No início deste ano Jimmy P envolveu-se num projeto pedagógico de combate à violência no namoro, lançando o livro Amar-te e Respeitar-te. Agora juntou-se à EDP para promover “Tagga o teu Futuro”, uma iniciativa que tem incentivado jovens de várias escolas, de norte a sul do país, a escolher um futuro sem barreiras nem preconceitos, lutando pela profissão que querem realmente seguir, independentemente das opiniões dos outros.
O rapper foi escolhido para ser o rosto do projeto por ter, no último álbum de originais – Essência, lançado no ano passado –, a música Handz Up (pode ver o videoclipe abaixo), que incentiva os jovens a não baixarem os braços. “Ser diferente não é ser inferior. É ser igual a ti mesmo e conheceres o teu valor”, diz a letra.
Em entrevista ao Delas.pt, o filho do futebolista Jorge Plácido, que passou pelo FC Porto, Sporting e Seleção Nacional, fala dos obstáculos que teve de ultrapassar para se tornar no músico que é hoje, apesar de não ter qualquer formação profissional, e revela algumas das mensagens que tem recebido, por parte de jovens portugueses, que querem seguir a profissão dos seus sonhos mas são condicionados pelas famílias.
Por que decidiu abraçar este projeto?
Todo este projeto foi construído à volta de uma música que já tinha feito anteriormente, que retrata o meu percurso e o que aconteceu na minha vida até me tornar músico e viver disso. Sendo essa música um reflexo daquilo que aconteceu na minha carreira, – a superação das barreiras, dificuldades e sobretudo dos preconceitos existentes na altura – a EDP achou por bem desenvolver um projeto à volta desta música. Fez todo o sentido envolver-me porque é algo onde me consigo rever e me diz respeito. É a possibilidade de me envolver numa iniciativa que acrescenta valor e é saudável para todos, para mim e para quem ouve. Esta música faz parte do meu último álbum de originais e nem sequer foi um single, ou seja, não passou nas rádios nem teve muita exposição. Eles ouviram e acharam que a música tinha tudo a ver com este projeto de diversidade e inclusão.
Recentemente fez um videoclipe para a música. Como têm sido as reações, sobretudo dos mais novos?
Não sendo um single, apesar de ser uma música com conteúdo e uma mensagem, tem mais dificuldade em vingar. Mas apesar disso sinto que a música tem cumprido o seu propósito, que é despertar as pessoas para essa realidade e sobretudo dar-lhes ânimo e alento para correrem atrás dos seus sonhos e conseguirem superar essas barreiras. No fundo, a mensagem que existe por trás deste projeto é precisamente essa: não há barreiras nem obstáculos que sejam insuperáveis. É isso que se pretende espalhar e tenho-o sentido porque estou em contacto com quem ouve a minha música e recebo alguns testemunhos. Algumas raparigas escreveram-me no YouTube que queriam ser piloto de aviões comerciais mas a família diz que é uma profissão de homens ou rapazes que querem ser bailarinos mas todos gozam com eles porque é uma profissão de mulheres. Tem acontecido essa partilha de informação connosco.
Como se sente ao saber que esta música pode vir a mudar o futuro de tantos jovens?
A música acaba por cumprir um propósito maior do que todos nós e isso aconteceu comigo, ouvi artistas que me incentivaram a correr atrás dos meus sonhos. Se puder fazer isso, chegar a algumas pessoas e ajudá-las a perceber que não há impossíveis, melhor. Sou um exemplo de que os sonhos podem cumprir-se. Não tenho formação musical, apenas sou uma pessoa que gosta de fazer música e não me via a fazer outra coisa sem ser isto.
No início do ano lançou o livro Amar-te e Respeitar-te, contra a violência no namoro. Agora está envolvido neste projeto educativo. É importante usar a imagem de figura pública para ter influência na sociedade?
Mais do que a imagem é usar a música em si porque sou musico, ser figura pública não é uma profissão, pelo menos para mim. Se o facto de ser músico pode levar as pessoas a refletir e pensar nestas problemáticas que são super atuais, não vejo razão para não o fazer. As razões que me levam a estar envolvido nestas coisas são suficientemente válidas.
Há falta de iniciativas pedagógicas como esta nas escolas portuguesas?
O que importa é que as pessoas se mobilizem e se organizem em comunidade para um objetivo comum. Isto não está relacionado com a dimensão das escolas, mas sim com a percentagem de participação, ou seja, não é por uma escola ter um maior número de alunos que ganha.
Vai ter a oportunidade de ser mentor de alguns alunos das escolas vencedoras. Que expectativas tem em relação a esta fase do concurso?
Essa parte é provavelmente a mais interessante porque implica que exista também um envolvimento dos professores e que os jovens tenham em mente e consigam identificar a sua profissão de sonho. Mas mais importante do que isso é que consigam perceber quais são os obstáculos, as barreiras que têm de ultrapassar para conseguir chegar a esse objetivo. Isso dá-me oportunidade de estar em contacto direto com as pessoas, conversar com elas e partilhar a minha experiência. Não há nada melhor para ilustrar a superação destas coisas do que a minha própria experiência, é algo de que posso falar com segurança porque vivi.
