Jogos Olímpicos: não há vírus que destrua o sonho destas atletas

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A pouco mais de um mês do início dos Jogos Olímpicos, os números nos relógios das contagens decrescente de comités e federações começam a diminuir, mas em compensação a ansiedade dos atletas aumenta na mesma proporção. Este ano, porém, há outro motivo a contribuir para esse estado de nervos pré-competição. As Olimpíadas realizam-se no Rio de Janeiro, no Brasil, um dos países com mais casos reportados de vírus zika, que, entre outros problemas, provoca malformações nos fetos e bebés recém-nascidos, em especial a microcefalia.

Por essa razão, as mulheres grávidas ou em idade fértil que pretendam engravidar são desaconselhadas, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de viajar para países ou regiões onde existam surtos do vírus. São, de resto, o único grupo a quem é recomendada essa medida de prevenção, dado que a entidade continua a manter a posição de que o risco do vírus se propagar noutras regiões do globo por causa das Olimpíadas, que arrancam a 5 de agosto, é “muito baixo”.

No caso das atletas femininas que participam nesta edição do evento, dificilmente se aplicará a primeira situação, mas o mesmo não se poderá dizer da segunda. “Tenho colegas de seleção que vão aos Jogos Olímpicos e que querem muito ser mães depois”, conta ao Delas, Jéssica Augusto. A maratonista é uma das 26 atletas femininas a qualificar-se, num universo de 86 atletas, para ir ao Rio de Janeiro, embora o número final da delegação portuguesa ainda não esteja fechado. Segundo o Comité Olímpico Português (COP), o número total de mulheres a participar nestes Jogos não será muito diferente dos de Londres, em 2012, que juntaram 4776 atletas femininas de todo o mundo. “Ainda decorrem apuramentos, mas deverá ser semelhante ao de há quatro anos, perto de 5000 em quase 11.000 atletas”, avança o chefe da missão portuguesa, José Garcia.


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Até ao momento nenhum manifestou diretamente ao COP receio ou mesmo vontade de desistir de participar no Rio2016 devido ao vírus zika. Nem a questão foi colocada diretamente aos atletas pela organização, ao contrário do que aconteceu em alguns comités olímpicos estrangeiros. “Nenhum atleta é obrigado a participar nos Jogos Olímpicos e pode optar por não o fazer, quaisquer que sejam os motivos apresentados”, sublinha José Garcia.

E razão parece ser simples. Depois de anos de sacrifício e trabalho árduo para poder participar naquela que é a prova principal da carreira de um atleta, enfrenta-se qualquer risco. Jéssica Augusto admite que chegou a passar-lhe pela cabeça “se valia a pena ir, porque podia vir de lá doente”. “Mas depois também pensei: ‘andei quatro anos a sonhar com isto’. Nunca iria abdicar dos Jogos Olímpicos, porque apanhar o vírus é algo que pode ou não acontecer”, acrescenta.

Mesmo afastada desta edição dos Jogos Olímpicos, Naide Gomes consegue entender o dilema das suas colegas. Mãe há poucos meses, reconhece que se sentiria preocupada com o facto de poder vir a ser infetada pelo vírus e para a si a decisão não seria fácil, mas é quase certo que a opção final seria ir. “Num atleta é a paixão por aquilo que faz que o move, mesmo não tendo hipótese de ganhar uma medalha, porque muitos que vão não têm sequer a possibilidade de chegar a uma medalha”, lembra. A ex-atleta acredita que essa será também a decisão das suas colegas, dando o seu percurso como exemplo. “Os Jogos realizam-se de quatro em quatro anos e em quatro anos nunca se sabe o que acontece. A minha história fala por si: lesionei-me e quatro anos depois não consegui, por isso é que são oportunidades únicas.” Esta edição tem ainda a particularidade ser a primeira num país de expressão portuguesa e mesmo com os problemas relacionados com o vírus zika, e também com a situação social que se vive no país, Naide Gomes acredita que será especial para os portugueses.

Ana Rente ainda não é mãe e mesmo que estivesse a pensar em sê-lo nos próximos tempos isso não iria impedir de competir. A ginasta de trampolins, que é também médica, afirma que “nunca ponderaria não participar nos Jogos Olímpicos”, apesar de não ser uma estreante na competição. “Estes serão os meus terceiros Jogos e é uma experiência única. Das duas vezes que fui, as duas foram diferentes. E acho que esta ainda vai ser mais diferente pela positiva.”


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Mesmo assim, a atleta está atenta à informação que vai sendo disponibilizada pela OMS, o COP e Direção-Geral de Saúde, não só para se proteger no imediato, como para evitar vir a condicionar as suas opções pessoais. “Também existe um método de rastreio em que podemos perceber se houve contágio ou não e será a partir daí que tomarei algumas decisões acerca da minha vida.” Adiar a maternidade por causa dessa participação seria, portanto, uma solução a tomar apenas “em último caso”. “Se tivesse sido contagiada, picada pelo vetor [mosquito]… Mas isso é estar a especular uma coisa que não se sabe se irá acontecer.”

Ter filhos não está no horizonte próximo de Jéssica Augusto. Ainda assim, a maratonista não esconde alguma preocupação, caso o desejo surja no futuro. “Não estou a pensar engravidar, porque fui mãe há pouco tempo. Por outro lado, temos sempre aquele receio de engravidar nos próximos tempos, mas se calhar daqui a dois anos já queremos. Será que nessa altura já estamos protegidas? Temos várias dúvidas e acho que temos pouca informação sobre isso”, afirma a atleta.

