Japonismo: a luz chega sempre do Oriente

Fascina-nos a todos, e desde sempre, o exótico distante. Deve ser reminiscência de olharmos para lá da costa e não haver mais nada. Ou depois, de quando as naus demoravam um ano a ir e a voltar com coisas nunca vistas e que toda a gente queria ter.

Tirando o facto de existir hoje em dia a Amazon, e de que podemos todos apanhar um low-cost até quase meio caminho e ir lá, as coisas não mudaram muito, porque, bem ou mal, as pessoas são ainda feitas da mesma massa.

Hoje em dia o Japão, de qualquer forma ainda exótico e distante, fascina o mundo, mas as razões contemporâneas do fascínio são agora diferentes: o quotidiano do Sol Nascente vai de encontro ao estilo de vida que toda a gente (toda a gente que quer ser informada, esclarecida e da moda) quer ter: ser tradicional, mas contemporâneo, e seguidor do natural.

É uma equação difícil, e não há assim tantas soluções pret-a-porter disponíveis: há os nórdicos, de que o IKEA tratou de democratizar, e há o Japão, que de democrático acessível ainda tem pouco no que ao design para interiores diz respeito. Para já, o gosto japonês ainda é um desejo de nicho, que como mandam as boas, firmes e sempre presentes leis de mercado passará em pouco tempo para as bases da pirâmide social de gostos.

Nos nossos dias sempre houve a MUJI, é verdade, mas a sigla significando “produtos de qualidade sem marca” nunca cumpriu completamente o seu desígnio, a qualidade nunca era assim tão garantida e os preços estavam longe de ser populares.

No século XIX, o gosto pelo exótico era orientado na Europa pela diretiva inglesa, imperando a chinoiserie, virada para o excêntrico chinês, mais preenchido, confuso e barroco de forma, que caía como ginjas no lay-out vitoriano da altura; na decoração foi uma espécie de ‘juntou-se a fome com a vontade de comer’. O gosto vitoriano amava esta espécie de Gabinete de Curiosidades, para despertar conversas, sentar na bergère e servir mais um brandy, enquanto se conversava ou brincava com o charuto.

O gosto contemporâneo, de uma forma geral, está agora nos antípodas da moda vitoriana e da chinoiserie: os designers, hoje, para irem de encontro ao desejo dos modanti, buscam no mobiliário, nos acessórios e na disposição espacial japoneses, secos de forma e limpos de excessos, as bases dos seus desenhos de agora; mais, procuram um certo estado de espírito tradicionalista que aliado ao enorme respeito nipónico pelo mundo natural é a coluna vertebral de uma das mais fortes tendências a médio prazo do mercado.

O mundo natural e este respeito por ele são o núcleo do desenho japonês: as casas tradicionais, de madeira, com portas de correr de papel – shoji – eram construídas, aos contrário da alvenaria do resto mundo, para que frente à adversidade natural fossem facilmente desmontadas e remontadas novamente: a Natureza não era vista como uma inimiga que trazia tufões, mas sim como uma parte de um todo cósmico, de que a humanidade também fazia parte.

Esta cumplicidade com o acaso e o com destino é bem espelhada no Kintsugi, a arte de reconstruir com massa dourada os objetos de vidro ou cerâmica que partimos sem querer, fazendo do remendo uma adenda decorativa. É mesmo já uma moda e muitas lojas online disponibilizam kits faça-você-mesmo para praticar esta arte que relaxa e pacifica a mente.

Num mundo que parece cada vez mais inseguro, hostil e partido, o Kintsugi é apenas a ponta de uma meada que pode trazer soluções a médio prazo; porque se a raiz do problema for termo-nos afastado demasiado do planeta e da nossa matriz conjunta, a raiz do pensamento japonês, e respetivo desenho das coisas, pode ser um kit de que todos precisamos, enquanto ainda há tempo e as fendas ainda se podem reparar.


Veja também as peças de decoração que são verdadeiras obras de arte.


João Galvão