Joana Guerreiro ainda tirou o curso de Recursos Humanos, mas a falta de trabalho empurrou-a para a aviação civil. Primeiro como hospedeira, mas o sabor a pouco levou-a a fazer o brevê ao fim de seis meses de já estar em funções. Hoje, com 40 anos, esta mãe de dois filhos é comandante de médio curso na TAP há nove meses e depois de 12 anos a co-pilotar. Uma mulher numa profissão dominada por homens, afinal, conta ao Delas.pt, “somos à volta de 60 mulheres em 1300 comandantes e co-pilotos e dessas nove são comandantes”.
Do outro lado da barricada, José Bagulho, com 52 anos, orgulha-se por, finalmente, ter uma casa de banho masculina na EB1 Jardim de Infância de Porto Salvo. Com mais de 30 anos de carreira, este pai de dois filhos – e já avô – e diz que foi uma conquista rara após três décadas de trabalho, embora seja “um dos dois homens de um total de 30 a 40 professores” naquele estabelecimento de ensino.
Juntos, Joana e José são agora os rostos da campanha da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) que quer assinalar o dia da Trabalhora e do Trabalhador, evocado a 1 de maio, mostrando que as profissões são para todas as pessoas e não para géneros específicos.
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A estranheza do primeiro embate
“Noto que as pessoas olham com estranheza quando, ao entrar para o avião, veem uma mulher no cockpit”, ri.-se Joana, enquanto lembra que as maiores conquistas femininas nestes voos tipicamente masculinos começaram a ser feitas há mais de duas décadas, pelo que hoje a luta não se faz sentir com a mesma intensidade. Mas ainda hoje repara que, socialmente, há margem para evoluir: “Quando acabam o voo, as pessoas têm um sorriso simpático e vêm dizer que correu bem, como se a expectativa fosse baixa”, refere.
José Bagulho já sabe que o arranque de todos os anos letivos se fazem acompanhar de surpresas contidas. “Da parte das crianças, não noto que elas me olhem de forma diferente”, conta. “Da parte dos pais, há muitas vezes alguma estranheza”. “Sei que quando vão à primeira reunião esperam uma Manuela, uma Conceição ou uma Rosário e levam com um José à frente e não estão nada habituados”, diz, bem disposto.
“Sei que os pais, quando vão à primeira reunião, esperam uma Manuela, uma Conceição ou uma Rosário e levam com um José à frente”, analisa o educador de infância
Ainda hoje, passados 30 anos a trabalhar em jardins de infância e há quatro a lidar diretamente com os meninos e meninas com idades entre os 3 e os 5 anos, Bagulhorevela que, nos primeiros encontros com os progenitores, “tem de puxar dos galões para mostrar que é igualmente carinhoso, atencioso”. “Tenho de dizer que não sou maternal. Afinal, sou um homem, só posso ser paternal”, brinca.
O decurso do ano acaba por jogar a favor deste educador de infância. “Só na última reunião, quando fazemos o balanço, é que os pais revelam que ficaram inicialmente um pouco apreensivos, mas que depois ficou tudo bem”.
Mas se os progenitores olham, inicialmente, com desconfiança, os pares de José têm atitude diferente. “Os colegas observam-me com curiosidade e expectativa elevadas, o que me obriga sempre a superar-me. Tudo o que faço é normalmente muito visto e notado e só tenho a hipótese de ser bom profissional”, explica. Joana Guerreiro, por seu lado, já não sente que esta observação dos colegas está vencida.
O que reivindicam?
“Há trabalho a fazer pela sociedade no que diz respeito à forma como olham para nós”, pede Bagulho, que lembra que a política tem de vencer esta desigualdade. “Falamos da necessidade de haver uma maior paridade ao contrário do que tem sido habitual e não tem havido coragem política para o fazer”, revela. Afinal, questiona-se: “porque hão de as crianças crescer apenas com opiniões, testemunhos femininos, não havendo contributos masculinos ao barulho?” Para este educador de infância, a “paridade no de género no ensino é uma necessidade”.
Na aviação, explica Joana Guerreiro, as maiores tempestades de género estão ultrapassadas. “Não noto diferenciação na aviação. Se olharmos para as assistentes de bordo, já não é um trabalho feminino, há cada vez mais homens a integrar as tripulações. As diferenças esbateram-se”.
“Eu já entrei para a profissão como piloto e não como uma mulher-piloto”, diz Joana Guerreiro
Agora, como a própria comandante refere, nem sempre foi assim. “As lutas femininas neste setor foram travadas muito antes de eu entrar para a aviação. Sei que as primeiras mulheres que entraram para a Força Aérea e para a aviação civil passaram um mau bocado, entraram num mundo que não era o delas e tiveram de provar muito. Eu já entrei para a profissão como piloto e não como uma mulher-piloto”, justifica. A sua maior questão, da qual nem sequer se queixa, passa pelos turnos e pela correspondente conciliação de horários com a família e, em particular, o marido, que é controlador de tráfego aéreo.
O exemplo em casa
Tanto Joana como José acabaram por ter profissões que a sociedade tem vindo a indicar como inesperadas para o seu género, mas as suas escolhas há muito que denunciavam o contexto familiar o qual cresceram. No caso da comandante da TAP, embora pilotar não fosse um sonho, certo é que o pai, que foi piloto particular, chegou a sugerir-lhe isso mesmo – sem que, à data, Joana tivesse prestado muita atenção. “Ele chegou a falar-me nisso quando eu não imaginava essa possibilidade, e não liguei muito. Ele era piloto particular e chegou a levar-me a dar umas voltinhas de avião em pequenina. Na altura não senti nenhum chamamento, depois é que senti mais”, recorda.
Apesar de a mãe de José ser professora primária, ele sabia apenas que o seu futuro passaria, como o próprio conta, “por ter uma profissão ligada a pessoas”. Foi uma experiência bem-sucedida na colónia de férias O Século, aos 20 anos, que o encaminhou para os estudos na Escola Superior de Educação João de Deus, onde seria o único rapaz em 100 alunos. “Aí sim, nem casas de banho, nem vestiários, não havia nada para rapazes”, conta.
Hoje, José acredita que o “preconceito social” já está “diferente”, ainda que haja “muito para fazer e lutar pela questão da paridade”. “Quando digo que sou educador de infância é quase como dizer que sou astronauta, sou o cromo da caderneta. E fico todo contente quando encontro um igual a mim”, ri-se
Imagem de destaque: DR
A igualdade de género faz bem às empresas. Não acredita? Veja o vídeo