Moda paga dois projetos solidários em Moçambique

Virgínia Coutinho quis em tempos ser jornalista e salvar o mundo, mas acabou por enveredar pelo marketing. Atualmente, entre uma lista interminável de ocupações (formadora, consultora, autora e empresária), é empreendedora digital e fundadora do projeto Kutsaka, que alia moda à acção social.

A complexidade do nome é, na realidade, muito simples e pura, como as gentes moçambicanas: Kutsaka significa “ser feliz”, ou “felicidade”, em changana, um dos dialetos locais de Moçambique. E foi isso mesmo que Virgínia, uma diretora de marketing de sucesso, ambicionou oferecer quando decidiu dar vida a este projeto. O entusiasmo e a paixão que nutre por esta iniciativa são perfeitamente evidentes na sua voz, enquanto nos conta como surgiu a ideia.

Tudo começou quando, em março deste ano, através da ONGD Um Pequeno Gesto, para a qual contribui na qualidade de madrinha, Virgínia viajou até Moçambique para trabalhar como voluntária durante quase dois meses. “No tempo em que lá estive dei aulas à pré-escola e dava apoio escolar até ao 6º ano, mais ou menos. Também participava nas atividades administrativas e em tudo o que fosse necessário fazer, como por exemplo, apoio na distribuição local de comida. Enfim, ajudava a fazer de tudo um pouco.”

Antes desta viagem, Virgínia tinha estado mais de dois anos a trabalhar fora do país, primeiro em S. Paulo, Brasil, e depois em Praga, na República Checa, como diretora global de gestão de marketing. O ritmo de vida alucinante que levava acabou por fazer “cair a ficha”: afinal, não era bem aquilo que queria para si. “Decidi que queria mudar de vida. Sempre senti que, tendo tirado um curso de marketing, tinha de fazer uma carreira, como era esperado. Mas, entretanto, chega-se a uma altura em que sabemos que é decisivo: ou continuas nessa vida e nunca mais sais de lá, ou então paras e fazes as coisas de que realmente gostas. Para mim, ir quase dois meses para Moçambique era mesmo a pausa ideal para a transição, para passar de um ritmo frenético de quem trabalha 50 a 60 horas numa empresa, de quem dá tudo e tem de estar sempre disponível para a empresa, para ao invés disso me dedicar aos outros, regressar a Portugal e ter uma vida mais calma.”

Um projeto solidário multifacetado

Já em Moçambique, Virgínia não conseguiu evitar criar laços e apaixonar-se pelas gentes e pelo país. “Na realidade sou apaixonada por África no geral, não apenas por Moçambique. Já estive na África do Sul, em Angola, na Mauritânia, Senegal, Guiné Bissau, e adoro a pureza das pessoas, a pureza dos países. Em Moçambique, em particular, existem muitas necessidades. As pessoas não têm meios de subsistência, nem terrenos para cultivar, ou quando os têm estão dependentes das condições climatéricas… É um país que deveria ser rico, mas que está muito pouco desenvolvido. As pessoas são maravilhosas, os seus sorrisos são cativantes. Foi isso que me apaixonou em Moçambique. Foi onde passei mais tempo e onde também criei proximidade com as pessoas que conheci, com as crianças… Custou-me imenso deixá-los. Não conseguia viver com a ideia de que nunca mais ia ver aqueles meninos. Que não ia saber o que seria o futuro deles, que poderiam vir a passar necessidades, ou ficarem doentes, e eu nem sequer ter ideia. Daí também ter surgido a Kutsaka. É uma forma de me manter em constante contacto com eles.”

A Kutsaka, projeto empresarial de índole social, produz, em parceria com a AIREV, materiais decorativos, como colares (e em breve, almofadas) com capulanas (tecidos africanos) adquiridas a comerciantes locais em Moçambique. “Além disto, 100 por cento dos lucros deste ano são para apoiar dois projetos em Moçambique, um deles um ateliê de costura para jovens em Chokwé, e o outro financiar a compra de lancheiras térmicas para distribuição de sopa em Maputo.” A AIREV, Associação para a Integração e Reabilitação Social de Crianças e Jovens Deficientes de Vizela, é a “fábrica” onde as peças idealizadas por Virgínia ganham vida. “Têm um Centro de Dia e um Lar para jovens com deficiências mentais e estimulam os utentes com várias atividades e ateliês. Têm marcas próprias e fazem bijutarias, mochilas… E é nesse mesmo ateliê de costura que se fazem as peças para a Kutsaka. A matéria prima, as capulanas, sou eu que escolho, trouxe muitas e também peço a amigos para trazerem. Vêm para a minha casa, faço as combinações de cores e como quero que os colares sejam. Eles fazem a produção, enviam novamente para mim e eu faço toda a logística e envio. Vendemos atualmente na nossa página do Facebook (https://www.facebook.com/Kutsaka.pt/), no nosso site (www.kutsaka.pt), e no dia 10 de dezembro vamos estar no LX Factory no espaço Mercart. No próximo ano queremos estar presentes em mais pontos, fazer parcerias com algumas empresas de decoração e design, de roupa, que vendam os nossos produtos.”

Segundo Virgínia, uma autodidata, chegar aos produtos finais foi um processo moroso. “Foram feitos vários testes, e demorou algum tempo até percebermos como funcionava melhor. No entanto, desde o momento em que decidi fazer o projeto até ter os produtos à venda passaram-se dois meses e meio! Não fiz qualquer formação nem workshop em moda…”

A transparência do negócio, em que cada consumidor conhece no momento da aquisição de cada produto o custo da cadeia de valor na sua produção, promoção e distribuição, é de extrema importância para a fundadora. “Queremos ser o mais transparentes possível com as pessoas que compram Kutsaka, e também com os nossos parceiros. Nesta fase em que não vamos ficar com qualquer parte dos lucros, em que não há salários pagos e todo o tempo despendido é voluntário, acho que faz sentido as pessoas saberem quanto as coisas custam. Não se trata apenas do material investido na peça, mas sim do tempo investido, do facto de vir numa caixa, do facto deste projeto precisar de ter um website…”

O feedback que recebe, tanto dos clientes como do público em geral, tem sido muito positivo. Mas diz ainda ser cedo para perceber a extensão do impacto positivo que o seu projeto está a ter na economia Moçambicana. Iniciativas para o futuro são, para já, muitas. “Queremos sempre procurar projetos associados ao desenvolvimento local e à educação em Moçambique, ou criar novos projetos e financiá-los. Queremos apoiar ONGs competentes com o nosso contributo. Em relação à Kutsaka, enquanto marca e empresa, o objetivo é alargarmos o leque de produtos que temos e também a rede de distribuição.”

Apesar de toda a azáfama que é a sua vida, Virgínia “corre por gosto”. “Faço 300 coisas ao mesmo tempo e adoro. Mas sim, é difícil conciliar tudo. Chego ao ponto de, quando me perguntam o que faço, precisar de abrir a minha página de LinkedIn para me lembrar [risos]…”

Texto: Carmen Saraiva

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