Júlia Pinheiro em ‘Monólogos da Vagina’: “É preciso falar de um órgão que dá vida à humanidade”

O desejo de pisar as tábuas era antigo, mas era conhecido de poucos. A apresentadora da SIC, Júlia Pinheiro, gostava de subir aos palcos de teatro, mas a vida foi levando-a para outros caminhos paralelos e para lá da televisão. Aliás, no currículo está documentada a passagem pelo Conservatório onde estudou com nomes como o encenador João Mota ou o ator Rui Mendes, mas “o casamento, a lua-de-mel, a rádio e a televisão” levaram-na para outros percursos, diz, entre risos.

Agora, aos 56 anos, o rosto das tardes de Carnaxide ajusta contas com os seus projetos de vida e vai estrear-se no teatro com a peça Monólogos da Vagina – que regressa a Portugal depois de ter sido interpretada pela atriz Guida Maria. Júlia dividirá o palco com as atrizes Paula Neves e Joana Pais Brito, a partir de 21 de março, no teatro Armando Cortez, em Lisboa.

“Comecei logo por dizer que não”, conta, a rir. “Mas eles [o produtor Paulo Sousa Costa e a companheira Carla Matadinho] insistiram, foram inteligentes na forma como me abordaram e agora”, prossegue Júlia entre gargalhadas, “estou aterrorizada, estou a pensar fugir do país”.

Brincadeiras à parte, Júlia revela que contou com o apoio do marido, Rui Pêgo, na decisão que a levou a aceitar este projeto, interpretando um texto – autoria da norte-americana Eve Ensler – que considera ser “de uma importância imensa do ponto de vista social, de militância e de feminismo inteligente”.

“O texto é muito profundo, muito denso. No fundo, é uma comédia triste. As mulheres nunca falam da sexualidade e a vagina surge como uma espécie de metáfora que toca numa realidade que não conhecemos de verdade, porque somos confrontadas com esse modelo cultural e com a forma como fomos educadas”, analisa. “Há muitas mulheres que nunca tiveram um orgasmo, que nunca a tocaram, que não sabem como é, que têm vergonha, é preciso falar sobre algo que é tão nosso, que é tão definidor do género. É preciso falar de um órgão que dá vida a toda a humanidade. É de lá que saem as crianças”, lembra.

Abordando assuntos como o prazer, as relações ou mesmo a excisão – entre tantos outros -, Monólogos da Vagina traz à luz “inúmeros temas que estão profundamente intricados nas nossas relações e até na conjugalidade e na forma como esta é vivida pelas mulheres”. “O que mais me toca nesta peça é a verdade que emerge do texto“, justifica Júlia.

Ensaios às oito e meia da manhã

“Queríamos um elenco muito forte”, começa por justificar ao Delas.pt o produtor Paulo Sousa Costa, responsável da Yellow Star Company, empresa que está a produzir a reposição deste espetáculo em território nacional. “A Paula Neves é uma das melhores atrizes que temos em Portugal, a Joana, excelente atriz, tem uma capacidade de comédia muito grande e precisávamos depois de pessoa que trouxesse um mundo a esta peça, que fala muito olhos nos olhos. Daí a escolha da Júlia”, justifica o produtor. “Sabíamos desse desejo secreto de ela um dia pisar o palco e achamos que era um projeto que tinha a cara dela”, diz Sousa Costa.

“Elas [Paula e Joana] são atrizes extraordinárias e têm sido maravilhosas porque aceitam estar a ensaiar a partir das oito e meia da manhã. Porque ao meio-dia tenho de estar na SIC para preparar o programa”, refere Júlia, elogiando o “rigor” das colegas de cena.

E se a resposta inicial da apresentadora da SIC foi negativa, reconsiderou depois. “Fizemos as cábulas para ela ler – o que é normal no teatro – e que não é muito mais do que o que ela já faz no seu dia-a-dia televisivo. Agora, sabíamos que íamos provocar a surpresa geral. Ela também estava consciente que ia ser uma bomba no melhor sentido”, refere o produtor.

O texto de Eve Ensler, que teve por base entrevistas a 200 mulheres, tem corrido o mundo e já contou com interpretações de nomes sonantes como Cate Blanchett, Oprah Winfrey, Cunthia Nixon. Na galeria abaixo pode ficar a a conhecer alguns deles.

Texto com margem para poucas adaptações

Monólogos da Vagina regressa assim a Portugal, mas Paulo Sousa Costa refere que o texto, apesar de traduzido, não abre grandes margens para adaptações locais. Mas o produtor lembra que “há partes que são transversais a todas as mulheres do mundo” e vinca que a peça fala sobretudo “da relação da mulher com ela própria. Na verdade, a vagina é um meio para falar sobre si”.

Sousa Costa lembra que o texto, “tendo em conta as temáticas, podia ter sido escrito ontem” e que, por isso, “vai continuar a ser feito em Portugal durante anos, naturalmente por outros”. Afinal, “como escreveu o New York Times em tempos, os Monólogos da Vagina era um dos documentos mais importantes políticos que alguma vez foi escrito”, recorda o produtor. A peça que agora estreia vai estar em cena até 2 de junho, com exibições de quinta a sábado, às 21.30 horas e domingo, às 18.

Imagem de destaque: Divulgação

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