Iva Viana: “Todas as semanas vou buscar um jardim de flores à prisão”

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Escultora Iva Viana [Fotografia: Pedro Rocha / Global Imagens] Iva Viana ( Pedro Rocha / Global Imagens )

Iva Viana molda o estuque, molda flores e painéis e já há muito que não o faz sozinha. Enquanto começa a receber cada vez mais encomendas do exterior do País e em Portugal e preparar painéis para laterais de edifícios em frente ao rio Lima, a escultora de Viana do Castelo tem vindo a trabalhar com o estabelecimento prisional masculino da cidade e com reclusos que todos os dias produzem as suas icónicas flores.

Um trabalho que, conta a artista plástica, é remunerado, mas que só é feito por quem aceita uma condição imposta por Iva: não voltar a reincidir em erros pelos quais voltem a ser condenados a viver atrás das grades.

À Delas.pt e à margem do evento da Lâncome, a que tem vindo a juntar as suas flores, Iva Viana faz o balanço deste projeto, dos novos projetos que tem em mãos, dos painéis que prepara para prédios e do futuro da arte.

Trouxe as suas peças artísticas a este encontro com uma marca comercial. Porque o fez?

As minhas peças que estão a ser usadas nestas iniciativas são os objetos mais pequenos. Já não sou eu que os vendo, há os pontos de venda que têm acessos exclusivos. Nem sou eu que as fabrico no ateliê, porque já é uma componente quase industrial. São muitas peças a sair. Tenho uma colaboração com os reclusos de Viana do Castelo, portanto é um projeto social também. Essa parte está muito bem encaminhada.

Como se deu este processo?

O convite partiu do estabelecimento prisional. Na altura, em 2020 em plena pandemia, confesso que até recusei, porque sempre que tiro um molde do ateliê e se calha na mão errada, tenho de me salvaguardar. Mas depois tinha uma colega minha designer, a Madalena Martins, que trabalhou sempre com reclusos. Falei com ela e ela disse-me: ‘arrisca, porque vai valer a pena’. Não comecei logo com as flores, comecei com outros objetos, porque, na verdade, no início, seria só mesmo para testar. O pequeno espaço que me deram para começar a trabalhar transformou-se, de repente, num mini-ateliê atrás do estabelecimento prisional. Comecei a perceber que há muita vontade de trabalhar.

E como são remunerados?

Os moldes são pagos. É um trabalho voluntário que é pago. Eles ganham à peça e faz muito a diferença. Tenho reclusos a trabalhar comigo há dois anos, portanto é uma equipa. Uns vão saindo porque é natural e ainda bem e nós vamos recuperando.

[Fotografia: Instagram/Iva Viana Sculpture]
Qual tem sido a adesão? As pessoas têm tendência a querer ficar ou não?

Já aconteceu alguns não acharem muita piada, porque é um trabalho sujo. Podem não gostar. Agora, desta vez, a equipa está reduzida mas está coesa, portanto…

Quantas pessoas têm a trabalhar?

Neste momento, tenho três. Todas as semanas vou buscar um jardim de flores à prisão. Desde novembro de 2020, mesmo naquelas fases em que comercialmente fica um bocadinho mais fraco, nunca deixo de as encomendar, porque a minha intenção é que eles não parem de trabalhar. Há dois anos e no ano passado também, eu estava com uma exposição sobre os estuques em Viana do Castelo e consegui levar a minha equipa de reclusos à exposição ao Museu de Artes Decorativas. Foi importante perceber o impacto que isto pode ter.

Reportagem nos locais de intervenção artística do festival de arte pública “Desencaminharte” (Ivo Pereira/Global Imagens)

Que impacto é que esta iniciativa está a gerar?

Tenho alguns interessados em trabalhar comigo e vejo essa possibilidade. Há uma coisa também que nunca quis saber, a razão deles estarem lá dentro. Não sou ninguém para criar juízos de valor, portanto eles já estão a cumprir a pena deles. Quando saírem, por que não dar uma oportunidade? Se a houver no ateliê.

Trabalha em mão de obra indiferenciada, vamos chamar-lhe assim, porque estão a aprender consigo, não tiveram formação ou trabalha também com artistas de belas artes?

