Conversámos com a fundadora da ONG grega METAdrasi poucos minutos depois da sua intervenção na conferência “Mulheres Refugiadas – Em Trânsito entre Discriminações Múltiplas”, que decorreu a 14 de outubro. Tal como acontece na organização que dirige, Lora Pappa não teve tempo a perder neste regresso a Lisboa, meses depois de ter vindo receber, na Assembleia da República, o Prémio Norte-Sul 2015, pelo seu trabalho na METAdrasi com grupos vulneráveis de refugiados e migrantes – mulheres, crianças e menores não acompanhados. Dessa conferência seguia para outra, noutro ponto da cidade, mas pelo meio ainda arranjou tempo para falar com o Delas. O trabalho da ONG e os desafios que enfrenta, num contexto nacional e europeu onde falta “coordenação” e”bom senso”, a situação dos refugiados que chegam à costa do território grego e o exemplo da solidariedade e modelo de integração português foram alguns dos temas abordados na entrevista. Lora Pappa define-se como uma otimista, crente no ser humano, mas diz que falta derrubar o medo do outro e lembra que podíamos ser nós, europeus, a estar no lugar dos que agora chegam pedindo asilo e acolhimento.
Uma das coisas que disse durante a sua intervenção, na conferência, foi que, no caso das refugiadas muçulmanas, há coisas mais prioritárias a tratar do que discutir o uso do véu islâmico. Isso tem a ver com realidades diferentes entre o norte e centro da Europa e o sul, onde também havia a tradição de as mulheres mais velhas usarem lenço – como referiu – ou com os desafios logísticos que os países que estão na dianteira do acolhimento a refugiados enfrentam?
Bom, talvez uma das razões para haver essa diferença na maneira de olhar para o véu seja o facto de, em alguns países, as mulheres terem tido um comportamento diferente no passado – como o uso do lenço na cabeça. Mas também porque no caso concreto da Grécia não temos um longo historial de imigração. A imigração a sério começou em 1992. Talvez sejam países mais abertos a isso, de momento, mas o facto é que não sabemos como a Grécia, a Itália e Portugal vão ser daqui a 30 anos. A Grécia, por exemplo, vai ter uma história de imigração maior e surgirão questões relacionadas com a integração.
Esses países, e também a Espanha e a França, reuniram-se há pouco mais de um mês numa cimeira de chefes de Estado de países do sul da União Europeia (UE) para discutir formas de influenciar a agenda europeia em várias questões, entre as quais a da crise de refugiados. Mas Portugal, por exemplo, não tem estado a receber o número de refugiados que já podia ter recebido, apesar da disponibilidade manifestada. Por que é que isso não está a acontecer? Faria sentido uma rede mais autónoma entre os países do sul para a agilizar esse processo?
Bom, está a acontecer. Acho que agora o processo está mais acelerado. Mas por que é que não acontecia? Por causa da burocracia. É sempre a burocracia. Algumas vezes ela simplesmente existe, já lá está, outras vezes é usada para atrasar as coisas. Vemos a burocracia na Grécia, na União Europeia. Aqui em Portugal não sei. Mas ao mesmo tempo diria que é interessante ver já este programa de recolocação dos refugiados, especialmente o que está a acontecer nos países do sul. Agora são a Grécia e a Itália que estão a receber os barcos dos imigrantes, mas ninguém sabe o futuro. Pode vir a passar-se em Portugal ou em Espanha. Por isso, devíamos já pensar que tipo de solidariedade existe entre os países da União Europeia, quando vemos Portugal a ser o segundo país a ajudar a Grécia. São números pequenos, mas há países, sobretudo países do leste europeu, que não acolheram um sequer. Por isso, para nós é muito comovente essa atitude. E talvez seja um sinal de esperança para a Europa.
Nota: Em julho, Portugal era o segundo país, a seguir à França, que mais refugiados tinha recolocado, provenientes dos campos gregos e italianos. O país tinha até à data recebido 452 refugiados, e a França 991, no âmbito do programa de reinstalação que tem como objetivo a distribuição de 160 mil pessoas pelos diversos Estados da União Europeia, como forma de aliviar a pressão sobre a Grécia e a Itália, que têm sido a porta de entrada na Europa para centenas de milhares de refugiados e migrantes. Esta sexta-feira, 28 de outubro, chegou a Portugal o maior contingente de refugiados num único voo, desde o início do programa. São 83 pessoas, o que perfaz um total de 676 refugiados já acolhidos pelo país, desde dezembro de 2015. Ao ‘Público’ , o ministro-adjunto do primeiro-ministro, Eduardo Cabrita, afirmou que Portugal está disponível para receber “grupos particularmente frágeis” e que está prevista a vinda da Grécia de crianças e jovens afegãos não acompanhados.
