Libido: um casal, dois desejos

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Quem já esteve numa relação sabe o que todos temos pudor de admitir e reconhece uma verdade que só alguns têm coragem para assumir: os membros do casal não têm a mesma libido. É um facto, está provado, mas, ainda assim, em início de paixão fulgurante, fingimos ou esquecemo-nos de que é assim e convencemo-nos que a força e a febre sexuais dos primeiros tempos se vai manter para sempre. Não vai. E está na altura de enfrentar o assunto.

Poucas são as áreas da ciência mais complexas e difíceis de estudo e acordo do que a sexualidade humana. Seja porque o financiamento para estudos não abunda ou porque o tema em si mesmo ainda se reveste de constrangimentos, a verdade é que nenhum estudo recente é peremptório no que se refere ao desejo masculino e feminino. Apontam-se caminhos, conclusões, mas nenhuma cabalmente aceite. As exigências e premissas dos sujeitos dos estudos são tão grandes e complexas que isso, por só, torna o empirismo da coisa quase impossível.

No entanto, dos caminhos que se apontam, há uma noção que se colou ao lombo feminino e que todos parecemos aceitar sem rebate: as mulheres têm uma libido inferior à dos homens e, quando em parelha, são as primeiras a desistir do sexo. E embora muitos estudos apontem a baixa libido feminina como primordialmente fruto de um condicionamento social (mais do que razões biológicas), a verdade é que ainda somos vistas como as responsáveis pelas relações serem falhas de sexo. Nos últimos 15 anos a falta de desejo tem sido uma constante nas consultas de sexologia e sessões de psicoterapia. E apesar de esta falta de vontade geral não discriminar género, somos rápidos a apontar e aceitar esse facto, sem grande cogitação, como uma atribuição exclusivamente feminina.

Ainda assim, e apesar de a doutrina divergir sobre qual o género que menos desejo demonstra em contexto de relação, uma verdade parece ser imutável: homens e mulheres têm libidos diferentes e isso vai ser sempre uma questão em relações longas. Seja porque o desejo feminino está mais condicionado a questões sociais (o peso do estigma ligado à sexualidade feminina) ou familiares (a maioria das mulheres ainda tem em cima de si o peso da educação dos filhos); ou porque os homens começam a ter também eles um jugo e uma pressão performativa (a sexualidade masculina também está impregnada de mitos), a verdade é que, a determinada altura da relação, o sexo desaparece. E o que lhe dá lugar é aquele vazio, aquela falta de vontade de entabular contacto, mesmo que o sexo seja prazeroso e que o orgasmo exista.

O desencontro de libidos e de vontades requer comunicação e entendimento entre as partes, e, em muitos casos, uma redefinição do que o sexo significa na relação. As noites (e dias) em que o sexo significava cópulas intensas pode passar, também, por masturbação e descoberta mais profunda do corpo do outro. Interessa que ambas as partes estejam felizes com as mudanças, mesmo que isso raramente (ou nunca) implique penetração.

Estamos todos tão condicionados para a importância do sexo regular, penetrativo e um desejo constante de orgasmos, que nos esquecemos de pensar no que, individualmente ou em conjunto, queremos realmente do sexo. E essas pit stops das relações, quando a vontade de um se manifesta mais que o desejo do outro, são boas oportunidades para nos questionarmos, e questionarmos os parceiros, sobre que tipo de relação sexual queremos ter. Qual é a medida de sucesso de uma sexualidade partilhada? Mais sexo? Mas de que forma, que tipo de sexo? Mais preliminares, menos toque, o quê? Somos tão fortemente levados a pensar que o suposto é termos sempre vontade do corpo do parceiro que a quantidade se sobrepõe, naturalmente, à qualidade do sexo que temos.

E, vendo bem a coisa, quantos de nós, ao pensar em sexo, pensa em erotismo? Muito poucos, sobretudo em casal. Sobre o tema já muito foi escrito mas é Esther Perel a musa moderna de todos os casais que não dispostos a deixar que o tempo e o doméstico lhes entre quarto adentro e destrua o imaginário sexual individual, praticado em conjunto. No seu livro, ‘Mating in Captivity’, a autora defende que a intimidade é, frequente e inexplicavelmente, a maior inimiga da sexualidade dos casais. Por intimidade entende-se, segundo ela, o ideal romântico em que o mistério que alimenta o erotismo é preterido em favor da doçura do companheirismo de sofá. A paixão continuada requer distância, transgressão, surpresa, tudo missões aparentemente impossíveis na espuma dos dias em conjunto. O desejo é alimentado pelo desconhecido, afirma, mas como integrar essa premissa no dia-a-dia?

Quando damos um passo atrás e tentamos olhar para a nossa sexualidade, una e em conjunto, percebemos que a contenda sexual não se faz de homens sempre prontos a copular, por um lado; e de mulheres frígidas e pouco interessadas, por outro. Independentemente do género, somos todos homens e mulheres, seres humanos complexos, com vontades e desejos diferentes, assentes no que somos, no modo como o sexo nos foi ensinado e no modo como o vivemos. Como é que isso se harmoniza numa vida em casal? Depende do modo como ambos comunicam o que querem. E isso é o mais difícil de tudo. Mas não impossível.