Jamila Martins: “Vamos lutar para que a diferença de ranking não se note dentro de campo”

Jamila Martins
Fotografia retirada do Facebook de Jamila Martins

Com tios jogadores de futebol na família, Jamila Martins, de 29 anos, está ligada à modalidade desde que nasceu. Começou pelo futsal no Algarve, com Cláudia Neto, a capitã da atual equipa das quinas. Juntas passaram para o futebol. Jogaram em Espanha, no Prainsa de Zaragoza e no Espanyol de Barcelona. Foi com a camisola deste último clube espanhol que fez algumas das defesas mais marcantes da carreira.

Em 2012, quando a internacional portuguesa ainda estava no Zaragoza, o jornal Record escrevia: “Jamila Martins, Espanha aos pés.” A guarda-redes era uma das estrelas da equipa espanhola, vivia só do futebol e tinha o grande sonho de conseguir uma grande conquista pelo seu país. Concretizou-o no ano passado ao ajudar a Seleção a garantir a presença, pela primeira fez, no Europeu de futebol feminino, mas atualmente, a representar o Futebol Benfica, já não consegue viver apenas do desporto. Trabalha na área da restauração e soma prémios de Melhor Guarda-Redes do Campeonato Nacional.

Como surgiu o gosto pelo futebol?

Vem de família, ainda hoje tenho tios a jogar futebol. Comecei a jogar com a Cláudia Neto, no Algarve. Começámos pelo futsal, entretanto jogámos juntas no Prainsa Zaragoza, em Espanha, e no Espanyol de Barcelona. Depois disso a qualidade dela sobressaiu e hoje não jogamos no mesmo clube mas ela, felizmente está numa boa equipa [Linkoping FC, na Suécia], estamos bem as duas.

A baliza no futsal é bem mais pequena do que a do futebol. A adaptação foi difícil?

Senti diferença em relação à baliza e a algumas regras. O mais difícil foi a baliza e o facto de ter de usar luvas, mas felizmente isso já está ultrapassado.

Quando decidiu fazer carreira no futebol?

A partir do momento em que o objetivo é a seleção nacional temos de pensar sempre mais além. Houve muitos fatores a puxar-me para fora do futebol, mas felizmente consegui concretizar o sonho e estar entre as 23 selecionadas pelo Francisco Neto.

Que fatores foram esses?

Hoje em dia as coisas já estão muito melhores. Continua a ser necessário ter muita força de vontade e lutar por aquilo que realmente queremos. Incentivo todas as meninas, raparigas e mulheres a lutarem pelos sonhos, seja qual for o desporto.

Os seus familiares sempre a apoiaram?

Sempre.

E sempre jogou na posição de guarda-redes?

Sim, só em alguns torneios é que dei um pezinho à frente. Para se ser guarda-redes é muito importante não ter medo de abordar os lances, do contacto físico e sair ao encontro da bola. Há que ter também muita força de vontade porque é uma posição ingrata, é preciso ser-se muito forte para enfrentar e ultrapassar determinados momentos da carreira. Mas quando o nosso sonho é ser guarda-redes e chegar à Seleção, nenhum desses obstáculos é problema.

Há alguma defesa que a tenha marcado particularmente?

Sim, na final da Copa Cataluña, quando jogava no Espanyol de Barcelona contra o Barcelona. Ganhámos através de grandes penalidades e defendi três, felizmente. Depois, num Mundialito, defendi também dois ou três penáltis. Todos estes momentos são muito bons de relembrar, principalmente quando são vividos com a seleção nacional.

Alguma vez se sentiu descriminada por ser rapariga e jogar futebol?

Não, descriminada não. Dão menos valor, é uma realidade que está à vista de todos, mas está tudo a melhorar. É bom termos chegado ao Europeu com a seleção, dá outro impulso, e espero que daqui a uns anos as meninas que vão aparecer tenham melhores condições do que aquelas que temos.

Cada vez se fala mais do futebol feminino. Vocês também notam isso?

Sim, dá para ver que estão a dar mais importância e para nós isso é bom, sentimos que dão maior valor não só ao percurso das 23 que estão aqui mas também a todas aquelas que contribuíram para que este momento fosse possível e já não estão cá. Agradeço a todas as pessoas que nos ajudaram a chegar a este patamar.

Quais são as maiores diferenças que ainda existem entre o futebol masculino e o feminino?

Isso não se compara. Sabemos que as diferenças são muitas, nem vale a pena falar nos valores dos salários. Mas estamos um bocadinho melhor, há clubes que possibilitam que as jogadoras vivam só do futebol, como é o caso do Sporting e do Sporting de Braga, mas ainda há um caminho muito longo pela frente, muitas diferenças.

A Jamila vive só do futebol?

Neste momento tenho de conciliar com o trabalho, mas felizmente também tenho um emprego que me ajuda e facilita bastante sempre que preciso de trocar folgas para poder ir aos jogos. Já vivi só do futebol, em Espanha. Agora trabalho na área da restauração.

Quais são as suas perspetivas para este Europeu?

Somos a seleção com menos ranking. Vamos tentar dar o nosso melhor em cada jogo, tal como já foi referido pelas minhas colegas. Mesmo quem estiver de fora vai estar a puxar pelas colegas que lá estiverem dentro. Vamos lutar para que a diferença de ranking não se note dentro de campo. É difícil, mas vamos dar o nosso melhor, tal como demos na fase de apuramento para o Europeu. Não se notou a diferença de ranking, conseguimos mostrar que temos uma boa Seleção, que estamos a evoluir e que o grupo está unido, algo que é muito importante.