Sara Mota Carmo: “Eu sei que o 10.º lugar é um grande desafio, mas é o objetivo para mim”

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Cascais-12/04/2016- Velejadora olímpica Sara Carmo,fotografada no Clube Naval de Cascais. (Paulo Spranger/Global Imagens)

Sara Mota Carmo é a única portuguesa apurada para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro na categoria Laser Radial, isto é, em barco à vela individual. Aos 29 anos, acaba de regressar a esta classe e em 3 meses conseguir a classificação necessária. Será um feito mais do que extraordinário? A atleta treina desde os 7 anos e ainda hoje sente prazer no em sair para o mar. Apoiada pelo Comité Olímpico Português, pela Federação de Vela, e patrocinada pela Rockport, o Clube Naval de Cascais, a Câmara Municipal de Cascais e a OZ Energia, consegue estar 100% dedicada ao projeto olímpico e tem expectativas elevadas.

Vai aos Jogos Olímpicos 2016. O processo para lá chegar não foi fácil, pois não?

É um bocadinho difícil de falar, porque estou nesta classe há muito pouco tempo, outra vez. Eu tinha participado em Londres neste barco Laser Radial, mas depois mudei para um barco duplo com outra rapariga que é o barco de 470. Fiz 2013, 2014 e 2015 no barco para tentar a qualificação para os jogos do Rio. Infelizmente, depois em novembro de 2015 separámo-nos, não continuamos com o projeto. Então foi aí nessa fase que decidimos novamente tentar o Laser Radial, que tinha sido o barco onde eu tinha estado em Londres, que é individual.

E apesar do curto tempo para se preparar conseguiu já a qualificação?

Sim, consegui preparar-me em tempo recorde. Foram três meses até março, em março foi o apuramento e felizmente estava tudo alinhado e consegui o apuramento para o Rio.

Como é que funciona o apuramento para os Jogos Olímpicos nesta classe?

Nesta classe, na vela, há 33 países participantes, em todo o mundo, que têm possibilidade de participar e nós conseguimos 50%. As primeiras vagas foram em 2014, depois 25% em 2015 no mundial da classe e depois agora em 2016 para todos continentes. Eu consegui a vaga, no continente europeu.

Há um mínimo olímpico para ir aos Olímpicos?

Sim, eu acho que eu considero que há, porque agora nesta última qualificação estavam 16 países europeus para se tentarem qualificar e conseguirem a vaga para o país. Eu consegui a vaga para Portugal.

Qual foi a marca que fez?

Acabei em 13º numa prova internacional em 84 participantes.

Aqui os tempos são cronometrados ao segundo também como no atletismo ou é diferente?

Não. Aqui é diferente, é por classificação em relação aos outros barcos. Temos sempre o fator vento, que não depende de nós e que não conseguimos controlar os tempos, é sempre bastante variável, mas a nossa referência são os outros barcos.

Nesta classe todos os barcos são iguais, portanto não há desculpas, é mesmo uma questão de capacidades do atleta?

Sim. É um barco muito focado para o atleta para a exigência física para a técnica também, porque há um único fabricante que é o Laser, a marca Laser e todos os barcos à partida são iguais. Não há afinações, como pode haver noutros barcos.

E há critérios que tornam a prestação mais eficaz, como o peso?
Exatamente. É um barco muito físico, em que a componente física tem uma vertente eu diria de 50% . O peso ideal para se ter um rendimento máximo tem de estar entre 68 e 72 quilos. O que para uma mulher é um peso bastante elevado e temos que também que por a componente do músculo porque não pode…

Não pode ser matéria gorda…

Exato! Tem de ser peso, mas peso funcional, peso ativo.

Como é que se prepara porque há a componente da performance do barco, mas também há a componente da preparação física não é?

Eu desde dezembro até esta fase para mim foi um ponto primordial porque o outro barco era muito menos físico e estive a trabalhar muito agora nessa componente estes meses aumentando bastante a massa muscular e tendo já aumentado 5 quilos desde que deixei em dezembro o 470 e comecei agora para o laser radial.

É uma mulher com as preocupações com o peso são ao contrário do habitual?

