A economista espanhola Laura Seigner é a coordenadora do estudo, realizado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), que se apresenta como o maior já feito sobre como as mulheres portuguesas são e sobre o que sentem e o que pensam. “As mulheres em Portugal, hoje”, título da investigação que foi divulgada e debatida no passado dia 12, em Lisboa, são mais de 400 páginas que refletem as atitudes, comportamentos e sentimentos de cerca de 2,7 milhões de mulheres com idades entre os 18 anos e os 64 anos.
Um terço das portuguesas não é feliz, 51% das que trabalham estão infelizes no que diz respeito ao emprego pago que têm, a grande maioria declara que sente “demasiado cansada” e que acumula praticamente todo o trabalho não pago (tarefas domésticas e cuidados dos filhos), sem poder contar com o parceiro para partilha desse trabalho – se a renovação de gerações acontecer a cada 30 anos, será preciso esperar 180 anos para essa partilha ser igualitária. Por outro lado, o parceiro/a é o critério que mais pesa na felicidade das mulheres portuguesas. Estas são algumas das conclusões de uma investigação que verificou que a vida das mulheres em Portugal é muito determinada por dois dos parâmetros: a idade e o nível de escolaridade. Estando a primeira fortemente relacionada com as frentes que as mulheres podem acumular na vida: «trabalho pago, filhos e filhas, e vida em casal».
Em entrevista ao Delas.pt, à margem da conferência de apresentação da investigação, Laura Sagnier explica alguns dos dados e das conclusões deste estudo, refere o que mais a surpreendeu e as diferenças que encontrou entre portuguesas e espanholas.
Já tinha feito um trabalho semelhante para a realidade espanhola.
Sim, o que aconteceu é que eu tinha trabalhado na empresa que fez esse estudo, desde que terminei os estudos e onde comecei como estagiária. E nos últimos seis anos fui diretora do escritório. Depois de 25 anos a trabalhar muito, e nos últimos com a direção, sofri de stress laboral e o médico aconselhou-me a parar dois anos. Eu nunca tinha parado na minha vida. Foi complicado no início e decidi – e como tinha duas filhas, na altura adolescentes, que ia dedicar esses dois anos a fazer um estudo como aquele que tinha feito para os meus clientes para as mulheres e que teria como destinatário as minhas filhas e as filhas das minhas irmãs – somos três irmãs e todas temos filhas. Seriam elas o target deste estudo. Eu custeei esse trabalho, mas tive a ajuda da PRM, que quando tinha espaço nas equipas me cedia alguma pessoa. Por isso, enquanto o estudo português foi feito em cinco meses, o de Espanha demorou dois anos. Este estudo chegou à Fundação [Francisco Manuel dos Santos] e eles acharam que era boa ideia fazê-lo em Portugal.
Tendo passado por essa experiência de stress laboral reviu-se naquela que é uma das principais conclusões do estudo nacional, que é o cansaço quase extremo das mulheres portuguesas?
Bom. Eu tenho de admitir que tinha muita sorte, porque eu tive sempre ajuda em casa. As questões de organização passaram sempre por mim e pelo meu marido, mas na sociedade portuguesa só 15% tem ajuda remunerada. Eu estou nesses 15%, que na Espanha é 12%, ainda mais pequeno, porque em Espanha há menos mulheres a trabalhar. Mas a mulher espanhola também está cansada só que como a mulher portuguesa está mais no mercado de trabalho pago tem de conciliar mais.
Por que é que as mulheres portuguesas estão mais no mercado de trabalho que as espanholas?
Acredito que seja uma questão que tem mais a ver com a crise. Porque o trabalho de campo para o estudo em Espanha foi feito há quatro anos, estávamos muito mais afetados pela crise. Neste momento, não sei qual seria o resultado. Mas a verdade é que em Espanha há uma tipologia de mulheres que aqui não identificámos que designamos de “profissão ama de casa”, que são mulheres que dedicam a sua vida à família, não passam sequer pelo mercado de trabalho. Isto em Portugal não acontece porque a situação económica é mais complicada.
Os rendimentos são mais baixos.
Os rendimentos são mais baixos e em Portugal há mais famílias que não conseguem que o dinheiro chegue até ao final do mês.
