Mais quatro semanas para as mulheres conseguirem fazer uma Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), alinhado com os tempos que se praticam em grande parte dos países europeus, ou ser obrigada a ouvir o coração do bebé antes de qualquer procedimento? Objetores de consciência fora do processo ou com ainda mais intervenção junto das mulheres grávidas? Serviço Nacional de Saúde mais ágil ou mais creches? Esta sexta-feira, 10 de janeiro, o Parlamento vai debater e votar sete projetos de lei sobre o aborto que defendem, pela esquerda, o alargamento do prazo da IVG e, pela direita, o acrescento do período de reflexão antes da IVG.
O número de mulheres portuguesas que não está a conseguir ter acesso a um aborto legal até às dez semanas e o volume de médicos objetores de consciência em muitos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, atrasando ou mesmo impedindo a intervenção em tempo útil em várias zonas do território português, desencadearam o regresso do tema ao Parlamento.
Razões a que se juntam dados preocupantes como as mulheres das ilhas a terem de fazer voos para Portugal Continental para conseguirem ver cumprida a sua decisão dentro da janela legal ou mais de meio milhar de portuguesas a irem a clínicas espanholas por o período previsto para a IVG ser mais alargado do que em Portugal.
Relatos e dados que se têm avolumado desde outubro e que agora chegam à Assembleia da República para debate: sete projetos de lei, três propostas de resolução e uma garantia dada há meses pelo agora chefe de Governo. Em fevereiro de 2024, o então candidato a primeiro-ministro Luís Montenegro prometeu, em campanha eleitoral, que não iria mexer na lei, apesar de um dos candidatos do partido de coligação, o CDS-PP ter levantado a questão e de apresentar agora um projeto de lei neste regresso ao debate e que defende avolumar e estender o processo de decisão da mulher.
Os socialistas, que agendaram o debate no hemiciclo, defendem uma ampliação do prazo da IVG das dez para as 12 semanas ou 14 em caso de riscos severos na gestação. Alinhado com este calendário e respeitando uma reivindicação de sempre, o Partido Comunista também propõe o mesmo prazo, alargando para as 14 semanas em casos de perigo de morte ou de “grave e duradoura lesão”.
O Livre e o Bloco de Esquerda sustentam o alargamento do prazo para as 14 semanas, a extinção do período de reflexão obrigatório e a regulamentação clara da objeção de consciência por parte dos médicos.
O partido Pessoas-Animais-Natureza defende, “sem mexer nos pilares fundamentais da lei em vigor”, “reforçar o apoio dado às mulheres que recorrem à consulta prévia de IVG, por via do alargamento do período temporal do apoio psicológico e do apoio social disponibilizados, independentemente da realização ou não deste procedimento e sem restringir tais apoios aos ao período de reflexão”, quer “criar condições para que o SNS disponha de um circuito ágil de referenciação e encaminhamento da mulher que solicita uma IVG” e “uma regulamentação e densificação do direito de objeção de consciência dos profissionais de saúde, por via da clarificação carácter individual do exercício deste direito e da exclusão do âmbito da objeção de consciência da assistência médica ou outra a mulheres antes ou depois” da intervenção.
Pela direita, o CDS-PP, que reabriu, por via do deputado Paulo Núncio, a matéria em fevereiro, em plena campanha legislativa, quer “densificar o acesso à informação relevante das grávidas para a formação de uma decisão livre, consciente e responsável” e quer “apoio psicológico e de assistência social dirigidos às mulheres grávidas” nas estruturas médicas. O mesmo diploma, apresentado por Núncio, quer reforçar “o regime do exercício do direito individual de objeção de consciência dos médicos e demais profissionais de saúde”.
O Chega sustenta a “garantia de proteção à mulher grávida e ao nascituro em todas as fases e circunstâncias e o reforço da informação sobre redes de apoio e cuidados” e defende, entre outras medidas, que a gestante realize “exame de imagem para visualizar o coração e ouvir a frequência cardíaca do feto antes de iniciar o procedimento de IVG”.
O PSD não avançou com nenhuma proposta, estando em cima da mesa a promessa que chefe de Governo social democrata Luís Montenegro fez em campanha eleitoral. “Esse assunto está absolutamente arrumado. Nós não vamos ter nenhuma intervenção nesse domínio na próxima legislatura”, declarou em fevereiro. “O que os portugueses querem saber é qual é a minha [posição] e o comprometimento da AD, e esse é muito claro: nós não vamos mexer nesta legislação. É tão simples quanto isso”, acrescentou Montenegro.
Aliás, o programa de governo social-democrata e de coligação com os centristas não fazia referência a palavras como IVG, aborto, eutanásia ou gestação de substituição, falava antes em natalidade, mais tratamentos de Procriação Medicamente Assistida, mais “pais na família” e fomento da paridade.
Contudo, no mesmo dia em que a nova ministra garantiu que não haveria alterações no aborto com este executivo, os eurodeputados do PSD (à exceção de uma abstenção) e o CDS-PP votaram, no Parlamento Europeu, contra a inclusão de direitos sexuais das mulheres como o aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Uma posição, aliás, sustentada pelo primeiro-ministro dias depois. Luís Montenegro afirmou, a este propósito: “A consagração como direito fundamental [no documento europeu] do direito à interrupção voluntária da gravidez traz um desequilíbrio no ordenamento jurídico, porque significa que dos dois direitos que estavam em conflito [direito à autodeterminação da mulher e o direito à proteção da vida do nascituro], no fim, vai prevalecer integralmente apenas um, o que significa o desaparecimento do outro”.
E se o executivo social-democrata tem sido publicamente claro sobre a matéria, o principal partido que o sustenta, PSD, tem tomado posições que tem colocado o tema sob os holofotes. Em outubro de 2024, o PSD nomeou juíza com posições antiaborto para o Tribunal Constitucional, que acabou por ser chumbada no Parlamento, e levou a IVG ao congresso dos sociais-democratas.
Agora, no debate para esta sexta-feira, 10 de janeiro, tudo aponta para um impasse, sobretudo se houver disciplina de voto por parte do PSD nesta matéria e se Luís Montenegro cumprir a promessa que fez em fevereiro.
Enquanto o debate na generalidade prossegue, importa para já o cumprimento integral da lei em vigor e sobre a qual, nas mais recentes semanas, chegaram denúncias: Uma delas indicava que, devido a objeções de consciência por parte de médicos e cumprimento de prazos, mais de 130 utentes dos Açores foram obrigadas, em 2023, a viajar para território continental para poderem fazer uma IVG dentro do prazo legal. Uma segunda indicava uma estimativa que apontava para o facto de mais de 500 mulheres por ano irem a clínicas fronteiriças de Vigo e Badajoz para fazerem IVG e por não conseguirem realizar o procedimento em Portugal, em tempo legal previsto.