Sim, exato. Temos de deixar essa componente feminina de lado e focarmos-nos um bocadinho no rendimento. Claro que o peso tem de ser de qualidade, claro que a massa gorda tem que ser posta de lado. O nosso pensamento é mais pelo rendimento e não pela parte estética.

Isso incomoda-a?
Já me chateou mais. Hoje em dia já estou confortável com isso, porque sei que o peso mais fácil de perder é o peso de massa muscular. Já tive a prova quando deixei Londres eu diminui de peso em 3 meses. Estava praticamente com menos 5 quilos.

E isso porquê? Por deixar de fazer reforço muscular no ginásio?

Sim. Exatamente. O meu treino físico também se adapta para em vez de estar a ser aumento de massa muscular, ir para resistência e diminuição e o meu corpo adaptou-se bastante bem.

Como é que são as suas rotinas? Agora nesta preparação para os Jogos Olímpicos, como é que são as suas rotinas?

Faço dois tipos de trabalho: trabalho de ginásio e trabalho de mar. E até aos Jogos vou ter também uma prova internacional todos os meses, que também tem uma componente muito importante que é onde vou aferir a minha evolução.

Cascais-12/04/2016- Velejadora olímpica Sara Carmo,fotografada no Clube Naval de Cascais. (Paulo Spranger/Global Imagens)
Velejadora olímpica Sara Carmo, fotografada no Clube Naval de Cascais. (Paulo Spranger/Global Imagens)

A Sara às vezes também treina com amigas que são atletas internacionais? Explique-nos porquê.
Porque é um barco individual e acaba também por ser um barco muito solitário não é? O ideal seria ter uma equipa de mais do que um barco que em Portugal com a que pudéssemos desenvolver o trabalho em conjunto para depois obtermos o máximo rendimento lá fora, mas acontece que o nível nunca é o desejado. Então temos de recorrer às nossas parceiras internacionais, digamos assim, para elevar o nosso nível também. E aí o espírito é um espírito amigo, porque sabemos que precisamos umas das outras. Apesar depois de sermos rivais na regata como também temos o fator do vento, em que acaba por ser também um bocadinho uma estratégia. Sabemos que a que ganha acaba por ser a melhor, porque apesar de treinarmos juntas depois é bom para todas. Depois o vento faz o resto do trabalho e de decidir quem é a melhor.

E ficam contentes quando ganha a outra?

Depende de…

Da outra?

Sim. Depende… Nós quando treinamos é com um número um restrito de pessoas. Nunca treinamos mais de três ou quatro barcos juntos. Agora, por exemplo, para o apuramento europeu, fiz questão de treinar com países que já estavam classificados para os jogos, porque sabia que a rivalidade não ia ser tão direta e acabava por salvaguardar um bocadinho o nervosismo, aquela ânsia de estar lá a ver andar, ou aquela competição ainda desnecessária nos treinos.

Esta é a segunda vez que a Sara vai aos Jogos… Há uma responsabilidade maior quando se vai representantes de um país aos Jogos Olímpicos? É diferente de fazer regatas, mesmo quando são de campeonatos internacionais?

Sim. É uma regata mais emocionante, porque está toda a gente mais expectante. Dá toda a gente uma importância maior e isso pronto acaba por sobrecarregar um bocadinho, mas depois na altura de estar dentro da água é a estratégia da regata e na cabeça é mais uma regata. É vista como mais uma regata. Antes o nervosismo pode ser um bocadinho maior, mas depois na altura de estar dentro de água é mais uma regata.

A Sara começou na vela quando tinha 7 anos. Já pensava na altura em ir aos Jogos Olímpicos?

O meu irmão, eu tenho um irmão mais velho, que foi quem começou primeiro a fazer vela. Eu acompanhava os treinos dele e comecei nos Optimist a fazer escolas de vela – é o mais básico dos básicos. É o primeiro passo e depois aí comecei a gostar, mas a evolução foi sendo gradual. Os objetivos dos Jogos Olímpicos começaram a aparecer quando comecei a pensar que se calhar era possível. Quando já tinha obtido resultados como: campeã nacional e a nível internacional também 10ª europeia num campeonato de juniores, 8ª europeia também num campeonato de juniores e pronto também aí então o bichinho começou a crescer e a expectativa.

