Itália: Violação de vítima alcoolizada não configura circunstância agravada

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Tribunal superior de Itália considerou que não podem ser aplicadas circunstâncias agravadas em caso de violação de uma vítima que tenha ficado alcoolizada voluntariamente, antes da agressão.

A decisão já está a gerar polémica e deputadas e responsáveis de associações feministas consideram que esta sentença representa um retrocesso para as mulheres italianas em matéria de denúncia e defesa de vítimas que enfrentem iguais circunstâncias.

Da absolvição inicial ao fim das circunstâncias agravadas

Em 2009, dois homens de 50 anos e uma mulher jantavam e, enquanto isso, bebiam. No final, eles levaram-na, já em estado de embriaguez, para o quarto e violaram-na. Horas depois, a vítima acorda, percebe que foi violada e dirigiu-se às urgências do hospital, relatando o que se passou, escreve a primeira sentença, de “forma confusa”. Dois anos mais tarde, o tribunal de Instrução de Brescia, uma cidade do Norte de Itália, absolve os arguidos por considerar que os relatos da vítima não eram credíveis.

Em Turim, já em 2017 e aquando do recurso da primeira decisão, os homens foram considerados culpados por haver prova médica de que a vítima tinha tentado resistir ao ataque, condenando-os a três anos de prisão por terem “cometido o ato sob o uso de substâncias alcoólicas”.

Agora, num novo recurso, o tribunal superior vem reabrir o processo e rever a sentença, alegando que, apesar de os homens terem tirado proveito da situação em que a mulher estava alcoolizada para a prática de sexo forçado, o facto de ela ter bebido voluntariamente não pode ser considerado fator agravante do crime.

Em declarações à edição italiana da revista Marie Claire, Croatta, advogada, considera que “ninguém está a dizer que, por uma mulher estar bêbada, a violação é menos grave”. A causídica refere, antes, que “a sentença fala de violência exercida por um grupo, abusando das condições de inferioridade psicológica ou física, e enfatiza que a vítima estava em estado de enfermidade psíquica”. Por isso, Croatta especifica que “os dois senhores cumprirão sentença, mas com a lei aplicada corretamente. Eles não cometeram a circunstância agravante de ter levado a vítima a beber com o propósito de, mais tarde, a agredir sexualmente”.

Esta já não é a primeira vez que a justiça italiana se torna notícia por circunstâncias desta natureza. O jornal britânico The Guardian lembra que, em fevereiro do ano passado, um homem tinha sido absolvido pelo tribunal de Turim por ter violado uma mulher numa cama do hospital. O juiz entendeu, então, que a vítima não tinha gritado alto o suficiente ou empurrado o homem que a agredia.

Retrocesso de anos, alertam deputadas e ativistas

A posição do tribunal é extremamente séria porque torna ainda mais difícil para uma mulher apresentar-se e denunciar um caso de violação”, declarou a presidente da Rede Feminina da Itália Contra a Violência, citada pelo The Guardian. Lella Palladino lembrou ainda que “quando elas têm a coragem de denunciar, não são consideradas credíveis, sendo, muitas vezes, vitimizadas”. Por isso, prossegue, trata-se de “uma decisão muito alarmante para as mulheres em nosso país, especialmente durante este período crítico [político]”.

Lella não é a única a considerar tal. Alessia Rotta, vice-presidente do partido de centro-esquerda democrata, acrescentou: “Esta decisão do Tribunal recua décadas … é uma sentença que corre o risco de anular anos de batalhas.” Já para Giovani Annagrazia Calabria, do partido Forza Italia, esta é, lê-se no site do jornal italiano La Repubblica, “uma decisão desconcertante, um retrocesso na cultura de respeito e punição de um gesto ignóbil e muito sério como a violação”.

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