Já há pais a definir exposição dos filhos nas redes sociais nos acordos de divórcio

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A violação do direito à imagem e à privacidade das crianças espoletado pela emissão do programa da SIC Super Nanny veio levantar questões que vão para lá da televisão e dos formatos emitidos. Entre elas, as que dizem respeito aos pais que, com frequência, partilham fotografias, imagens e episódios “curiosos” dos filhos em plataformas como o Facebook, o Instagram ou mesmo em blogues criados para o efeito.

Uma realidade portuguesa nova que, por vezes, com a separação dos pais está a levar progenitores a criarem regras específicas no âmbito do acordo de regulação das responsabilidades parentais, celebrado em sede de processo de divórcio.


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Embora nunca tenha lidado de perto com nenhum caso em concreto, o juiz do Tribunal de Família do Barreiro, António José Fialho, revela ao Delas.pt que já tomou conhecimento desta realidade. “Tenho ouvido falar de casos de acordos entre pais, no âmbito de processos de divórcios, que definem em pormenor como é que os filhos de ambos podem ou não ser apresentados nas redes sociais”, conta. Volume de casos que ainda é diminuto em Portugal. “Normalmente, são os pais mais informados ou os advogados melhor preparados que já procuram acautelar isso mesmo”, revela.

“São os pais mais informados ou os advogados melhor preparados que já procuram acautelar” a imagem dos filhos nas redes sociais, após o divórcio

A procuradora e presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança aplaude a iniciativa, embora também não conheça nenhum caso em concreto. Dulce Rocha remete, porém, para um “acórdão inovador” publicado pelo “Tribunal de Relação de Évora” e que incide sobre esta questão. No ponto 11 do mesmo documento, que data de 25 de junho de 2015, pode ler-se que “os pais deverão abster-se de divulgar fotografias ou informações que permitam identificar a filha nas redes sociais”.

Presidente executiva do Instituto de Appio à Criança e procuradora Dulce Rocha [Fotografia: Vítor Rios/Global Imagens]

Esta era uma medida fixada provisoriamente no âmbito da regulação do poder parental. A mãe terá, então, recorrido da decisão por considerar que as partes “nunca aludiram à existência do uso (por parte do outro) indevido das redes sociais”.

Redes de pedofilia alimentadas por fotos colocadas voluntariamente?

Nas alegações, o Ministério Público considerou que a medida relativa às redes sociais era “adequada e proporcional à salvaguarda do direito de reserva da intimidade da vida privada e da proteção de dados pessoais e sobretudo da segurança da menor no ciberespaço”.

Entre as razões elencadas pelo acusador público constavam os riscos de eventual uso de imagens por, entre outros, redes de pedofilia. Uma realidade para a qual o juiz António José Fialho também alerta: “Há indicações de que há imagens colocadas voluntariamente pelos pais e usadas, depois, indevidamente por essas redes.”

Para o pediatra Mário Cordeiro, não há dúvidas que há limites. “Há que ter cuidado”, responde o especialista ao Delas.pt, que anunciou boicote a programas da SIC enquanto o canal mantiver o docreality SuperNanny no ar. “Uma coisa é uma fotografia normal, da cara da criança quando faz anos ou mascarada no Carnaval, outra são coisas que entrem na intimidade. Sei que há uma grande confusão, hoje, entre o que é intimidade, privacidade e esfera pública, mas ainda existem fronteiras”.

Pediatra Mário Cordeiro [Fotografia: Global Imagens]

Para Cordeiro, os limites não são difíceis de encontrar. “Tudo o que possa ser usado contra a criança ou que deslustre ou possa vir a deslustrar a sua imagem, confiança e conceito, na sua perspetiva ou na dos outros, é errado. Uma fotografia a soprar as velas aos dois anos de idade creio ser inofensiva. Uma gracinha, mesmo que igual a cem mil outras, pode ser inofensiva também. Já outro grau de exposição é questionável e, confesso, na minha opinião (subjectivo, claro), sem qualquer interesse. Bom para contar à família mas um pouco patético partilhar com sete mil milhões de pessoas por todo o planeta…”, conclui.

imagem de destaque: Shutterstock