O Conselho Superior da Magistratura (CSM) vai manter o processo disciplinar instaurado ao Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto, Neto de Moura, em dezembro de 2017. Em causa está um acórdão em que minimizou um caso de violência doméstica, pelo facto de a mulher agredida ter cometido adultério, recorrendo a expressões polémicas, e a referências à Bíblia ao Código Penal de 1886, para ilustrar os castigos infligidos a mulheres adúlteras.
Em comunicado, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) refere que as expressões e juízos utilizados “constituem infração disciplinar”, pelo que rejeitou o projeto de arquivamento apresentado a plenário e determinou a mudança de relator, para apresentação de novo projeto na próxima sessão do plenário, a 05 de fevereiro. A decisão foi aprovada por oito votos a favor e sete contra.
No mesmo comunicado que pode ler na íntegra, em baixo, o organismo escreve ainda que “ponderou que a censura disciplinar em função do que se escreva na fundamentação de uma sentença ou de um acórdão apenas acontece em casos excecionais”. Por isso, e considerando “o princípio da independência dos tribunais e a indispensável liberdade de julgamento, CSM concluiu que “as expressões em causa” foram “desnecessárias e autónomas relativamente à atividade jurisdicional”. Recorde as frases e expressões mais polémicas do juiz, no galeria, em cima.
“Os magistrados não estão acima de um julgamento social”
Em declarações ao Delas.pt, Alexandra Silva, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM), que representa diferentes associações, congratula-se com a deliberação do Conselho Superior de Magistratura. “Parece-me que é a melhor decisão tomada”, afirma. Apesar de a organização estar expectante quanto ao resultado que a mesma produzirá, a ativista considera que “arquivar um processo desta natureza, pelo teor das palavras e pela sentença que o juiz proferiu” seria “um atentado” contra, pelo menos, metade da população.
Questionada sobre se o relatório recente do Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (GREVIO, na sigla em inglês), que conclui que Portugal continua a penalizar pouco a violência contra as mulheres, terá condicionado esta decisão, Alexandra Silva acredita que poderá ter “tido alguma influência”, mas não será o único. É apenas mais um fator do sinal que a sociedade dá face a decisões deste tipo. “Tudo tem influência, tem influência aquilo que nós, ativistas, fazemos na rua e o ‘barulho’ que fazemos, aquilo que as organizações produzem em termos de monitorização das políticas públicas e tem depois influência aquilo que resulta de análises feitas por comités de peritos externos ao país.”
Ainda que não seja conhecido o desfecho deste processo, a PpDM espera que este caso sirva como um exemplo. “Os magistrados não são um classe que possa ficar alheada daquilo que se passa na sociedade. E, neste caso, a haver, de facto, um processo disciplinar ao juiz Neto de Moura será também uma luz ao fundo do túnel, naquilo que pode ser o tratamento dado aos magistrados nestas matérias. Eles não estão acima de um julgamento social”, conclui.
Leia o comunicado do CSM na íntegra:
“O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, hoje reunido, dia 29 de Janeiro de 2019, quanto ao processo disciplinar instaurado a um Ex.mo Senhor Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto, tomou a seguinte deliberação, por oito votos a favor e sete contra:
1. O CSM considerou que no caso em apreciação as expressões e juízos utilizados constituem infração disciplinar, pelo que foi rejeitado o projeto de arquivamento apresentado a Plenário e determinada a mudança de relator, para apresentação de novo projeto na próxima sessão do Plenário.
2. O CSM ponderou que a censura disciplinar em função do que se escreva na fundamentação de uma sentença ou de um acórdão apenas acontece em casos excecionais, dado o princípio da independência dos tribunais e a indispensável liberdade de julgamento, circunstancialismo que se considerou verificado no caso vertente, em virtude de as expressões em causa serem desnecessárias e autónomas relativamente à atividade jurisdicional.”
Juízes do Acórdão do Porto vão ser alvo de processo disciplinar