As Telefonistas: quando a ficção revela a realidade, décadas depois

4694_4F_LasChicas_S1_7X5_FIN01

Estreia esta sexta-feira a primeira série original espanhola da Netflix, protagonizada por quatro mulheres que procuram a sua independência nos anos 20. Seja qual for o sucesso que venha a conquistar, já tem um mérito: relançou a discussão sobre o papel da mulher na sociedade atual.

A ação de Las Chicas del Cable, nome original, decorre em Madrid no ano de 1928. As mulheres viviam confinadas ao lar, sendo poucas as que trabalhavam, em geral como costureiras ou professoras. Quando a companhia nacional de telefones se estabelece no centro da cidade abre-se uma nova oportunidade e centenas concorrem à função de operadora da central, um emprego que lhes poderia proporcionar independência económica.

É este o contexto em que se cruzam as quatro figuras principais: Marga (interpretada por Nadia de Santiago), insegura e ingénua, que acaba de trocar o campo pela cidade; Carlota (Ana Fernández), rebelde e feminista; Ángeles (Maggie Civantos), a única casada e mãe; e Lidia (Blanca Suárez, nos últimos tempos a atriz mais requisitada pelos realizadores espanhóis), uma verdadeira caixinha de surpresas, com um passado algo misterioso e longe de exemplar. O seu presente não é melhor: faz-se passar por quem não é para conseguir o emprego, usa a sedução de forma a atingir os seus fins, rouba… – tudo isto logo no primeiro episódio e conseguindo, apesar disso, gerar uma imensa simpatia no espectador.

Todas diferentes, sujeitas a pressões distintas – por sinal vindas de homens, que aqui estão relegados para segundo plano, praticamente limitados à contracena – têm como meta comum a dita independência, palavra múltiplas vezes pronunciada, talvez até em excesso.

Será esse objetivo a servir de fio condutor de Chicas del Cable, uma série com ritmo (estranha é a banda sonora com temas em língua inglesa e que não remetem para a época), apelativa, por vezes divertida e que acaba inevitavelmente por fazer pensar sobre as diferenças e semelhanças entre os anos 20 e os nossos dias.

Atual… em 2017

Esta semana, por toda a cidade de Madrid abundavam cartazes a promover a série, e ontem, à porta do Cines Callao, foi-se formando uma multidão para ver as atrizes, muito conhecidas no país vizinho, desfilar na passadeira vermelha para a ante-estreia. Perante a sala cheia, Ramón Campos, um dos autores e produtor executivo, lembraria o “difícil caminho que as mulheres percorreram desde os anos 20”, acrescentando que “existe ainda muito por fazer”.

Em diversas entrevistas, também a atriz Ana Fernández diria que há aqui muito em comum com as mulheres de 2017, enquanto Ana Polvorosa (que interpreta a personagem Sara) chamaria a atenção para o facto de que hoje persistem, em Espanha, desigualdades, maus-tratos e diferenças em termos laborais.

Comprovando essas afirmações, a polémica instalou-se quando, há cerca de uma semana, as quatro protagonistas foram entrevistadas num programa de televisão. O tema era a nova série mas o entrevistador, Pablo Motos, preferiu fazer perguntas sobre com que ator prefeririam contracenar em cenas de sexo ou se as mulheres conseguem ser amigas, por exemplo. A abordagem foi amplamente criticada nas redes sociais.

As Telefonistas estreia esta sexta-feira, chegando a mais de 100 milhões de subscritores da Netflix em 190 países. Com sorte, promoverá a reflexão e discussão em muitos deles.