Aviso prévio: o texto que se segue é fiel ao discurso do chef, incluindo linguagem que poderá chocar os leitores mais sensíveis.

Além de estar de volta à televisão portuguesa com a segunda edição do programa Pesadelo Na Cozinha, Ljubomir Stanisic acaba de lançar o seu quinto livro: ‘Bistromania’. Um projeto feito em parceria com a sua mulher, Mónica Franco, que mais do que um livro pretende deixar registada uma boa fase da vida.

Esta segunda-feira, 24 de setembro, o Delas.pt esteve presente no lançamento e foi recebido pelo próprio Ljubomir que em conversa se mostrou igualmente divertido, provocador e desafiador. Além de falar sobre ‘Bistromania’, Ljubomir revelou as mudanças sentidas entre a primeira e a segunda temporadas do programa televisivo, falou sobre Portugal e a região portuguesa que mais admira. Partilhou ainda um pouco da relação que mantém com Mónica Franco, mostrando ter como pilar uma grande mulher, e ainda deu a conhecer as suas preferências na cozinha, lugar que defendeu ser de amor e não das mulheres.

No fim, Ljubomir ainda nos disse como conseguir que a cozinha lá de casa não se torne um pesadelo – assista ao vídeo acima.

Bistromania, de Ljubomir Stanisic, Casa das Letras, €22,90

‘Bistromania’ é o seu quinto livro. O que traz de diferente?

O que traz de novo é a história do Bistro [restaurante Bistro 100 maneiras]. Nenhum livro até agora foi sobre o Bistro, nunca falámos dele. Traz ainda receitas daqui. É a alma do Bistro. É um cunho grande na minha vida, como eu digo. Foi elogiado, tendo sido premiado o melhor restaurante do mundo em 2017. Quando o [Anthony] Bourdain veio a Lisboa foi este o primeiro restaurante que escolheu para jantar… foram coisas boas e nós queríamos pôr isso tudo no papel e imprimi-lo.

Apesar de não ser uma compilação de receitas, este livro traz um conjunto de sugestões que passa por comida vegetariana, probiótica, bebidas alcoólicas… Considera que os portugueses estão cada vez mais abertos a novas experiências inclusive na comida?

Então não estão? Os portugueses estão muito mais abertos a gastronomia, estão muito mais curiosos. Portugal está na melhor fase da puta da vida. Parem de falar ‘ai, turistas estão a estragar esta merda’. Quando não havia estavam no desemprego, havia 32% caralho, quando eu cheguei cá em 97. Não me gozem. Agora não temos taxa de desemprego, só está desempregado quem não quer trabalhar. O país está lindo, esta cidade está nos píncaros! Deixem andar assim meu, cuidem só, limpem um bocadinho mais, montem umas casas de banho, porque o turista está sempre a entrar aqui para dentro porque não tem onde mijar.

“Portugal está na melhor fase da puta da vida”

‘Bistromania’ conta com a colaboração da sua mulher, Mónica Franco.

Ela é que é o livro… sejamos sinceros, ela é que escreve, ela é que aponta as minhas receitas, porque eu nunca escrevi uma receita, cozinho com a alma. Por isso, ela é que compõe tudo como deve ser para estar tudo no seu lugar, a Mónica é a alma do segredo do meu negócio. Ela e eu escrevemos este projeto que se chama 100 Maneiras, foi algo escrito por nós no Canadá, simplesmente ela passou isso para o papel agora.

E na cozinha? Entendem-se bem?

Entendemo-nos lindamente. Posso dizer que tenho a melhor mulher do mundo, a melhor conselheira do mundo, a melhor ‘puta’ do mundo, a melhor mãe do mundo dos meus filhos, tenho a melhor companheira para o resto da vida. Amo mesmo a minha mulher e entendemo-nos em tudo, raramente não nos entendemos… há poucas coisas em que isso acontece.

