Jornalistas da bola comentam plano polémico da adepta e “sexismo” de Jesus

Têm entre 34 e 43 anos e são, há muitos anos, os rostos da informação desportiva dos principais canais televisivos. Ao Delas.pt, Rosa Oliveira Pinto, da SIC Notícias, Inês Gonçalves, da RTP, Carla de Sousa Coelho, da Sport TV, e Cláudia Lopes, da TVI24, comentam as polémicas do futebol.

Episódios que, logo na primeira jornada do novo campeonato, se abateram sobre as mulheres e que colocam em evidência as ideias preconcebidas e o sexismo que ainda existe no mundo do futebol. Falamos, claro, do grande plano do seio da adepta benfiquista e do comentário de Jorge Jesus sobre perguntas pertinentes “ainda por cima feitas por senhoras”.

Entre o humor e a crítica dura, as repórteres e pivôs também não descartam que a realidade pode vir a mudar e que há muito por fazer em todas as modalidades desportivas em relação à forma como usam e abusam do corpo feminino.

Conversas que, porém, não esquecem o êxito deste verão: a participação da seleção feminina de futebol no Euro2017. Na galeria acima, encontrará algumas das declarações mais emblemáticas das quatro jornalistas.

Os homens bonitos também podem aparecer nos planos, pedem elas!

O fim de semana passado foi de chama intensa e tudo porque um grande plano dos seios de uma adepta benfiquista foi transmitido durante o o jogo da Supertaça Cândido de Oliveira.

O realizador do encontro, Ricardo Espírito Santo, rapidamente pediu desculpa e até telefonou à mulher focada pela câmara, que se viu obrigada a fechar o seu mural devido ao volume de insultos que recebeu. Ataques com os quais teve de lidar quando, antes, tinha sido vítima de uma situação que não escolheu.


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Para as jornalistas desportivas, que elogiam o mea culpa do realizador, o futebol comporta-se como a publicidade. “Funciona como o espelho da sociedade, há uma exploração do corpo da mulher em termos comerciais”, afirma Cláudia Lopes. A pivô e moderadora da TVI 24 lembra que a “mulher não é um bibelô” e é hora de olhar para esta realidade de forma transversal “e em todos os desportos”.

Crê que aquele “plano foi sacanagem, porque a adepta não sabia que estava na televisão, naquela circunstância”. A pivô também considera que “se o corpo não é para expor, também não é para esconder”.

A jornalista de desporto da SIC Notícias também contemporiza: “Houve um erro e espero que no futuro não se volte a repetir. Mas acho que mulheres e homens bonitos devem ser colocados no ar”. “Sim, sim. Também podiam focar homens bonitos nas bancadas”, concorda Inês Gonçalves, que justifica a proliferação deste tipo de imagens devido a hábitos antigos e devido ao facto de ser ainda uma modalidade assistida, sobretudo, por homens.

Cláudia Lopes também diz que “se visse uns giros na bancada, também os colocava no ar”, graceja. Lamenta, ainda entre risos, que “a maior parte sejam gordos e feios, e não têm nenhum interesse”. Mais a sério, a jornalista da TVI, conta que “o bom senso” tem de imperar e às vezes basta apenas fazer a pergunta: “Gostávamos que fizessem aquilo à nossa filha?”

É também pelo olhar pessoal que Carla de Sousa Coelho, da SportTV, analisa esta polémica. “Não gostaria que o retrato sobre o interesse que tenho no jogo fosse feito com base na ‘exposição’ de uma parte íntima. Tal como um homem não gostaria (suponho eu) que fosse mostrado o símbolo do clube nas calças de fato de treino que está a usar, admitindo que pudesse estar numa parte íntima”.

Jorge Jesus foi “sexista” e já “devia ter juízo”

A frase foi do treinador do Sporting, Jorge Jesus, na conferência de imprensa do jogo dos leões, logo na primeira jornada. E embora o tom fosse de congratulação, o mister decidiu reparar que as questões mais interessantes estavam a ser feitas por jornalistas do sexo feminino.


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Com o humor que lhe é característico, Cláudia Lopes reage: “Com todo o respeito, dá-me vontade de dizer que o Jorge Jesus é um senhor com mais de 60 anos e que já devia ter juízo”.

A jornalista e pivô da Sport TV não duvida que o tom é depreciativo. “Tem conotação negativa. Mesmo que não tivesse o ‘ainda por cima’, seria um fator discriminatório um simples ‘uma senhora a fazer uma pergunta sobre futebol’. Estamos a desempenhar o nosso trabalho como jornalistas”. Para Carla Sousa Coelho, “a pergunta pode ser boa ou má, sejamos mulheres ou homens. De qualquer forma, Jorge Jesus até pode ter querido valorizar e a expressão ter sido desenquadrada do que pretendia transmitir”.

“A expressão é um bocadinho sexista”, concorda Rosa Oliveira Pinto. “Preferia que ninguém tivesse necessidade de sublinhar a questão de género quando o que está em causa são as perguntas”.

Inês Gonçalves, da RTP, considera que se está perante um caso claro de “discriminação ao contrário”, “positiva”. A pivô lembra que a frase reflete a ideia preconcebida de que “as mulheres não percebem de futebol”. “Se calhar a maior parte não, mas já há muitas que compreendem e gostam”.

Futebol feminino veio para ficar

Não há dúvida. As mulheres equipadas dentro das quatro linhas estão mesmo para ficar e, quem sabe, fazer história. Pelo menos, o mérito da participação da seleção nacional na fase final do Euro 2017, na Holanda, já ninguém tira às atletas e equipa técnica.

As quatro jornalistas ouvidas pelo Delas.pt defendem que o futebol feminino vai começar a impor-se. “Julgo que a tendência é de afirmação e crescimento, sim. Sobretudo, com a nossa primeira participação numa fase final no Europeu da Holanda, em que, por uma unha negra, Portugal não marcou presença nos quartos-de-final, vinca Carla de Sousa Coelho.


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O rosto da Sport TV conta que “tem sido feito um esforço para uma maior mediatização” e destaca que “o Benfica e Vitória de Guimarães vão criar equipas femininas. Tudo indica que o caminho será de expansão”.

Rosa Oliveira Pinto elogia o esforço da Federação Portuguesa de Futebol na promoção da modalidade e considera que “vai haver um aumento significativo e da qualidade do futebol praticado por mulheres”.

É nessa tendência de incremento que Inês Gonçalves também acredita, mas crê também que “o futebol feminino dificilmente vai chegar ao nível do masculino, seja em notoriedade, seja em estatuto, seja em valores financeiros”.

Cláudia Lopes, da TVI, conclui que a modalidade “vem para ficar” e hoje “os pais já não acham estranho que as suas filhas queiram jogar futebol, isso está a deixar de ser um bicho-de-sete-cabeças”.