“Por vezes pactuamos com discursos misóginos e sexistas”

Mafalda-Veiga

“Usamos as letras sem prestar atenção porque estamos no prazer da musica. Por vezes, pactuamos com discursos misóginos e sexistas”. Foi desta forma e puxando por este tema que Mafalda Veiga abordou a violência de género. A autora e cantora falava esta terça-feira, 9 de abril, ao abrigo da conversa intitulada Procedimentos e Práticas Profissionais: Saúde, Justiça e Policias e a par da investigadora e psicóloga forense especialista em vitimologia Marlene Matos e a deputada socialista Elza Pais.

O mote de Mafalda Veiga é claro: “A música é um fator de referência e identidade na adolescência e molda a forma como vemos o mundo, nós próprios e os outros. É, em geral, um mundo de homem e no qual a mulher tem um lugar subalternizado”, explicava no âmbito de uma iniciativa que corre em paralelo com a petição pública – que já conta com mais de cinco mil subscritores – da Carta Aberta lançada a 8 de março e que está a ser promovida pela apresentadora da RTP e presidente da Corações com Coroa, da responsável da União Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) Elisabete Brasil, de Alice Frade da P&D Factor e de Sandra Correia, do Women’s Club Portugal.

Para a compositora sobram exemplos desta tendência masculina para o “paternalismo” em que “eles avaliam e elas são avaliadas”, em que elas surgem “muitas vezes, nos videoclipes, como troféus ou conquistas do cantor”, lembrou.

Desde o samba de Zeca Pagodinho em que o refrão lembra que “Se te agarro com outro te mato”, até às louras burras de Gabriel, o Pensador ou o ciúme letal de Roberto Carlos, Veiga teve também espaço para lembrar um dos poemas de Vinicius que nos leva a trautear a subalternização da mulher. “Descobri, no Brasil, o site MMPB (Música Machista Popular Brasileira), onde as autoras convidam a refletir sobre a forma como os compositores cantam o machismo. (…) Mas em Portugal também há casos destes, não pensem”, declarou a cantora, que criticou: “É muito raro, choca-me e é muito sintomático que a Sociedade Portuguesa de Autores raramente tenha uma mulher autora na capa”.

Em jeito de conclusão, a artista pede ainda que se mude o refrão na intimidade. “Se continuarmos a silenciar, pactuamos com um futuro em que nada mudará. É preciso ouvir bem a letra e, em casa, escolher “amar perdidamente e dizê-lo, cantando, a toda a gente”.

Rui Abrunhosa acabaria por, mais tarde, no âmbito deste debate juntar a voz dele à de Mafalda para lembrar Suzanne Vega. “Possivelmente, Luka era vítima de violência e, se calhar, nunca nos demos conta”, vincou.

Imagem de destaque: DR

Carta Aberta dá origem a fórum e debate sobre a violência doméstica