Ainda existem muitos preconceitos entre jovens?
Sem dúvida. Nos últimos cinco meses tenho tido oportunidade de ir a muitas escolas básicas e secundárias de todo o país e, ao contactar com as pessoas, tenho-me apercebido de certas realidades e ideias preconcebidas, não só em relação às profissões mas também à sexualidade. É muito bonito fazermos música, mas temos uma certa responsabilidade em incutir ideias importantes para todos, que façam crescer e pensar.
Quando estudava já existiam estes preconceitos?
Sim, este tipo de coisas sempre existiu embora hoje em dia a informação esteja muito mais disseminada devido à Internet. Mas também não havia tantas ações.
Há algum episódio que o tenha marcado particularmente?
O meu pai foi jogador de futebol profissional e na minha família, provavelmente 80% das pessoas, esperavam que também seguisse esse caminho. Apesar de gostar muito de futebol, gosto como adepto e praticante em tempos de lazer. Percebi muito cedo que o meu caminho não era esse. Estudei Marketing e tive uma profissão nessa área, mas sempre fiz música. Quando decidi que queria fazer só música, arriscando todos os meus recursos financeiros e não só, houve um choque e tive familiares a dizerem-me que fazer música não era profissão, que para isso tinha de estar num escritório das 8h00 às 17h00 e por aí fora. Não houve uma reação muito amigável à partida, à exceção dos meus pais, que foram quem me deu um maior apoio. Ainda há o preconceito de que a vida do músico é uma vida boémia quando isto exige a disciplina e dedicação que todas as outras profissões exigem, vivi isso na primeira pessoa. É por isso que digo que não é uma coisa nova, é algo que já vem de trás e existe há muito tempo.
Nunca foi alvo de preconceito por ser de descendência angolana?
Por acaso não. Fiz a maioria da minha escolaridade em Paris porque vivi lá cerca de 12 anos. Nesse aspeto há uma certa abertura por ser uma cidade multicultural e haver pessoas de todos os sítios, mas quando vim para Portugal senti esse preconceito em alguns aspetos, a sociedade era muito mais fechada do que era em França.
Tem uma filha. Vai deixá-la ser o que ela quiser?
Sim, ainda há pouco tempo tive essa discussão. O que tem de prevalecer é o nosso bem-estar e a nossa felicidade, é essa a mensagem que lhe vou passar. O importante é que ela seja feliz naquilo que faz e tenha prazer. Esta é a mensagem que os meus pais me passaram.
Abraçou também um projeto contra a violência no namoro no início deste ano…
Quando fui convidado para fazer parte deste projeto existiam outros temas em cima da mesa. No entanto, sabendo que o meu público são maioritariamente estudantes e considerando que esta é uma problemática com que os jovens lidam diariamente nas escolas, fazia todo o sentido envolver-me neste projeto e tentar passar uma mensagem positiva. O livro que lançámos pretende dar às pessoas as ferramentas para conseguirem diagnosticar e perceber em que tipo de relações se encontram. Não vamos às escolas com uma atitude moralista, cabe às pessoas terem um papel proativo no combate à violência no namoro, espera-se que elas sejam também veículos de informação e contagiem as pessoas à volta delas.
Como têm sido as reações a este projeto?
Têm sido incríveis. Sendo um tema tão delicado, não se espera que as pessoas venham partilhar abertamente as histórias da vida delas. Temos os professores a partilharem connosco histórias que acontecem nas escolas, sobretudo daqueles que se encontram na posição de vítima. Estamos a agir num momento da vida deles que é super importante para o crescimento.
A violência doméstica é um dos maiores flagelos do nosso país. Todos os dias temos conhecimento de novos casos. É nestes primeiros namoros que o problema nasce?
A forma como vivemos as primeiras relações acaba por influenciar as relações seguintes, todos os traumas e consequências que vêm do passado acabam por refletir-se nas relações seguintes. É isso que queremos construir, mostrar às pessoas que nem todos os relacionamentos são iguais. O problema maior está na Internet, temos as redes sociais como uma nova ferramenta para as relações abusivas. Pretendemos alertar para que preservem a privacidade.
Ainda se faz pouco em Portugal para combater este problema?
É preciso ter uma atitude pedagógica em relação a isto, falar com as pessoas e desconstruir as relações para perceber por que razão estas coisas acontecem. Sabemos que muitas destas coisas acontecem com os adolescentes, por exemplo, porque eles têm pais que também fazem isto. O exemplo que têm de relação é um exemplo abusivo, acabam por replicar essas coisas. Tem de ser um esforço conjunto de professores, atores, cantores e políticos, todos têm de se envolver.