E como é que pode ser esse sinal de esperança?
Eu quando estive aqui em junho para receber o Prémio [Norte-Sul] fiquei muito sensibilizada pelo modelo de integração aplicado. Portugal tem uma história de imigração e compreende que ela também é “útil”, digamos assim, para a própria Europa. A população europeia é uma população envelhecida e todos os estudos mostram que dentro de alguns anos não haverá dinheiro para pagar pensões. Por isso, precisamos de jovens e muitas vezes, como digo repetidamente, esses jovens, e menores não acompanhados, estão retidos na Grécia. Mas estes jovens vão permanecer na Europa, e ou irão legalmente para outros países da União Europeia ou irão ilegalmente. Isso é certo. Por isso, talvez devêssemos começar já a dar-lhes um bom exemplo, assim que eles põem os pés em solo europeu, para que eles possam realmente gostar da Europa. Se olharmos para a segunda e terceira geração de imigrantes, em França, qual é a experiência que essas pessoas têm tido na Europa? Portanto, penso que sim, que devíamos colaborar de forma mais próxima. Quando estive cá em junho tive encontros com organizações sociais, ONGs, plataformas, vi o seu trabalho e fiquei muito surpreendida e realmente acho que Portugal devia exportar o seu modelo para outros países da União Europeia. Tenho mais esperança de colaborar com os países do sul do que com os países do leste, neste processo.
Quais são os desafios mais urgentes que a METAdrasi enfrenta neste momento?
Os nossos desafios estão diretamente ligados às necessidades dos refugiados. E para nós um dos maiores desafios é perceber porque é que não estamos a seguir o bom senso. Porque não foi o que aconteceu o ano passado e ficou muito claro que temos de cobrir as necessidades, em todos os casos, sejam alimentares, de vestuário, etc. Para a Grécia ainda é um número muito elevado manter 40 ou 50 mil refugiados. Mas a situação criada pela UE, na Grécia, especialmente com o acordo UE-Turquia, que divide populações dentro da Grécia, tem criado muita tensão e violência e os locais começam a não compreender por que não há um programa, uma data para que alguma coisa mude. Cerca de 10 a 15 mil pessoas estão bloqueadas na ilha de Lesbos há oito meses, em condições horríveis. E perdeu-se 60% de turismo, numa zona que já tem problemas económicos. Os gregos não se importam de continuar a ajudar mas precisam que seja definido um prazo e que a situação não se continue arrastar. Mas eles não veem esse futuro chegar.
E o que é que pode ser feito entretanto?
O que achamos é que, de momento, dadas as infra-estruturas e a capacidade existentes e a falta de coordenação no país, não há condições para ajudar essas pessoas. Por isso, na METAdrasi andamos sempre a correr para cobrir as necessidades, para tentar convencer o governo, os serviços e as organizações internacionais para atuarem de outra forma. Isso já é um desafio. Paralelamente, defendemos que o dinheiro que a União Europeia dá às entidades internacionais que trabalham neste processo seja atribuído de forma adequada.
Adequada como?
Que lhes deem o know-how de como funcionam as redes de apoios aos refugiados na Grécia, como funciona a jurisdição grega. Isso por um lado. Por outro, tentarmos pressionar os estados-membros. Há 50 mil refugiados, em que 60% são pessoas vulneráveis – mulheres, menores sozinhos, famílias – e muitos já têm familiares a residir nesses estados. E o processo de reagrupamento familiar demora oito a nove meses. Mesmo assim, muitos deles, não tiveram a oportunidade de se candidatar a esse processo de reagrupamento. Portanto são, oito, nove ou até 10 meses de desespero aos quais se junta mais um ano. Há muitos desafios. Outro deles é que língua vamos ensinar a estes refugiados, quando falamos de integração? Muitos deles vão ficar na Grécia, mas outros não. Vamos ensinar grego às crianças que estão no projeto de recolocação para outro país ou de reagrupamento familiar? Não, porque eles vão para outro lado, mas quando é que vão? Não sabemos.
Apesar dos desafios, mantém o otimismo.
Eu sou fundamentalmente otimista. Acredito no ser humano, mas talvez precisemos que mais políticos na União Europeia digam a verdade. Quando oiço aquela frase louca de que os refugiados e os migrantes estão ligados ao terrorismo… E esta ideia é cada vez mais reproduzida, cria medo nas pessoas. E é muito fácil criar o medo, mas é muito difícil tirá-lo. O nosso desafio é combatê-lo e dizer às pessoas: ‘não tenham medo! Podiam ser vocês a estar no lugar deles’. Falamos dos valores europeus, mas esquecemos que os Direitos Humanos também são para os outros, não são só para nós.