“Isto de a mulher estar na cozinha é em casas pré-históricas e machismo de merda. Hoje em dia, espero que todos os homens façam num dia a refeição para a sua mulher e a mulher faça no outro dia para ele […] é uma coisa de amor”

Tendo em conta que em Portugal a cozinha do lar foi sempre muito considerada território feminino, como vê o prestígio do sexo masculino a nível profissional nesta área?

Para mim é igual, para mim é a mesma merda. Para mim a igualdade é… as mulheres fazem o trabalho delas e os homens o trabalho deles. Na cozinha, hoje em dia, destacam-se mais homens simplesmente porque não engravidam, não têm filhos, não têm que ir de baixa… Agora, há grandes mulheres na cozinha muito melhores que muitos cozinheiros no mundo. Por isso… é ela por ela. Isto de a mulher estar na cozinha é em casas pré-históricas e machismo de merda. Hoje em dia, espero que todos os homens façam num dia a refeição para a sua mulher e a mulher faça no outro dia para ele, vão trocando, porque é uma coisa de amor. Só os estúpidos é que comem por obrigação, para viver, eu vivo é para comer, caralho. Não como para viver.

É mais fácil trabalhar com homens ou com mulheres?

Eu gosto muito do mau feitio das mulheres, gosto muito. Eu tenho muitas na cozinha (do Bistro), devo ter umas dez e gosto muito de trabalhar com elas porque têm mau feitio. A maior parte delas eu gosto de escolhê-las pelo mau feitio, porque põem as pessoas no lugar delas. Mas para mim é-me igual trabalhar com mulheres ou com homens. Para mim é a mesma merda, homem ou mulher. Sou o maior defensor das mulheres que existe.

“Uma ‘ganda’ foda com a minha mulher influencia-me na cozinha, faz parte”

De que forma o seu percurso de vida influenciou a maneira como hoje vê a comida?

Tudo influencia a cozinha, a mim influenciou-me muito toda a riqueza e pobreza que vivi durante a guerra, todos os sítios por onde passei. Temos um livro chamado ‘Papa-Quilómetros’ e é exatamente isso: papamos quilómetros, para nos influenciarmos, para conhecermos mais, para recolhermos mais informações, porque sem isso não se consegue ter conhecimento. Tudo à nossa volta influencia. Uma ‘ganda’ foda com a minha mulher influencia-me na cozinha, faz parte. Todos os dias, aquele carinho com que eu acordo de manhã para lhe fazer o pequeno-almoço ou ela a mim, com abacate, tomate e crepioca, pah… isso influencia-me! Chego ao restaurante e quero criar uma receita que tenha aquele abacate, que tenha a farinha que ela usa… tudo influencia.

E o que é que o desafiou a protagonizar o programa Pesadelo na Cozinha, que está recentemente de volta à televisão portuguesa?

O desafio de ajudar pessoas. É isso que me interessa, ponto final, parágrafo. Sou cozinheiro, não sou apresentador, não sou ator, não sei fazer atos. A mesma merda que está na televisão sou eu, sou o mesmo que está aqui sentado. A única coisa que faço é tentar ajudar pessoas, quem se candidata eu não sei, amanhã vou gravar uma cena que não faço puta de ideia.

Ljubomir Stanisic [Fotografia: Fabrice Demoulin / 100 Maneiras]

Estando o programa na segunda edição, o público português já conhecia o formato, até porque foi um programa polémico, do qual se falou bastante e sobre o qual foram feitas diversas críticas. Isso sentiu-se no número de candidaturas?

Acho que está a ajudar-me a mim a conseguir ajudar mais pessoas, porque agora, quando chego às cozinhas estão lavadas, já estão limpas, não há gordura, não há sujidade. Antes estava tudo sujo… agora não, está tudo impecável. Chego lá e consigo trabalhar com pessoas, ver qual é o problema delas: se sabem cozinhar, se não sabem; tenho mais tempo para lhes ensinar; tenho mais tempo para fazer outras coisas. É completamente diferente, é mais humano. Temos uma equipa de vinte e tal pessoas e trabalhamos para ajudar as pessoas. Estamos a partir a loiça toda, porque queremos mesmo ajudar, o nosso objetivo é mesmo humano, se alguém não percebe isso, que s’a foda. ‘Ah o Ljubomir destrói famílias, o Ljubomir…”. Não. Sou um ser humano, estou a tentar ajudar pessoas, o resto fuck off… Somos gente feliz, sabemos o que temos no coração e na alma.

