Laurence Païs: “A luta das mulheres é eterna”

laurence Pais
Laurence Pais [Fotografia: União para o Mediterrâneo]

Laurence Païs é a secretária Geral Adjunta da União para o Mediterrâneo (UfM, no original) e um dos rostos mais visíveis da conferência que discutiu a igualdade de género e o empoderamento feminino, em Lisboa, no início de outubro. No final deste encontro regional, a responsável da organização que reúne 43 estados-membros, incluindo Portugal, falou ao Delas.pt e fez um balanço deste encontro.

Contudo, esta diplomata de carreira francesa olhou também para os direitos das mulheres em países em que a emergência de partidos radicais volta a por as conquistas femininas em causa, olhou para as mulheres esquecidas do mundo rural do sul e para as reivindicações que estão a ter lugar em territórios mais pacificados. Païs pede à educação, à literatura e as media para que travem o recuo dos direitos das mulheres ante partidos políticos ultra-radicais.

Ao mesmo tempo que vemos as mulheres a lutarem pela conquista de direitos, temos países da Europa – e não só – a assistirem à ascensão da direita ultra-radical, nem sempre do lado das mulheres. Como lidar com esta dualidade na Europa?

O que retenho das discussões é que é precisa uma aproximação multisectorial, operar em vários campos ao mesmo tempo. Trabalhar na educação, nas escolas, na base, é essencial para, precisamente, dar às raparigas e rapazes um outro modelo que seja alternativo ao clássico, para acabar com a ideia da mulher no lar e do homem no trabalho. É preciso passar a mensagem que refere que as mulheres podem fazer e ser o que quiserem e que têm direito à escolha, serem o que desejam.

Como?

Através da forma como contamos as histórias. É preciso acabar com a imagem do príncipe encantado e da bela princesa que o espera. Temos de o fazer, seja pela escola, pela literatura – e a infantil, claro -, pelos media.

“É preciso acabar com a imagem do príncipe encantado e da bela princesa que o espera. Temos de o fazer, seja pela escola, pela literatura – e a infantil, claro -, pelos media”

Falamos de votações que têm lugar dentro de muito pouco tempo (França, Espanha, Itália e muitos outros). Haverá tempo para a escola e a literatura exercerem a sua ação?

Não há uma solução, nenhuma resposta é simples neste campo. É preciso ter mais elementos femininos nas instâncias de decisão, nos governos, nos parlamentos, para que elas possam representar as mulheres e os direitos das mulheres. A um nível internacional, é necessário passar uma mensagem política de que os direitos das mulheres são os direitos do Homem, uma tarefa para todos. Digo a toda a hora que devemos avançar e fazer progredir a situação das mulheres e estar vigilante porque, em países como os que falou, as situações das mulheres recuam.

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Está preocupada com esta realidade?

Mas é preciso estar vigilante, atento, continuar a trabalhar e lembrar que tudo o que conquistámos foi bom, não podemos recuar. Isto mostra-nos que tudo o que podemos obter, podemos perder. E, por isso, é preciso continuar a estar vigilante porque a luta das mulheres é eterna. É como viver: há obstáculos, mas é preciso continuar a batalhar, a ter capacidade de responder e de ultrapassar os problemas. O que digo aos nossos estados-membros [da UfM] e parceiros, e que apresentamos à sociedade civil, aos parlamentos e a todos, é que esta plataforma regional pode levar-nos a aprender com a experiência uns dos outros.

“Acredito que não haja uma região no mundo que seja tão heterogénea como a do Mediterrâneo”

A UfM lida com necessidades completamente diferente: as mulheres do mundo rural sem acesso a recursos, saúde, educação e esquecidas, temos as mulheres migrantes em campos de refugiados e temos depois a luta de países – como Espanha e Portugal – que batalham pela saúde mental e sexual das mulheres, que pugnam, entre outras missões, contra a moldura penal de crimes como a violação. Haverá outras situações, outras mulheres nesta Europa. Como é que esta plataforma regional pode gerir e ser eficaz mediante tal diversidade?

Acredito que não haja uma região no mundo que seja tão heterogénea como a do Mediterrâneo. Todos os países são muito diferentes. Para mim, esta diversidade é uma fortuna e devemos batalhar por ela, unirmo-nos e trabalhar. É isso que temos feito com os 43 países que, mesmo muito diferentes, estão juntos nesta plataforma, que mantêm e procuram o diálogo em todas as temáticas.

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Mas há uma calendarização definida para operar nestes diversos quadros?

Temos uma agenda que é clara, atuamos sobre três pilares na União: o político, em que falamos com os ministros, que impulsionam e nos dão a sua visão; o regional, como por exemplo esta conferência, mas que também se compõe de diálogos mais locais sobre questões precisas e que permite juntar, a uma mesma mesa, todos os participantes, todos os atores relativos à questão; por fim, temos o pilar dos projetos que são validados e apoiados por nós – pelos 43 estados-membros – e que permitem colocar em marcha, concretamente, no terreno, as prioridades que foram dadas pelos ministros e que vão ter impacto direto nas suas populações.

“Na UfM damos, sobretudo, visibilidade e asseguramos o apoio político de 43 estados-membros aos projetos”

Que financiam?

Não, não financiamos. Na UfM, apoiamos e ajudamos esses projetos a obter fundos através de parcerias. Mas damos-lhe, sobretudo, visibilidade e asseguramos o apoio político de 43 estados-membros. E isso é muito importante para eles.

Que medidas concretas saíram desta conferência em Lisboa?

Medir o progresso é um desafio. Vamos tentar ter uma imagem clara e fiável da situação das mulheres. Vamos continuar a discutir e a conversar sobre as melhores formas através das quais podemos aferir os quatro pontos definidos na declaração ministerial do Cairo. O que retiro deste encontro é que precisamos de trabalhar sobre as desvantagens das mulheres que estão em meio rural, que estão isoladas, que não têm acesso a formação, que não conhecem os seus direitos, a sua legislação. Retiro também que é importante trabalhar na questão do direito à saúde e que tem impedido as mulheres de terem acesso ao trabalho, à vida política, à sociedade.

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O terceiro ponto passa por apoiar as mulheres que são já empresárias, que têm menos apoio no acesso ao crédito. É preciso dar-lhes formação para que possam continuar a desenvolver-se. Por fim, o quarto ponto, muito importante, que é difícil de por em marcha e pelo qual precisamos absolutamente de trabalhar, passa por ir contra os estereótipos e as barreiras sociais. Um esforço que passa pela educação, pela cultura, pelos media.

Imagem de destaque: DR/UfM

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