Jennifer Weiner: “Espero que as millennials tenham maior consciência do quão insidiosa a dependência pode ser”

JenniferWeiner©Andrea Cipriani Mecchi
Fotografia: Andrea Cipriani Mecchi

Allison Weiss poderia ser a nossa mãe, uma amiga, uma mulher que conhecemos ou mesmo qualquer uma de nós. Ela é a protagonista do livro ‘Em Queda Livre’ (Bertrand), de Jennifer Weiner, autora bestseller do New York Times, e deste livro, cuja primeira edição tem mais de quatro anos.

Tal como muitas mulheres, Allison é a típica mãe trabalhadora que tenta conciliar a família com o trabalho e tudo o resto. Mas há outro desafio, um problema que se esconde por debaixo da aparência de perfeição de uma vida cheia de tarefas sobrepostas e exaustivas. Um problema de dependência de medicamentos (analgésicos, opióides, etc.), de que sofre a protagonista desta obra e que é mais comum do que se pensa, nos Estados Unidos da América.

O livro foi editado em abril deste ano em Portugal [DR]
Ao Delas.pt, numa entrevista inédita para Portugal, Jennifer Weiner, explica porque quis falar destes temas, porque é tão importante que se fale da conciliação e da sobrecarga que cai sobre as mulheres como se fala do #Metoo e daquilo que espera da geração millennial, no reinventar dos locais de trabalho “para que as mulheres simplesmente não se sentissem menos empoderadas a pedir ou a contratar ajuda e os homens se sentissem envergonhados por faltar aos concertos da escola dos filhos ou aos seus jogos de futebol”.

Já publicou mais de uma dezena de livros. Por que é que quis falar deste tema – da conciliação e da dependência de analgésicos – nessa altura, em 2014, quando lançou o livro nos Estados Unidos da América e que tinha sido considerado então o seu melhor livro até essa data?

A dependência de opióides é uma grande questão nos Estados Unidos da América – e ainda não é muito falada. Assim como não são faladas as causas que levam as pessoas a essa dependência – a solidão e o isolamento, o sentimento de vazio, que tantas mulheres sentem, mesmo quando aparentam estar bem, por fora. Por outro lado, eu estou sempre interessada nas histórias das mulheres e nas suas vidas, portanto senti de forma natural que este livro era o assunto a falar e o passo seguinte a dar nos meus livros. Quis também escrever sobre a dependência porque acho que não só não percebemos as causas subjacentes, como parece que não conseguimos encontrar maneira de as solucionar.

Porquê?

Aqui nos Estados Unidos, o modelo dos 12 passos estagnou no momento em que as clínicas de reabilitação anunciaram a abstinência total – mesmo quando o tratamento recomendado é medicamente assistido, e a única medida que comprovadamente ajuda. Mas eles querem que a pessoa encontre o seu ‘poder superior’, que fique livre de qualquer medicação, incluindo aquela que é medicamente prescrita para a depressão e ansiedade, que pode ter levado as pessoas a abusarem do consumo de opióides. Então, as pessoas vão para a reabilitação, ficam limpas, saem, têm recaídas, overdoses e morrem…ou tornam-se novamente viciadas e voltam à reabilitação, porque é a única coisa que há para oferecer-lhes. Então isto transforma-se neste círculo vicioso, em que as famílias gastam todas suas poupanças e o membro afetado pela dependência nunca melhora.

Segundo li, este livro é parcialmente baseado, em experiências suas. Até que ponto ele é inspirado na sua vida?

Certamente que muitas das lutas da parentalidade são decalcadas da minha própria vida! Além disso, um dos meus pais também se debateu com problemas de dependência, por isso é um assunto que me é muito próximo.

O seu livro têm, ainda assim, uma boa dose de humor, no meio de todos os problemas referidos. Por que lhe quis dar esse tom?

Nunca quero que os meus livros transmitam a ideia de que estou a tentar enfiar uma mensagem na cabeça de alguém. Quero que os leitores se relacionem com as minhas personagens e se sintam entretidos. E às vezes o humor também pode ser a única maneira de suportar a tragédia, por isso parece-me muito realista que as pessoas se riam mesmo nos seus mais profundos momentos de tristeza.

