. Quando isto ocorre existe a verdadeira relação! Fora disso, somos papéis que interagem com outros papéis. E há imensa papelada!

Quando não nos relacionamos (seja por medo, por dizermos que não precisamos ou não querermos, seja por acharmos que não conseguimos, merecemos ou podemos, enfim!, seja por mais mil e uma truculenta trapaceia), não existem pessoas. Tornamo-nos conceitos indiferenciados, genéricos, “coisificados” e “coisificando” o próprio mundo à nossa volta. E este “mundo” acaba por perder encantamento, ou qualquer tipo de – como dizer? – wonder feeling…!

Psicóloga, Psicoterapeuta
www.apsicologasara.com