“Os direitos das mulheres foram pouco mais do que notas de rodapé”

JM2
Joanna Maycock [Fotografia: European Women's Lobby]

Atira-se à austeridade e às políticas que não chegam a ter uma implementação prática como dois dos maiores agentes que mais têm feito recuar as mulheres acesso às estruturas de decisão e igualdade de género no Europa.

Joanna Maycock está há mais de 20 anos a lutar pelos direitos das mulheres e voltou a fazê-lo em semana do Dia Internacional da Mulher, que se assinalou esta sexta-feira, 8 de março, e durante o seminário O Poder das Mulheres na Política, que decorreu em Bruxelas.

Secretária-geral da European Women’s Lobby, entidade que junta mais de duas mil o organizações no espaço europeu e que pugna pelos direitos femininos no continente, esta responsável, que já ganhou o título de uma das mulheres mais influentes atribuído pelo conceituado site de informação Politico, falou ao Delas.pt e lembrou o que está por fazer no Parlamento Europeu, em vésperas de novas eleições.

Maycock, cuja instituição que lidera conta com a coordenação em Portugal através da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, fala em “desilusão” pelo pouco trabalho feito nos corredores de Estrasburgo e Bruxelas e diz que “a Europa não tem levado as mulheres a sério”.

Quando vemos estatísticas que apontam para o facto de apenas 1/3 das mulheres poder vir a votar e nas próximas eleições europeias, que em Portugal decorrem a 26 de maio, o que é que não está ser feito para que elas votem?

Se queremos que as mulheres votem na Europa, então temos de perguntar que pode a Europa fazer por elas, garantindo que os partidos vão explicar isso mesmo nas suas campanhas políticas. Contar a história da Europa, falar da sua construção pode ser uma narrativa muito tocante, e esse é o trabalho dos políticos e dos partidos. E têm de dizer isso às mulheres todos os dias.

Dizer o quê em concreto?

Devem explicar como legislar para apoiar as famílias que trabalham, fazer leis para impedir que os países voltem a atravessar um período de uma austeridade brutal. É falar sobre o clima, a segurança alimentar. Tudo isto são temas muito sérios, muito significativos e que fazem parte das grandes preocupações das mulheres. Temos de falar de histórias, usar linguagens e formatos que devem envolver as pessoas, que tragam candidatas femininas mais novas É importante que o formato da conversa política também mude e se torne mais segura.

“Temos de fazer leis para impedir que os países voltem a atravessar um período de uma austeridade brutal”

Mais segura?

Preocupa-me em especial a linguagem que promove a violência online no debate político, por exemplo. Depois, é importante pôr as pessoas reais e os seus problemas do quotidiano no centro de uma narrativa, Queremos uma Europa que cuide de todos e que se preocupe com outros temas, aqueles que já referi acima. Queremos mulheres livres de violência, e queremos que isso aconteça neste edifício e nas ruas, aí fora.

A Europa acabou de aprovar uma resolução que luta conta a regressão dos direitos das mulheres na Europa, mas a votação deixou de fora, entre outras matérias, a conciliação trabalho-família. Depois, temos a questão do assédio no Parlamento Europeu, com iniciativas com poucos aderentes. Entretanto, querem também que as mulheres votem. Que sinais são estes que, na verdade, estão a ser dados às mulheres?

Pois. As instituições são o Parlamento Europeu, é a Comissão Europeia, são também os estados-membros, …

Vera Jourová diz que hoje há “ambiente” de denúncia e apoio a vítimas de assédio

Não estão a ser hipócritas com as mulheres?

Sim, os deputados não estão a levar as mulheres devidamente a sério. Todos os locais, todas as instituições têm de tomar medidas sérias contra o assédio, o racismo, o sexismo. Já agora, isso já está na lei. Mas são precisos protocolos mesmo muito claros para a proteção de vítimas de violação e que definam consequências claras. Assim como o treino nas sessões de formação contra o assédio. A participação é muito importante e deveria ser obrigatório.

“Os eurodeputados não estão a levar as mulheres devidamente a sério”

Com as sanções?

Inclusivamente com prejuízos para as carreiras de quem não o fizesse. Como por exemplo, ser impedido de aceder a determinados cargos. Este tipo de medidas o #EUMeToo tem feito um ótimo trabalho.

No que diz respeito aos direitos das Mulheres, como olha para este Parlamento Europeu que está de saída para novas eleições?

Sobre os últimos cinco anos deste Parlamento Europeu? Estamos muito desapontadas porque, neste ciclo de vida político, os direitos das mulheres foram pouco mais do que notas de rodapé. Queremos estar no centro e cremos que as medidas que possam vir a ser tomadas a pensar nisso serão boas para a economia e para a sociedade.

Quais são os perigos disso?

