A condição das mulheres refugiadas e as discriminações a que estão sujeitas, nesse processo de deslocalização, são o centro da conferência internacional, “Mulheres Refugiadas em Trânsito entre Discriminações Múltiplas”, que decorre esta sexta-feira (14 de outubro), na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em Lisboa.
Organizada em conjunto pela Fundação Friedrich Ebert, a Associação Mulheres sem Fronteiras, Faces de Eva – CCIS.NOVA e a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, a conferência começou com as intervenções da investigadora Elena Fiddian-Qasmiyeh, da University College London, via skype, e de Lora Pappa, fundadora da ONG METAdrasi.
O encontro marca o regresso da ativista grega a Lisboa, meses depois de ter vindo receber, na Assembleia da República, o Prémio Norte-Sul 2015, em conjunto com o ex-Presidente moçambicano, Joaquim Chissano.
Segundo revelou na conferência, a ativista que trabalha no apoio e encaminhamento de grupos mais vulneráveis de refugiados e migrantes como mulheres, crianças e menores não acompanhados, a falta de segurança e as situações de violência sexual são o principal problema que esses grupos enfrentam nos campos.
“Os números não são conhecidos porque essas mulheres nunca falam”, começa por referir Lora Pappa. Mas o trabalho no terreno permite à fundadora da METAdrasi conhecer uma realidade que, dentro dos campos de refugiados, afeta as mulheres de forma particular no que toca à violação dos Direitos Humanos. As mulheres e os menores enfrentam o assédio e o abuso sexual, violações e, muitas vezes, aceitam situações de favores sexuais para sobreviver.
“Há crianças e mulheres abusadas sexualmente pelo preço de 5 euros”, alerta Lora Pappa.
O facto de estarem em trânsito para outros campos ou países e de se desconhecer quando estará concluído o processo de recolocação dos refugiados e dos migrantes facilita a infiltração de traficantes e os abusos, agravando ainda mais a situação das mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade sexual, que além disso se debatem, como os outros, com a pobreza, diz Lora Pappa, que critica a burocracia e a falta de apoios estatal e comunitária.
O “aumento de casos de violência doméstica nos campos” é outros dos problemas que vai esbarrando com as restrições burocráticas, como denuncia a ativista. “As mulheres não estão autorizadas a sair da ilha se se quiserem divorciar do marido, em caso de violência doméstica, por exemplo.”
Face a todas estas situações, Lora Pappa considera que é “realmente urgente separar os campos em áreas para mulheres e homens, à exceção das famílias” e dotá-los de segurança 24 horas por dia. “A segurança nos campos é o problema número um para mulheres e crianças”, sublinha, acrescentando que as redes de tráfico dentro de campos, que têm como alvo preferencial mulheres, raparigas e criança, beneficiam dessa falha.
A isso junta-se depois o medo das vítimas em fazerem denúncias. “As mulheres são muitas vezes relutantes em falar, queixar-se e testemunhar contra os agressores. E quando isso acontece a polícia e os tribunais são incapazes de os identificar”, explica Lora Pappa, acrescentando que há falta de apoio das autoridades, em termos policiais e legais.
Por isso, a função dos intérpretes é fundamental, não só para ajudar a dar resposta a problemas e situações desse tipo, mas também por que podem ser as próprias mulheres a ter essa função e dessa maneira ganharem autonomia e algum empoderamento.
Ensinar a língua grega e desenvolver programas de educação é um dos passos propostos pela organização. A ideia é que as mulheres possam trabalhar como intérpretes e em serviços de saúde nos campos de refugiados e com isso alcançarem também uma certa independência, tornando-se menos expostas à exploração sexual por razões económicas e conseguindo maior integração e acesso aos direitos legais e políticos no país de acolhimento.
A integração cultural e religiosa será o passo seguinte, para o qual Lora Pappa admite não ter uma resposta concreta. Para a ativista a prioridade é, para já, outra. Em relação ao hijab afirma respeitar a escolha da mulher. “Se quiser usar usa, se não quiser usar não usa. Temos de relaxar um pouco em relação a isso, temos muitos problemas piores para resolver antes disso”, defende.
Até porque há muitos atores no terreno, mas pouca informação e coordenação entre eles. Por outro lado, há poucas mulheres na polícia, e nas forças militares, que acompanham a vida dos refugiados nesses campos e continua a haver poucas intérpretes para as necessidades.
“A METAdrasi começou exatamente pela ausência de intérpretes no processo de asilo grego. Não temos fundos para cobrir a proteção hospitalar. Precisamos de voluntários de todo o lado”, afirma em resposta a uma questão de uma jovem na plateia que esteve em campos de refugiados, na Grécia, e assistiu às dificuldades das mulheres em serem acompanhadas durante e depois da gravidez.
Lora Pappa lamenta, sobretudo, que a mobilização civil não se tenha traduzido a nível político. “Perdemos a oportunidade de ver traduzida a solidariedade dos cidadãos europeus nos representantes políticos. A mensagem não passou”.
Além da sua intervenção, a conferência incluiu as participações de Teresa Tito de Morais Mendes (presidente do Conselho Português para os Refugiados (CPR)), Mary Honeyball (deputada britânica no Parlamento Europeu), Gabi Dobusch (deputada no parlamento de Hamburgo), Ana Gomes (deputada portuguesa no Parlamento Europeu) e de Catarina Marcelino (secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade).
Imagem de destaque: António Cotrim/Lusa