Outra das diferenças entre as portuguesas e espanholas é que as espanholas se consideram mais felizes com a vida que as portuguesas – 57% contra 47%.
Não é tanto o considerarem-se mais felizes. Os dois estudos são perfeitamente comparáveis porque temos a mesma escala de medição. O que acontece é que em Portugal há mais mulheres infelizes do que em Espanha.
A que é que acha que isso se deve?
Acho que se deve ao facto de haver muitas mulheres portugueses que sofrem muito desse cansaço, para além de contribuírem para as despesas da família e depois há muitas que estão frustradas pelo facto de não conseguirem ter filhos – 10% das mulheres em Portugal queriam ter tido filhos mas não tiveram, em Espanha é muito menos. As que não tem filhos é porque não querem. E depois também há algumas que querem ter mais filhos mas acabam por ter só um, isto somado ao facto de que perto de 60% tem dificuldades em fazer o dinheiro chegar até ao final do mês sempre ou quase sempre. E, por último, penso que também contribui o indicador que vimos ser o que mais influi na felicidade da mulher, que é o parceiro. E vimos que o parceiro contribui pouco para as tarefas em casa e com os filhos, que é uma das coisas que faz as mulheres mais felizes. Então está tudo relacionado.
Disse na conferência que um dos dados que mais surpreendeu a sua equipa foi o facto de a violência doméstica ser transversal a todas as faixas etárias analisadas.
Sim, porque este é um fenómeno que estudámos menos em Espanha. Eu sempre pensei que a violência doméstica ia diminuindo à medida que a mulher se fosse tornando mais empoderada, e para mim o empoderamento vinha da educação. Então surpreendeu-me muito vê-la em estratos elevadíssimos, talvez seja um pouco mais reduzido, mas não é estatisticamente significativo.
Um dado interessante é o facto de as mulheres “realizadas” terem menos escolaridade e muitas menos rendimentos que as mulheres que têm “tudo sob controlo”, mas serem mais felizes.
Sim, mas isso é assim porque elas são mais velhas e muitas delas conseguiram o que queriam da vida, os filhos já são crescidos, têm uma boa relação com o parceiro e agora estão mais felizes. Passaram a barreira dos 50…
Tem a ver também com a gestão das expectativas?
E muito com a conciliação, porque elas já conseguiram, na vida, o que queriam e estão satisfeitas.
O tema da conciliação tem estado muito na agenda política em Portugal, mas parece ser difícil passar das intenções à prática, uma vez que passará – como mostra o estudo – também pela relação de partilha com o parceiro. Como é que isso pode mudar?
Acho que em Portugal há um trabalho muito importante a ser feito pela mulher em casa, porque aí não há políticas que salvem. Por isso, é que acho que este estudo tem de ser aplicado o quanto antes e o mais possível às jovens. São elas que têm de iniciar uma relação que já seja diferente das que viram nas suas casas.
A educação é comummente apontada como o grande fator de mudança dos comportamentos, mas os modelos que as jovens têm, nesse aspeto, podem levá-las a replicar o que veem em casa.
É muito difícil alterar os modelos de relações que funcionam de uma dada maneira há 20 anos. Então é muito difícil mudar aquilo que os pais fazem. Mas devem educar-se as novas gerações e eu acho que a universidade é um espaço perfeito, onde homens e mulheres começam a iniciar as suas vidas e onde lhes deve ser explicado que esses modelos não resultam. E não resultam para a sociedade porque depois há muitos divórcios, há poucos nascimentos…
E há violência doméstica…
Eu não sou especialista, mas acho que esta violência também tem muito a ver com o homem não estar preparado nem educado para assumir as funções que lhes cabem e para muitos a única forma de o exteriorizar é através da violência. Em 44% dos casais, atualmente, a mulher tem um nível de formação superior ao do homem e muitos homens não devem digerir isto bem, mas insisto: não sou especialista em questões de violência doméstica.
O que a surpreendeu nas mulheres portuguesas, com base neste estudo?
Uma das questões que mais me surpreendeu foi o quão próxima da maternidade está a mulher portuguesa por comparação com a mulher espanhola. A maternidade aqui em Portugal está muito mais enraizada do que em Espanha e isto também traz muita confusão para algumas mulheres que não podem ter o número de filhos que gostariam ou que não podem ter filhos.