Adiar a gravidez até quando?
O tempo que uma mulher que viajou para um dos países com epidemia ou surto de zika deve esperar até poder engravidar sem riscos não é consensual. Cada autoridade local faz a sua recomendação. Se no Brasil, onde desde outubro de 2015 foram confirmados 1616 casos de bebés com microcefalia associada ao vírus, foi pedido às mulheres que adiassem engravidar, se pudessem, noutros países as autoridades de saúde sugeriram que esperassem meses, até um ano, como na Jamaica, ou até dois, como em El Salvador.
Já a Organização Mundial de Saúde desmarca-se da definição de um limite temporal, como sublinhou ao Delas.pt, a diretora para as Doenças Transmissíveis da Organização Mundial da Saúde Europa, Nedret Emiroglu.

“O que a OMS recomenda é que as grávidas não viajem para áreas afetadas pelo vírus zika, mas não recomendámos nenhum adiamento da gravidez”, afirmou à margem da conferência de imprensa que decorreu na passada quarta-feira, na sede da DGS, em Lisboa.

O encontro com os jornalistas precedeu uma reunião técnica de três dias, que trouxe a Portugal 80 especialistas, de 22 países, apara avaliar os riscos e as respostas que os países podem e devem dar na prevenção e combate ao vírus. A Madeira é uma das poucas zonas de risco elevado na Europa – onde, no geral, o risco é “baixo a moderado” – devido à prevalência de populações de Aedes aegypti , o mosquito transmissor do zika, e também da dengue.

Embora os cerca de 800 casos, registados na Europa, de pessoas infetadas com zika tenham sido importados, a OMS não vê os Jogos Olímpicos como uma ameaça à sua propagação, não só por ser inverno no Brasil, e por isso se esperar uma redução da densidade da população de mosquitos e da transmissão através dela, mas também porque “apenas 1% dos viajantes internacionais estão relacionados com as Olimpíadas”. “Essas viagens já estão a acontecer e não vimos grandes implicações dessas viagens até agora. A conclusão a que chegámos é que não houve um aumento do risco. Exceto para as mulheres grávidas”, diz a responsável da organização, que tem trabalhado diretamente com o Ministério da Saúde brasileiro e as autoridades do Rio.

As recomendações para as atletas são, por isso, as mesmas que para qualquer outro viajante. “Serem cautelosas, usarem roupas claras, se possível cobrindo o corpo todo, repelente, evitar os sítios onde a transmissão pelos mosquitos possa ser mais elevada e se sentirem alguns sintomas de zika, como a febre, contactar de imediato as autoridades de saúde locais.”

No site da DGS está disponível uma lista de recomendações detalhadas para viajantes e grávidas.

Dúvidas por esclarecer
Por muita informação que exista sobre o zika, nem sempre é fácil fazer a triagem do que é ou não fidedigno. Mesmo com a divulgação de algumas medidas gerais para prevenir o contágio durante a estada no Brasil, Jéssica Augusto considera que os atletas ainda não sabem muito sobre como devem agir e que procedimentos concretos deverão seguir no Rio de Janeiro.

Mas há outras questões que aguardam resposta. “Nós, atletas, falamos entre nós, e alguns têm também a dúvida se afinal é mais perigoso no homem ou na mulher, se o homem pode transmitir o vírus à mulher”, conta.

Apesar de a transmissão ocorrer maioritariamente pela picada do mosquito infetado e de poder passar da mãe para o bebé, durante a gravidez ou no parto, ela também pode acontecer por via sexual e ser o homem a transmiti-la à mulher, se houver presença do vírus no sémen.

Talvez isso explique a dúvida e por que Jéssica Augusto recorda o caso de Greg Rutherford, lido num artigo que encontrou durante a sua procura de informação. Medalha de ouro no salto em comprimento há quatro anos, o britânico não quis arriscar e decidiu congelar esperma antes de viajar para o Rio de Janeiro.

A preocupação com o zika está sempre presente na mente dos atletas, em geral, e não apenas das atletas femininas. Mas é preciso fazer um esforço para que não seja o centro da sua atenção, afinal estão em vésperas de enfrentar a competição maior das suas carreiras. “Tento não pensar muito sobre isso, o mais importante é focar-me na minha preparação e na realização da minha prova”, refere Ana Rente, que confia nas indicações fornecidas até à data pelo COP e pelas autoridades de saúde e que se congratula com o facto de estar prevista uma consulta do viajante onde os atletas poderão colocar dúvidas sobre o assunto.

O Comité Olímpico Português garante estar em contacto com a DGS e a “seguir atentamente” todas as recomendações da OMS e do Comité Olímpico Internacional sobre esta matéria.

“Todas estas recomendações têm sido transmitidas aos nossos atletas que não manifestaram qualquer preocupação de maior sobre o tema nem levantaram quaisquer questões”, assegura José Garcia.

Para dia 13 de julho está marcada uma reunião entre a Direção-Geral de Saúde e a missão portuguesa que vai aos Jogos Olímpicos. Uma oportunidade para os atletas esclarecerem a suas dúvidas e poderem tomar uma decisão informada que, como sublinha Ana Rente, acabará por ser sempre pessoal.