“Já me disseram que penso e decido com o pragmatismo dos homens. Espero que seja um elogio”

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O regresso à antena da RTP1 do ‘Sexta às 9’ está marcado para as 21.00 de hoje. O programa de investigação jornalística volta com uma renovação a nível de cenário. Um espaço “real e e mais dinâmico”, conta ao Delas.pt Sandra Felgueiras, pivô e coordenadora deste programa de investigação jornalística.

Esta primeira emissão é essencialmente dedicada à “investigação a um dos tesouros mais valiosos de Portugal que continua na Namíbia”, diz a estação pública, acrescentando que “Portugal pode ter perdido para sempre 11 milhões de euros em moedas de ouro que estavam numa nau portuguesa da época dos Descobrimentos encontrada ao largo” daquele país africano. “O ‘Sexta às 9’ foi o primeiro programa do mundo a chegar ao cofre onde as autoridades da Namíbia dizem ter guardado o tesouro, mas os códigos não abriram. Um arqueólogo garante já ter visto moedas iguais à venda na Alemanha”, revela ainda a RTP.

Sandra Felgueiras garante que esta não é a única reportagem que o espaço vai emitir e frisa que só foi possível realizá-la porque a estação pública de TV “moveu mundos e fundos”.

Veja o que a jornalista tem a dizer sobre o programa, sobre a reportagem de investigação em Portugal e sobre si enquanto mulher e profissional da comunicação.

Quais as diferenças entre o ‘Sexta às 9’ que começa esta noite e as edições anteriores? É apenas em termos de cenário ou também vão existir mudanças em termos de conteúdos?

O ‘Sexta às 9’ muda, de facto, de cenário. Adquire um espaço real e mais dinâmico mas mantém-se fiel à sua marca: investigações credíveis e profundas que irão seguramente contribuir para trazer muitas verdades ocultas ao domínio público. Como costumo dizer, o nosso lema nunca poderá mudar: estamos aqui para contar a verdade custe o que custar, doa a quem doer! E esta é uma missão que não tem preço.

O que pode adiantar sobre o programa desta noite? Será apenas sobre “um dos tesouros mais valiosos de Portugal que continua na Namíbia”?

Não será só sobre isso. Essa é uma das investigações em destaque até porque, pela primeira vez, o País vai ter oportunidade de ver um dos tesouros mais valiosos da época dos Descobrimentos. Mas apenas porque a RTP moveu mundos e fundos e conseguiu ir à Namíbia, onde ainda hoje se encontra guardado sem as mínimas condições de preservação. Apesar de ter sido descoberto em 2008, até hoje nenhum governante português foi sequer visitá-lo e nunca ninguém do Estado procurou recuperá-lo, apesar de a lei assegurar que é nosso por direito legítimo. É um caso revoltante! Mas não será o único a indignar o País. Vamos ainda revelar quem ganha milhares de euros com os incêndios. E não, não são os suspeitos do costume. Têm de ver!

Como são definidas as reportagens?

São sempre decididos em função da atualidade e muito em particular em função daquilo que o nosso público quer ver aprofundado. Orgulho-me de dizer que criámos uma excelente relação de interatividade com os nossos espectadores. Recebemos dezenas de denuncias diariamente e acolhemos muitas delas, que têm mesmo dado origem a investigações de grande pertinência e atualidade. Por isso, só tenho de pedir que nos continuem a enviar denúncias e sugestões porque é mesmo verdade que este programa é feito por todos e com todos exatamente, porque é para todos.

Em fevereiro do próximo ano, o programa faz cinco anos em antena. É um bom exemplo de como o jornalismo de investigação tem lugar em Portugal…

Mais do que nunca! O jornalismo de investigação é um dos pilares da democracia. Sem ele, os “cancros” da sociedade continuariam a proliferar. Este jornalismo, no mínimo, intimida quem não tem, por norma, vergonha na cara. E com o funcionamento lento dos nossos tribunais, as investigações jornalísticas acabam muitas vezes por reparar injustiças ou, pelo menos, funcionar como alertas que evitam males maiores.

Ao longo destes anos, qual foi o maior desafio por que passou?

Passo diariamente por muitos. Sou uma perfeccionista por natureza. Deito-me às “quinhentas” e levanto-me sempre cedíssimo. Sofro com o sofrimento dos outros e encaro o jornalismo como uma missão única de poder ajudar. E é isso que procuro fazer diariamente. Por isso, os desafios mais difíceis para mim são sempre aqueles que implicam salvar vidas. Um deles foi tentar salvar o Leandro: o jovem de 17 anos preso injustamente, que após as reportagens do ‘Sexta às 9’ [emitida em maio do ano passado] foi libertado. Ficará para sempre no meu coração como um extraordinário gesto de reposição de justiça conseguido apenas através do poder ímpar do jornalismo.

Enquanto mulher e jornalista, acredita que aquele que diz ser o seu maior desafio teria sido o mesmo se fosse homem? O que quero saber é se sente, enquanto profissional, se há ou não discriminação com base no género.

Há naturalmente. Pela natureza específica do nosso trabalho, há temas cujo aprofundamento depende do género. Não infiltro uma mulher com facilidade num meio masculino nem vice-versa. Agora, se me pergunta se uma mulher tem mais dificuldade em fazer jornalismo de investigação, direi imediatamente que não e a verdade é que no programa estamos em perfeita paridade: somos três mulheres e três homens. Todos de enorme qualidade.

Nunca se sentiu, então, discriminada enquanto jornalista por ser mulher?

Nunca me senti discriminada, mas também já me disseram várias vezes que penso e decido com o pragmatismo dos homens. Espero que seja um elogio.