Kristalina Georgieva candidata à liderança do FMI, mas idade pode travá-la

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Kristalina Georgieva [Fotografia: Sergei Karpukhin]

Mais de 12 horas de negociações e uma votação contada colocaram a búlgara Kristalina Georgieva como a candidata europeia à liderança do Fundo Monetário Europeu (FMI), podendo suceder a Christine Lagarde.

Mas nem tudo pode ser simples para Georgieva. Para lá da votação à justa, coloca-se a questão da idade da candidata. A economista búlgara tem 65 anos, completando 66 a 13 de agosto. Ora, as regras de acesso ao cargo de diretor-geral do FMI, segundo o site da instituição (que pode ser consultado no original aqui), estipulam que à data da indicação oficial para a função, os candidatos devem ter menos de 65 anos e que ninguém poderá ocupar a cadeira tendo mais de 70 anos. Os mandatos têm cinco anos de duração, podendo ou não ser renovados por um período igual ou inferior.

Ora, a escolha do sucessor de Lagarde acontecerá a 4 de outubro, mas as candidaturas oficiais à liderança do FMI estão agendadas para 6 de setembro e, nessa ocasião, Kristalina já terá 66 anos. De acordo com fontes citadas pelo site alemão Deutsche Welle, tanto a Europa como os Estados Unidos da América já terão mostrado disponibilidade para rever esta limitação estatutária.

A vingança dos países que gastam tudo em “copos e mulheres”?

Para trás, na corrida, ficou o polémico ex-ministro das Finanças holandês Jeroen Dijsselbloem, que, em março de 2017 e enquanto presidente do Eurogrupo, acusou aos países do sul da Europa de gastar o dinheiro em “copos e mulheres” e depois pedir ajuda económica.

Holanda e Alemanha lideravam o bloco central de países que apoiava o ex-ministro holandês, mas acabaram por sair vencidos na votação por um outro grupo constituído pela França e pelos países da Europa do Sul e de Leste, e que votou por Georgieva.

Segundo fontes citadas pela agência Lusa, os resultados da segunda ronda de votação foram “muito claros”, colocando a búlgara à frente, com 57% no critério populacional e 56% no critério do apoio dos Estados-membros, enquanto Djesselbloem recolheu, respetivamente, 43% e 44% nos mesmos critérios.

O ex-ministro holandês reconheceu a derrota e abdicou da disputa, mesmo após nenhum dos dois ter alcançado uma maioria qualificada de apoio entre os Estados-membros. “Congratulo Kristalina Georgieva pelo resultado nas votações de hoje [sexta-feira, 2 de agosto]. Desejo-lhe o maior sucesso”, escreveu na sua conta na rede social Twitter.

Recorde-se que, desde a criação do FMI, em 1944, a instituição financeira foi sempre dirigida por um europeu, enquanto o Banco Mundial foi sempre liderado por um americano. Christine Lagarde, agora a caminho da presidência do Banco Central Europeu e sucedendo a Mario Draghi, foi a primeira mulher a liderar o FMI.

Georgieva: quem é a mulher do momento?

Três anos depois, o mês de outubro volta a ser decisivo para Georgieva. Em 2016, deixava de ser a mulher mais bem posicionada para assumir o cargo de secretária-geral das Nações Unidas para entregar a pasta a António Guterres.

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Faltam dois meses para que o futuro desta economista do ambiente que toca guitarra (sobretudo Beatles, segundo o site Politico) e que gosta de escrever poesia fique decidido. Casada, com um filho e bisneta de um dos revolucionários e fundadores da Bulgária, do século XIX, muito pouco tem sido relevado sobre esta mulher, que é vice-presidente do Banco Mundial, cargo do qual já anunciou que iria abdicar enquanto corre o processo para o FMI. É sempre e sobretudo de percurso profissional que se fala quando o nome de Kristina chega à mesa de negociações.

Nasceu na capital búlgara, em Sofia, e foi ali que tirou a licenciatura na Universidade Nacional e Economia Mundial, em 1977. Cerca de nove anos depois e já a dar aulas na faculdade, fazia tese de mestrado intitulada Políticas de Proteção Ambiental e Crescimento Económico nos EUA. O seu percurso académico passaria também pela London School of Economics, no Reino Unido, e pelo instituto norte-americano MIT. No currículo conta ainda com mais de uma centena de artigos científicos publicados nas áreas da economia e do ambiente.

Georgieva deu aulas até 1993, ano em que entrou para o Banco Mundial como Economista do Ambiente para as regiões da Europa e da Ásia Central, subindo na hierarquia – com pastas como a agricultura, o desenvolvimento urbano e, entre outras, as infraesturas – até chegar a número dois da instituição. Mas não sem antes uma interrupção: Georgieva foi para a Europa, mas regressaria ao Banco Mundial em 2016.

Deste lado do Atlântico, e em 2010, foi convidada às três da manhã para ser comissária para a Cooperação Internacional, Ajuda Humanitária e Resposta de Crise. Trabalhou depois com pastas como o Orçamento (2014 -2016), mas sairia para uma licença sem vencimento para lutar pelo cargo máximo na ONU.

Em outubro de 2016 demitia-se sem esconder o descontentamento com o rumo europeu. Segundo fontes citadas pelo site Politico à data, a ex-comissária lamentava-se de Martin Selmayr, que, como chefe de gabinete de Jean-Claude Juncker, considerada ser “uma infuência tóxica” na Comissão Europeia.

Reações europeias à candidatura

O português Mario Centeno, ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo, felicitou a escolha europeia. “Parabéns @Kgeorgieva por ter sido escolhida como a candidata europeia para comandar o @IMFNews. Face às crescentes tensões globais, é imperativo defender o FMI como símbolo do multilateralismo e da cooperação internacional”, escreveu Centeno, que chegou, segundo lembra o jornal Financial Times, a ser considerado candidato à nomeação para diretor-geral do FMI.

“Os Estados-membros da União Europeia chegaram a um acordo sobre o candidato a ser o próximo diretor-geral do FMI. Estas são notícias excelentes. Saúdo o sentido de dever dos ministros das Finanças. Uma vez que todos os candidatos eram altamente qualificados, era evidente que o processo de seleção tinha de ser aprofundado. Kristalina Georgieva é agora a candidata dos países europeus e todos apoiaremos a sua candidatura”, anunciou o ministro francês Bruno Le Maire.

O ministro francês salientou que, como diretora-geral do Banco Mundial e antiga vice-presidente da Comissão Europeia, a economista búlgara tem “todas as competências, experiência e credibilidade internacional” para suceder a Christine Lagarde e liderar “com sucesso” a instituição.

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“Ela proporcionará [ao FMI] uma experiência europeia única e conhecimento em temas de desenvolvimento”, completou aquele que foi o coordenador do processo de escolha do candidato da UE.

Imagem de destaque: Reuters