As mulheres têm de se erguer e lutar contra o populismo, contra a extrema-direita, E se não são levadas a sério, podem vir as seguir esses caminhos. O exemplo da conciliação é para nós matéria que gira em torno do cuidado. Há países que, desde os anos 90, não mexem nos cuidados com as crianças, E sabemos que, quando a austeridade se impôs na Europa e em muitos países, o cuidado foi a primeira premissa a desaparecer.

Mulheres: “Não podemos ser hipócritas, temos de ir além da letra” na Europa

Áreas em que há predomínio de mulheres.

A esse exemplo juntam-se o volume de horas de trabalho, o desemprego por via da austeridade. Hoje, sabemos que 80% dos cortes na despesa pública e impostos por via da austeridade atingiu diretamente as mulheres nos últimos nove anos, um valor que entrou diretamente nos bolsos das mulheres.

“80% dos cortes na despesa pública e impostos por via da austeridade atingiu diretamente as mulheres nos últimos nove anos”

4/5 dos cortes mexeram diretamente com os bolsos das mulheres?

Nós achávamos que tinha sido de 70%, mas o parlamento britânico fez uma recensão total e subiu para 80%. Portanto, temos de reverter e mudar o rumo no que diz respeito à austeridade. E imediatamente. E temos de pôr em marcha e no coração do sistema económico as necessidades das pessoas reais através de orçamentos, impostos, despesas e políticas públicas que olhem para isso. Elas são, por exemplo, a maioria entre as populações mais envelhecidas, com necessidades e preocupações muito específicas. Elas predominam na pobreza, as mais jovens não conseguem encontrar trabalhos. E os lideres políticos, partidários, sindicais, empresas devem olhar mais cuidadosamente para esta realidade.

E o que podem fazer as mulheres?

Sabemos que elas mais facilmente votarão em políticas que olhem para e pelos seus direitos, que olhem para a questão dos cuidados, para a igualdade. Mas como é que os partidos políticos estão a enquadrar estas matérias? É ai que está diferença. Temos de ter, claro, mais mulheres a apoiar mulheres. Se as conseguirmos envolver, motivar, levá-las a contar as suas histórias,… Há aqui depois uma outra questão, o tempo. As mulheres não têm tempo suficiente – e as estatísticas provam isso. Elas não têm tempo para votar, para se inscreverem, para irem para a rua. Se trabalha, tem três filhos e a mãe partiu o braço… como dá?

Estes são os temas que as mulheres mais querem ver debatidos nas Europeias

Que reivindicações têm os vários tipos de mulheres que integram o Lobby Europeu de Mulheres?

As nossas reivindicações resultam do coletivo. As mulheres mais velhas estão mais interessadas em temas como as pensões. As mais novas querem saber especialmente da violência, do emprego, claro, da violência sexual e dos direitos reprodutivos. As mulheres com filhos procuram cuidados familiares.

E a estrutura acomoda toda essa diversidade?

Sim.

Que tipo de reações tem a organização recebido dos homens?

Não pedimos desculpa por sermos uma organização só de mulheres.

Mas têm de debater com eles.

Precisamos de ir buscar o nosso espaço, precisamos de estar todas juntas. Temos necessidades claras, incluindo a presença em partidos políticos, em estruturas de mulheres.

Tem notado barreiras?

Há cada vez mais homens interessados nos direitos das Mulheres. Tenho visto de forma muito vívida que este movimento #MeToo foi um enorme gatilho para o início da conversa entre homens e mulheres, mas também entre os homens e entre as mulheres. Passaram a falar como se viam uns aos outros. E creio que tem sido muito chocante para eles ver a escala, a extensão deste problema e o impacto que o sexismo e o assédio sexual têm nas mulheres. Elas perceberam também o quão estrutural esta questão é. Vejo cada vez mais homens a olharem para esses temas com olhos de ver e a quererem falar sobre isso. Claro que temos homens e mulheres que discordam de nós. Mas também temos cada vez mais homens a dizerem-se feministas, a puxarem por estes temas e por estas agendas pelos direitos das mulheres.

Têm em marcha a campanha 50/50, que quer mais mulheres a candidatarem-se às eleições. Defendem também a escolha de uma candidata à presidência da Comissão Europeia. Vão apoiar alguém?

Não. Defendemos é que essa escolha deve acontecer, mas a forma como se vai chegar lá – e esta é também a posição do Parlamento Europeu – passa por cada estado-membro propor dois candidatos: um homem e uma mulher. Assim, quando a presidente for eleita, ela possa escolher uma comissão que seja igualitária. Com mais alcance, mais equilíbrio (sorriso).

Imagem de destaque: DR

“O Parlamento Europeu tem ligeiramente menos regras contra o assédio”