Lina Esco: “O #MeToo é excelente, mas temporário”

Criadora do movimento Free the Nipple e atriz na nova série “S.W.A.T.” está a trabalhar numa nova campanha feminista

Por Ana Rita Guerra

Demorou quatro anos a levar a ideia de libertar os mamilos femininos aos ecrãs de todo o mundo, numa produção que mudaria toda a sua carreira – e a sua vida como ativista. Lina Esco, 33 anos, a criadora do movimento Free the Nipple (cuja plataforma pode consultar aqui, em inglês) e protagonista do filme com o mesmo nome, aprendeu muito com o processo.

Por trás da ideia do fim da censura aos mamilos femininos – algo que, até hoje, continua tabu nas redes sociais mais utilizadas do mundo – estava a luta pela igualdade de género, não apenas uma hashtag e um filme em topless. Quando se deu a explosão do #MeToo e a criação do Time’s Up, no final do ano passado, olhar para o legado de Lina Esco foi incontornável.

“Comecei o movimento Free the Niple e realizei o filme antes do #MeToo, antes da Marcha das Mulheres, e estou familiarizada com tudo isto”, disse a atriz ao Delas.pt, numa entrevista em Los Angeles. “Já estava mais que na hora disto acontecer”, sublinhou, referindo que os movimentos permitiram uma abertura ao diálogo sem precedentes.

“O que sinto que é diferente agora é que passámos a estar incluídas, a fazer parte das piadas, não a ser o alvo”

Neste momento, Lina Esco interpreta a única agente feminina em S.W.A.T., série da CBS protagonizada por Shemar Moore, que conhecemos de Mentes Criminosas, Stephanie Sigman, Bond Girl de Spectre e Valeria Velez em Narcos. “No ambiente de filmagens, maioritariamente masculino, há agora “conversas abertas”, diz. “Abriu-se a discussão. O que sinto que é diferente agora é que passámos a estar incluídas, a fazer parte das piadas, não a ser o alvo. É apenas o princípio.”

E há muito trabalho pela frente. “O Free the Niple foi uma das maiores coisas que alguma vez fiz, e foi apenas o início.” Apesar de considerar tudo isto positivo, Lina Esco chegou à conclusão de que estes movimentos não são suficientes. “Penso que todos os momentos que as mulheres tiveram no passado foram desperdiçados. Existe um momentum e depois desaparece.”

Lina decidiu, por isso, levar para a frente a Human Campaign, um esforço bipartidário que pretende pôr na Constituição norte-americana a Equal Rights Amendment (ERA), segundo a qual homens e mulheres são iguais perante a lei. Esta Emenda foi apresentada em 1923 pela sufragista Alice Paul, mas nunca conseguiu ser ratificada por todos os Estados. “Isto não é sobre marchas e petições, é angariar fundos, contratar os lobistas certos e perceber porque é que algo que passou no Senado nos anos setenta não avançou mais nos últimos 40 anos”, refere. “A maioria dos países tem uma cláusula na Constituição que diz que os homens e mulheres são iguais. E nós não temos isso.”

“A maioria dos países tem uma cláusula na Constituição que diz que os homens e mulheres são iguais. E nós [EUA] não temos isso.”

Caso fosse aprovada, a ERA “mudaria tudo”, acredita. “O #MeToo é excelente, mas é temporário. Assim como a Marcha das Mulheres. Temos de estar protegidas pela lei federal. Podemos falar de igualdade e tudo isso, mas se não estamos na Constituição, é tudo irrelevante”, analisa Lina.

Seria também um exemplo para o mundo, numa altura em que os EUA mostram avanços e recuos relevantes: por um lado, o #MeToo e o Time’s Up estão a levar a mudanças efetivas em diversas indústrias e a chamar a atenção para um problema de assédio que é mundial; por outro, a administração de Donald Trump tem estado ocupada a reverter diretivas que protegem minorias e a facilitar as restrições ao planeamento familiar impostas por vários Estados com base na “liberdade religiosa.”

Ativismo dentro e fora do ecrã

“Faço isto o tempo todo. Sou uma ativista tanto na vida real como com a Chris, sinto essa responsabilidade com ela. Os escritores sabem, porque expresso as minhas opiniões com muita força”, refere a atriz.

Christina “Chris” Alonso, a sua personagem em S.W.A.T., é bissexual porque Lina o pediu e o produtor executivo Shawn Ryan achou boa ideia. “É importante ter personagens bissexuais na televisão. Cresci assim e queria que ela também fosse”, refere Lina Esco.

No ecrã, Chris é a única mulher na equipa S.W.A.T. comandada por Daniel “Hondo” (Shemar Moore) e são muitas as vezes em que o seu género é motivo de tratamento diferente. “As diferenças que surgem vêm de fora do nosso círculo”, indica Lina. Quando os colegas a tentam defender, Chris diz-lhes para não se envolverem, porque é assim que as coisas são e ela quer lidar com isso pessoalmente.

“Esta foi a razão pela qual aceitei este papel. Tendo a ser atraída por personagens que são desafiantes”, adianta a atriz. Os produtores também não se coíbem de mostrar na série questões controversas, tais como os excessos das forças policiais, a imigração ilegal e os tiroteios. É algo que outras séries e produções tendem a evitar, para não alienarem partes da audiência. “Desde o início que sabíamos que isto ia ter estômago, que íamos envolver-nos na política, e isso foi uma coisa que me entusiasmou”, refere Lina. “Se não vamos tocar na política, qual é o sentido de estarmos na S.W.A.T.? A S.W.A.T. é política, lidamos com assuntos políticos todos os dias.”

“Desde o início que sabíamos que isto ia ter estômago, que íamos envolver-nos na política, e isso foi uma coisa que me entusiasmou”, diz Lina Esco sobre a série que integra S.W.A.T.

A colagem à atualidade foi bem recebida pela audiência, o que levou a série a ser renovada para uma segunda temporada. Em Portugal, foi a mais vista de 2017, depois de uma estreia fenomenal no AXN em novembro.

“Temos a oportunidade de falar para muita gente que nunca foi exposta a uma mulher forte”, acredita Lina. “A Chris pisa o seu chão de forma muito sólida. Há um fator de igualdade dentro da equipa, mas fora dela as pessoas subestimam-na, há nesgas de situações da vida real.” A atriz, que pratica boxe, revela que teve de fazer uma preparação intensiva para o papel. “Especialmente por representar a única agente feminina. A responsabilidade que tenho é garantir que ela é o que eu gostaria de ver uma mulher representar na televisão”, afirma.

Imagem de destaque: DR