Lena d’Água recorda Variações: “Senti uma empatia imediata com aquele ser amável e doce”

Lena dAgua e Antonio Variacoes
Fotografia: DR

Lena d’Água foi uma das cantoras escolhidas para participar no concerto de encerramento das Festas de Lisboa, de dia 29 de junho, na Torre de Belém, que este ano quis homenagear António Variações, através de um concerto especial com a participação de vários intérpretes e músicos portugueses. Lena d’ Água está entre os poucos artistas que conheceram e conviveram com o autor de ‘Canção do Engate’.

A propósito deste espetáculo pedimos à cantora que partilhasse com o Delas.pt as suas memórias de António Variações, o que recorda e guarda do músico e da pessoa, num texto em nome próprio que pode ler em baixo:

Texto de Lena d’ Água

“Ouvi-o pela primeira vez em 82 na Valentim de Carvalho da rua Nova do Almada, estava eu na sala da promoção com o Janita e ele na sala da produção com o David Ferreira e o Francisco Vasconcelos, onde faziam a audição do tema «Povo que lavas no rio». Estranhei muito aquela voz e aquela forma de cantar e pensei «há cada maluco!»

Não me lembro do dia em que fomos apresentados, só que senti uma empatia imediata com aquele ser amável e doce, o António Variações.

Já em 83, estava eu na sala dos pianos e na sala da alta-fidelidade fazia-se a audição do primeiro álbum do António, o Anjo da Guarda. Fiquei junto à porta envidraçada a ouvir. Quando todos saíram e ele me viu ali, puxou-me para dentro da sala e depois de pedir ajuda para voltar a ligar a aparelhagem, fez-me ouvir os temas com ele, só nós os dois. Estava muito feliz.

Haveríamos de estar juntos em outras ocasiões, já que éramos artistas da mesma editora. Andámos de helicóptero desde o Figo Maduro até ao Autódromo do Estoril numa colaboração com a Rádio Comercial. Nesse dia foram tiradas as fotografias de nós dois que já são conhecidas. Participámos também juntos num programa dessa mesma rádio na piscina do Hotel Atlântico. O programa era do Júlio Isidro e outro artista presente era o Marco Paulo, que estava um pouco ciumento da atenção das fãs ter-se virado para o António. Às tantas durante o almoço (eu estava entre os dois) o Marco disse «António, um destes dias eu meto uma bomba no teu carro!» ao que o António respondeu «Qual carro?» e todos nos rimos com gosto.

Sempre que nos víamos ele soltava um terno «Aguinha!…», era assim que me chamava. Meses antes da sua morte encontrámo-nos nos estúdios de Paço d’Arcos, estava eu a gravar o (álbum) Lusitânia e ele a finalizar o (álbum) Dar e Receber e estranhei-lhe a magreza. Disse-me que andava a fazer uns exames, que ainda não se sabia bem qual o motivo. Não nos voltámos a encontrar.

Meses mais tarde o Tó Pinheiro da Silva contava-me que as gravações da voz desse último disco duravam até quase de manhã. O António não queria gravar as vozes aos bocadinhos, insistia para cantar cada canção num só take, já com ajuda de uma bomba de asma emprestada. Todos no estúdio já cansadíssimos. Menos o António, que não desistiu até conseguir cantar aquele disco como ele queria.

Sem batota.”