E começou… Nessa altura tinha que idade? Começou a ser um projeto profissional? Podemos falar assim?

Sim. Portanto, quando era, foi nos 17/18 anos que foram os meus dois últimos anos de júnior, em que treinei com uma velejadora, Joana Pratas, que era uma velejadora olímpica na altura. Comecei a fazer alguns treinos, em conjunto, com ela. Em que comecei também a ambicionar um bocadinho mais. Depois o salto entre os juniores e os seniores é muito grande. É precioso realmente tornar-se mais profissional. Ou já encarar a vela como um desporto profissional. Depois lembro-me que na altura entrei na faculdade também e então balancei um bocadinho dependendo dos anos do apuramento, porque havia anos que eram anos cruciais. Em que ia ter o apuramento olímpico e então aí focava-me um mais na vela e deixava a faculdade um bocadinho de parte. Fui sempre contrabalançando um bocadinho as duas coisas e pronto. O objetivo surgiu, depois foi concluído em Londres 2012.

A Sara fez a licenciatura em arquitetura?

Saim, na Faculdade de Arquitetura, na Universidade Técnica de Lisboa.

Porque é que os atletas são tão bons alunos?

Eu acho que é o método, nós apuramos muito a disciplina e o método e o foco também. Isso ajuda-nos a organizar muito bem o nosso tempo. Apesar depois do cansaço dos treinos não nos deixar tanta cabeça digamos assim, para memorizar, ou estudar, ou trabalhar, ou fazer trabalhos.

Chegou exercer a arquitetura? Isso é um plano mais para a frente ou é uma coisa que também vai fazendo conforme fez a escola, cumulativamente?

Sim. Eu por exemplo fui a Londres em 2012 e acabei o curso em março de 2013, entregando a tese em 2013. Esta última fase que era a da tese deixei para depois dos Jogos Olímpicos, porque é preciso definir prioridades e às tantas não dá para tudo. Tenho hoje em dia alguns trabalhos na área da arquitetura, mas trabalhos como freelancer, porque tenho trabalhos de pessoas amigas ou familiares que me encarregam e posso ir também fazendo algumas coisas.

Agora está 100% dedicada à vela?

Sim, agora estes próximos meses sim.

E é possível viver como atleta profissional de vela?

Por curtos períodos de tempo acho que sim. Acho que é muito uma realização pessoal, acho que por isso ainda mais….

Há uma componente de prazer que ainda subsiste neste trabalho que a Sara tem?

Sim, sim. Ainda há uma componente ainda de realização pessoal de prazer, porque é um desafio. Eu vejo isto como um desafio. Há alturas em que estamos mais motivados do que outras e o nosso desporto é um desporto muito de condicionares também climáticas. Isto é, tanto podemos fazer vela num sitio de sol, com bom tempo, boa temperatura como podemos fazer regatas no norte da Europa a chover, com frio; em que não apetece ir para dentro de agua, mas isto depois acaba por ser um bocadinho um desafio. Agarramos no prazer noutras coisa, no desafio de ultrapassar a outra concorrente, no desafio de apanhar a onda, no desafio de ficar à frente pronto. Isso é depois o que acaba por motivar um bocadinho.

E no final de uma regata o que é que se sente? Quando a regata é difícil e quando as condições atmosféricas são as que refere como chuva e vento, quando se consegue ultrapassar isso e ter uma boa posição, o que é que se sente?

Sente-se que quando demos o melhor e conseguimos evoluir ou fazer as coisas bem ou pelo menos fazer as coisas melhor do que na regata anterior sente-se imensa satisfação, porque sentimos que estamos mais maduros, que estamos mais profissionais ou mais no topo da evolução

As expectativas realistas para os Jogos Olímpicos quais são? Que lugar acha que pode conseguir?

Eu estive 3 anos sem competir nesta classe e agora na última competição fiquei em 13º portanto numa prova internacional, que foi muito bom. Vão estar 33 participantes nos Jogos Olímpicos, 33 países, e eu sei que o 10 .º lugar é um grande desafio, mas é o grande objetivo para mim.