Três anos após o início do movimento #Metoo, israelitas e iranianas utilizam as redes sociais para divulgar testemunhos sobre a violência sexual, numa irmandade que desafia a situação de hostilidade entre os seus países.
Em Israel, terá sido uma alegada violação coletiva de uma rapariga de 16 anos na cidade balnear de Eilat (sul), envolvendo cerca de 30 jovens, em meados de agosto, que levou à multiplicação de testemunhos de agressão e assédio sexual nas redes sociais.
“Qualquer mulher sabe que há bem mais que 30 violadores no país”, interpela a iniciativa Mitsad Hanashim (A marcha das mulheres). Na sua página do Facebook, as mulheres vítimas de violência sexual são encorajadas a registarem na plataforma ‘online’ “Mais de 30” o nome próprio do seu agressor e a sua idade no momento dos factos.
No Irão, na semana passada, numerosas cibernautas, a maioria anónimas, acusaram o mesmo homem de as ter drogado e violado depois de inconscientes. A técnica do alegado violador causou uma vaga de indignação nas redes sociais, encorajando outras mulheres iranianas a denunciarem agressões sexuais durante a juventude utilizando o Twitter. Ao invés da palavra-chave Metoo, utilizam #tadjavoz (violação em persa).
Um professor, um académico, um romancista, um pintor célebre, um cantor, um ator e um executivo do setor das tecnologias foram alguns dos acusados de violação e agressões sexuais nas redes no Irão.
Uma das iniciadoras da campanha em Israel, Ruty Klein, leu algumas das mensagens recebidas à agência France Presse: “Yonathan, quando eu tinha 17 anos; um motorista de táxi aos 20 anos; papá quando tinha cinco anos”.
“Vamos entregar esta longa lista ao governo e pedir-lhe para aceitar os requerimentos das associações de mulheres para mudarem a política perante a violação”, afirmou Klein.
A maioria dos testemunhos partilhados pelas iranianas relatam factos ocorridos há mais de uma década, levando alguns a lamentar a falta de apoio face a agressões sexuais silenciadas durante anos e a chamar a atenção para a responsabilidade da sociedade, da intelectualidade iraniana e do código de silêncio familiar.
“Este movimento deveria ter começado muito antes”, considera Hana Jalali, uma contabilista de Teerão com 25 anos. “Penso que falar destes problemas, expô-los publicamente, é uma coisa muito boa”, disse à AFP.
Considerando que “a violação é um tema tabu na sociedade iraniana e é difícil falar sobre isso, mesmo na própria família”, Somayeh Qodussi, jornalista do mensário Zanan (Mulheres em persa), congratulou-se num contacto telefónico com a AFP com o facto de agora as “mulheres parecerem dispostas a falar na praça pública”.
Pelo menos 20 mulheres acusaram um antigo proprietário de uma livraria no centro estudantil de Teerão, 33 anos, e a polícia apelou a que fizessem queixa, assegurando que poderiam manter-se anónimas, segundo a agência Irna.
Facto particularmente raro, a polícia renovou o apelo na segunda-feira, garantindo às vítimas que não correm o risco de ser processadas pelo consumo de álcool (delito punível com a flagelação no Irão).
A campanha “Mais de 30” já recolheu mais de 1.000 testemunhos, afirma a israelita Ruty Klein, adiantando que “a lista de testemunhos continua a aumentar”.
“Este choque da violação coletiva de Eilat (a polícia já deteve uma dezena de suspeitos) fez-nos lembrar que estamos todas no mesmo barco”, disse ainda.
Na República Islâmica, a escalada da polémica surpreendeu e levou a vice-presidente para os Assuntos das Mulheres e da Família, Massumeh Ebtekar, a felicitar as mulheres que se fizeram ouvir, apelando às autoridades judiciais a “processar com firmeza” os autores de agressões sexuais.
Enquanto o primeiro-ministro do Estado hebreu, Benjamin Netanyahu, considerou “chocante” o caso de Eilat. “Não é apenas um crime contra uma jovem, é um crime contra a humanidade”, reagiu.
Illana Weizman, cofundadora de um grupo feminista, considera não haver dúvida de que se assiste a um “despertar das consciências” em Israel.
Segundo a União dos Centros de ajuda às vítimas de agressões sexuais em Israel, a polícia estima em 84.000 o número de mulheres agredidas anualmente, ou seja, 230 por dia.
Numa entrevista à AFP, a socióloga iraniana Azar Tachakor considera que “as vítimas usam a denúncia pública como arma para obter justiça, na ausência de uma estrutura legal para processar sistematicamente” os agressores sexuais. Mas a socióloga não acredita que tais denúncias levem “a uma mudança social profunda” devido, segundo ela, ao peso do sistema judicial iraniano.
Lusa