Jude Law é um Papa sem escrúpulos em ‘The Young Pope’

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set of "The young Pope" by Paolo Sorrentino. 10/23/2015 sc. 108 ep. 1 In the picture Jude Law. Photo by Gianni Fiorito

Um homem. Um pecador. Um santo. Um órfão que se dispôs a mudar a Igreja Católica de dentro para fora. Esta é a história do Papa Pio XIII, um líder religioso fictício, a inspiração por detrás da muito antecipada série ‘The Young Pope’, que tem estreia marcada para esta noite, às 23.00, no canal de cabo por subscrição TV Séries.

Jude Law dá vida a esse que é, na ficção, o primeiro Sumo Pontífice oriundo dos EUA, e também o mais jovem e revolucionário de sempre. O mesmo que, no primeiro episódio, admite, sem medos: “Eu não tenho pecados para confessar. Sou uma contradição. Sou Deus”.

Coproduzida pela HBO (EUA), Sky Atlantic (Reino Unido) e Canal + (França), a minissérie de dez episódios estreou-se em dose dupla em Itália – ou não fosse a cidade do Vaticano o epicentro da ação – há cerca de duas semanas. As críticas, sobretudo à performance de Law, têm-se escrito com palavras como “magnífica” – segundo o diário britânico ‘The Telegraph’ -, “dilacerante” e “brutal” – frisa o ‘The Guardian’ – ou “ameaçadora” e “maravilhosa” – de acordo com o ‘The Independent’, que descreve ainda a trama como “ um ‘House of Cards’ papal”.

A imprensa britânica comparada ainda o desempenho de Jude Law com o de personagens como Don Draper (personagem principal de ‘Mad Men’, interpretada por John Hamm) ou Tony Soprano (protagonista de ‘Os Sopranos’, interpretado por James Gandolfini).

Não deixa de ser expectável, ainda assim, que ‘The Young Pope’ deixe de pé atrás alguns fiéis da Igreja Católica – especialmente quando atingir uma escala mais global, uma vez que, até agora, ainda só chegou a alguns países europeus. “Pensei muito sobre a possibilidade de a série ofender os crentes. Mas estamos apenas a investigar o lado conservador do Catolicismo. Não estamos a fazer dele um escândalo. Não estamos a julgá-lo. Tenho a certeza de que alguém se vai sentir ofendido, mas contar uma história é isso mesmo, é levar a cabo a uma discussão livre, aberta, diplomática”, defendeu Jude Law, no festival de cinema de Veneza, em setembro, onde a série foi apresentada pela primeira vez.

Mais atrevido, o realizador Paolo Sorrentino, vencedor de um Óscar de Melhor Filme Estrangeiro (por ‘A Grande Beleza’, de 2014), desafia o Vaticano a ver a série até ao fim, antes de a julgar. “Se houver algum problema, é do Vaticano, não meu. Nem sequer devia ser um problema. Se eles assistirem até ao fim, verão que é uma peça que aborda o mundo deles com curiosidade, honestidade, e sem desejo de provocar. Não pretende ostentar qualquer forma de preconceito ou intolerância”, esclarece o realizador italiano.

Prova disso é que Jude Law sentiu necessidade de procurar a sua fé antes de começar as gravações. Para isso, o ator inglês de 43 anos fez algo que já não fazia desde criança: ler a Bíblia. “Não senti , no entanto, que estivesse a aprender alguma coisa que me ajudasse com o papel. Acho que a minha relação com a Bíblia reflete, de certa forma, a minha relação com o catolicismo. Há momentos de incrível clareza e inspiração, e outros de incrível frustração e fúria”, confessou.

Quem é Pio XIII?

Lenny Belardo – o verdadeiro nome de Pio XIII, personagem principal de ‘The Young Pope’ – é um Papa que fuma, que usa sapatos vermelhos, que bebe Coca-Cola de cereja ao pequeno-almoço, que nos seus sonhos choca a Praça de São Pedro ao defender os casamentos homossexuais, o divórcio ou a masturbação. Arrogante e provocador, não dá ouvidos a mais ninguém para além da Irmã Mary (interpretada por Diane Keaton), freira que o acolheu aos sete anos de idade, depois de ter sido abandonado pelos pais.

Com todos estes detalhes de personalidade, Paolo Sorrentino pretendia criar um protagonista que contrastasse com o atual Papa Francisco e que, de certa forma, iniciasse uma reflexão mais profunda sobre o papel da Igreja Católica no mundo. “É possível que depois de um Papa muito liberal, venha alguém com ideias muito diferentes. Acho que é uma ilusão que a igreja ambicione, a longo prazo, a modernidade”, argumentou o realizador que se estreou, com este projeto, no pequeno ecrã.

A primeira temporada exigiu um investimento aproximado de 40,9 milhões de euros, tornando-a na produção televisiva italiana mais cara de sempre. Até o primeiro-ministro desse país, Matteo Renzi, já confessou estar absolutamente rendido à série. Não é surpreendente, por isso, que quase um milhão de espectadores tenham sintonizado a Sky Itália na noite de 21 outubro, quando foram transmitidos os dois primeiros episódios – um resultado que supera largamente o de séries como ‘A Guerra dos Tronos’, ‘House of Cards’ ou ‘Westworld’ nesse país.

“Em Itália temos tido duas série sobre Papas por ano, nos últimos 30 anos”, notou Andrea Scrosati, diretor do canal italiano. “São Papas que toda a gente adora, que não têm nada nas suas vidas que os torne humanos. Mas lembrem-se de que vivemos numa era em que, pela primeira vez em 500 anos, um Papa se demitiu [Bento XVI] e em que temos dois Papas a residir no Vaticano [Francisco e Bento XVI]. Se isso não nos mostra que os Papas também têm os seus dilemas pessoais, então o que mostrará?”, concluiu a responsável da Sky Itália.

‘The Young Pope’ aterra hoje Portugal, depois de já ter deslumbrado a Alemanha, a Áustria, o Reino Unido ou a Irlanda. Sendo uma produção mais europeia do que norte-americana, os EUA terão que esperar até ao próximo ano para participarem na revolução do Papa Pio XIII. Acaba de ser confirmada a realização de uma segunda temporada.