Tenho um funcionário comigo, que é o meu braço direito, fez Belas Artes e é 15 anos mais novo. Tenho agora também um novo colaborador, que vem de arquitetura, mas na verdade pode ser um técnico. Aquilo de que eu preciso são pessoas organizadas com brio e depois é começarem a perceber como funciona. Acho que é preciso paixão para se trabalhar num ambiente que é sujo, que tem pó todo o dia.

Voltando atrás, dizia que as flores estão mais entregues a uma outra linha de produção, libertando-a para outras áreas. Qual é o caminho?

É uma parte já quase industrial e confesso que houve ali uma fase em que eu pensei “vou terminar isto porque já não aguento mais”, porque é muito repetitivo. Neste momento, o ateliê está a investir mais nos projetos exclusivos, projetos livres meus e sem terem que ser encomendados. Ando a tentar encontrar tempo para mim, além das minhas encomendas. Quero modelar o gesso. Tenho muitas vontades e, às vezes, é um bocadinho frustrante, mas eu acho que esta frustração vai ser até aos meus 90 anos. E ainda bem porque faz parte de mim. Preciso sempre de mais.

( Pedro Rocha / Global Imagens )

Tem maior procura em Portugal, é mais fora de portas? O que tem vindo a mudar?

Há sempre aqui uma grande dificuldade depois para avançar para fora do País. É uma questão de logística, da equipa de montagem… são custos que depois também têm que ser assegurados, mas eu hei de chegar lá. Este ano, vou expor, pela primeira vez, trabalhos no exterior. Estou com uma obra em Viana do Castelo que, por coincidência, é algo que eu já procurava há imenso tempo. Estou a criar quatro fachadas para quatro edifícios de oito metros de altura, com moldes novos, que estão em frente ao rio Lima, que é uma zona com a qual me identifico muito. A primeira vai ser já colocada este ano. Acho que no final disto vou reduzir outra vez os meus painéis, porque o corpo já se começa a sentir. Mas realmente queria muito dar este salto e ter as peças para o exterior.

Já está a ser montada?

A primeira fachada que ser montada entretanto. O edifício está quase pronto e a segunda fachada já vou começar a modelar. Já tenho a base construída, por isso está pronta a modelar.

Isso quer dizer que os investidores portugueses estão um bocadinho mais preparados para perceber que se calhar o espaço como obra de arte tem todo um valor que não teria se fosse apenas uma mera reconstrução?

Sim. Este projeto começou com uma amiga minha que estava para comprar um apartamento naquele sítio, fez-lhes a sugestão e eles aceitaram. Todos nós temos de fazer parte deste processo. A verdade é que eles aceitaram e perceberam a importância de ter uma peça. Não precisavam disso. Os edifícios estão super bem colocados.

Calculo que a procura internacional tenha crescido…

Tem crescido mas não está concretizado. Tenho propostas para a China, para a Índia, para a América, mas ainda não conseguimos concretizar portanto ainda não as considero.

O que é que a fez integrar este projeto com a Lâncome? Sei que já tinha feito o La vie est belle, não é? Não sei se é uma flor pensada de propósito…

Foi pura coincidência. Aconteceu de uma forma tão simples e tão fácil. Gosto muito de poder trabalhar com pessoas que trabalham fácil. Ela queria fazer qualquer coisa que juntasse pintura decorativa. Como não pinto, foi aí que eu convidei a Rita Latente, que é a pessoa ideal, foi só deixar as flores nas mãos dela. Acho bonita essa parte das pessoas se apoderarem da própria peça.

 

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Também usa a cor, mas de forma diferente.

Eu tenho uma paleta a partir da qual a própria cliente escolhe a cor que quer naquela peça. A cor é sempre monocromática. Tenho um verde-esmeralda e tenho um verde muito escuro, mas faz parte da tal paleta. O meu trabalho funciona com uma luz e com uma sombra. Agora, tenho uma proposta para fazer de preto, por exemplo. A mim o que me importa mesmo é questão da luz. Temos de trabalhar os volumes, portanto se não for a luz correta, a peça pode tornar-se uma pintura autêntica, porque não se vê o volume.