Mas existem de facto sinais de alerta que podem denunciar logo ao cliente que aquele local onde acabou de entrar para comer é um mau restaurante?

Claro que sim. Há mil e uma coisas… primeiro aquele chão que se anda e cola nos pés, estamos a entrar e faz logo ‘nhec nhec’; os que têm muitas fotografias à porta também não são muito bons, é imediato… se tem fotografias à porta para apresentar a cozinha já é uma coisa esquisita, querem comprovar algo. Além do chão, também as ementas pegajosas. Epah sujidade, falta de limpeza! A pessoa senta-se numa mesa e observa… serviços sujos, cenas a caírem e aranhas e etc. epah… borra-te naquele sítio, man. Tão simples quanto isso. Também o cheiro… cheira a fritos, sabes que o filtro não foi mudado há três meses, estás a comer um cancro.

“Vou para Monsanto e alimento-me durante seis meses e não repito nada, e não preciso de ir ao supermercado sequer para comer”

E há algum sítio onde nunca o veríamos a comer?

Não. Acho que não, como em todo o lado e como tudo. Sou um autêntico javali. Adoro comer.

Mas há algum alimento que não goste ou que dispense facilmente?

Pah, arroz integral dispenso. Foda-se, não gosto. É o único alimento.

E alimento preferido?

Adoro entranhas. Eu sou um javardo, gosto de tudo o que é impressionante. Gosto muito de comida de mar, gosto muito de peixe, sou fanático por vegetais e lácticos, como também gosto muito de boa xixa [carne], mas as entranhas… é uma coisa! Corações, fígados, rins, testículos… adoro essa merda toda. Vivo para isso.

É mais de doces ou de salgados?

Sou muito mais de salgados. Incomparável.

Se tivesse que escolher cinco ingredientes para cozinhar o resto da vida, quais seriam os eleitos?

Era impossível, não conseguiria escolher. Matava-me. É uma coisa que não consigo imaginar na puta da minha vida… ter cinco coisas para comer, não consigo imaginar isso. Porque eu vou para Monsanto e alimento-me durante seis meses e não repito nada, e não preciso de ir ao supermercado sequer para comer. Vou ao mato, apanho comida e como. Sei quais são as raízes e as plantas comestíveis, sei caçar, sei pescar… para mim é a vida é uma coisa muito selvagem, muito natural.

“Identifico-me muito com o Alentejo porque é a minha alma”

Esse instinto de sobrevivência vai ao encontro de conseguir alimentos frescos e naturais, algo que incentiva nos restaurantes aos quais vai com Pesadelo Na Cozinha.

Mas isso sou eu que acho que a qualidade está aí. Compramos umas lulas congeladas, elas levam uma injeção para absorver mais água, são congeladas dentro de água para aumentarem o peso mais 30%. Compra-se um quilo, sabe-se que são 700 gramas. É água injetada com químicos. Sou completamente: quanto mais natural melhor. E é melhor comer menos, mas comer natural.

Ljubomir já revelou que o Alentejo é a região portuguesa que mais gosta. Porquê?

É a região onde vou morrer. É onde vou viver em breve. Identifico-me muito com o Alentejo porque é a minha alma. Gosto muito daquela cena de alentejano, da cultura, identifico-me com a gastronomia, chaparros, sobreiros… é uma coisa que amo, sou apaixonado neles. Por isso vou estar no Alentejo, passar lá com a minha família todo o santo dia e vir a Lisboa só quando for preciso.

[Fotografia de destaque: Fabrice Demoulin / 100 Maneiras]

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