Este foi o seu primeiro livro a ter uma crítica no New York Times.

Sim, é verdade. Fiquei muito contente porque tive uma boa crítica.

Quando o procuramos no Google ele é traduzido automaticamente para português do Brasil, como um livro do género de “ficção doméstica”. Acha que os problemas e as realidades da vida quotidiana das mulheres ainda são desconsiderados na literatura?

Mesmo depois de muitos anos a tentar criar uma maior consciencialização, acho que as histórias das mulheres – na ficção e na vida real – ainda não são tão levadas a sério como as dos homens. Por exemplo, não há uma categoria literária chamada ‘ficção masculina’ – é simplesmente ficção! É muito frustrante, e espero que viva o suficiente para ver o dia em que os meus livros sejam apenas livros.

‘Em Queda Livre’ foi publicado antes do #Metoo, da Marcha de Mulheres aparecer na América e de uma certa nova vaga de feminismo a que se assiste, com um novo foco global sobre as mulheres. Pensa que o seu livro teria tido ainda mais atenção se tivesse sido lançado hoje, pela primeira vez?

Enquanto o #MeToo tem centrado a sua atenção na universalidade do assédio e da violência sexual em contexto de trabalho, os assuntos abordados no meu livro, ‘Em Queda Livre’ – as mulheres a tomarem muita coisa a seu cargo, a tomarem conta de toda a gente e a não saberem como cuidarem de si – são, infelizmente, intemporais. Apesar de esperar que o #MeToo traga novas consciencializações para o problema específico da violência sexual, também penso que tem de haver um foco no facto de as mulheres exigirem tanto a si próprias, porque se deixam tão pouca margem para errar e porque é que o fardo de cuidar ainda cai predominantemente nos seus ombros.

Este é, de resto, um grande desafio nas sociedades ocidentais atuais. Qual é a realidade americana, sobretudo no que se refere às mulheres de rendimentos mais baixos e às mães solteiras. Que tipo de apoios têm? São suficientes?

As mulheres na América não têm os mesmos benefícios que as mulheres de outros países têm – não temos licença de maternidade (paga), não temos creches apoiadas pelo Estado. E ainda somos sobrecarregadas com a expectativa de que sejamos nós a fazer todo o trabalho emocional que acompanha o cuidar da família. Por exemplo, uma mulher tem de encontrar o médico certo, marcar a consulta e sair do trabalho mais cedo para levar a criança e se ela faltar muito ao trabalho porque tem o filho doente será responsabilizada. Pomos uma pressão tremenda em nós para fazermos tudo: para estarmos bem arranjadas, vestir bem, ter casas bonitas, tratar dos nossos maridos e dos nossos filhos e dos nossos pais, garantir que toda a gente está feliz. E isso pode ser demasiado, como a minha heroína, a Allison, acaba por perceber.

As mulheres da chamada geração millennnial mudarão isso, serão assim tão diferentes da geração X?

Por um lado, espero que as mulheres millennials tenham uma maior consciência do quão insidiosa a dependência de narcóticos pode ser. Certamente que os médicos estão mais cuidadosos a prescrever medicamentos para cirurgias pequenas ou a não deixar que as mulheres os continuem a tomar mesmo bastante tempo depois de já terem recuperado. Porque, seja qual for a substância que as mulheres tomem para enfrentar um problema – álcool, comprimidos ou qualquer outra coisa –, a questão de base permanece. Adoraria ver a geração millennial não apenas a incorporar mulheres nos locais de trabalho, mas a reinventá-los, para que homens como mulheres se sentissem livres para serem tanto pais como trabalhadores, para que as mulheres simplesmente não se sentissem menos empoderadas a pedir ou a contratar ajuda e os homens se sentissem envergonhados por faltar aos concertos da escola dos filhos ou aos seus jogos de futebol.

Entretanto, tem um novo livro, chamado ‘Mrs. Everything’. De que trata esta obra?
O meu novo livro é sobre duas irmãs com mais de 70 anos de história da América. Fala de feminismo, racismo, amor e divórcio e segundas oportunidades, e também onde temos estado enquanto mulheres e para onde estamos a ir.

 

Pré-publicação: “Em Queda Livre”, a história de uma mãe que podíamos ser nós

 

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